Impossibilidade de cobrança de aluguéis pelo uso exclusivo de imóvel comum por ex-consorte e o sistema jurídico de proteção aos sujeitos familiares vulneráveis: relativização do princípio do enriquecimento sem causa na visão do STJ

AutorAna Vládia Martins Feitosa
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional nas Relações Privadas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior de Advocacia do Ceará (FESAC). Professora do curso de graduação em Direito e da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo de Família e Sucessões e Direito Processual Civil da...
Páginas73-100
IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS
PELO USO EXCLUSIVO DE IMÓVEL COMUM
POR EX-CONSORTE E O SISTEMA JURÍDICO
DE PROTEÇÃO AOS SUJEITOS FAMILIARES
VULNERÁVEIS: RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO
DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NA VISÃO
DO STJ
Ana Vládia Martins Feitosa
Mestre em Direito Constitucional nas Relações Privadas pela Universidade de Fortaleza
(UNIFOR). Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior
de Advocacia do Ceará (FESAC). Professora do curso de graduação em Direito e da
Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo de Família e Sucessões e Direito
Processual Civil da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Membro do Instituto Bra-
sileiro de Direito de Família (IBDFAM), do Instituto dos Advogados do Ceará (IAC),
das Comissões Nacionais e Estaduais de Direito de Família e da Mulher Advogada do
Conselho Federal da OAB e da Seccional do Ceará. Vice-Presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE). Conselheira Federal da OAB. Advogada
especialista em Família e Sucessões.
E-mail: vladiafeitosa.adv@gmail.com.
Eu vou lhe deixar a medida do Bonm
Não me valeu
Mas co com o disco do Pixinguinha, sim!
O resto é seu
Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar”
(Trocando em miúdos – Chico Buarque)
Sumário: 1. Introdução – 2. Natureza jurídica dos bens pendentes de partilha após o divórcio ou
separação (de fato ou judicial): mancomunhão ou condomínio; 2.1 Mancomunhão: universalidade
jurídica; 2.2 Condomínio: comunhão jurídica – 3. Arbitramento de verba indenizatória pelo uso
exclusivo de bem imóvel comum e o posicionamento do STJ; 3.1 Indenização devida somente após
a partilha; 3.2 Indenização devida antes da partilha, desde que haja situação condominial; 3.3 Inde-
nização devida antes da partilha e independente de condomínio: princípio do enriquecimento sem
causa – 4. Relativização do princípio do enriquecimento sem causa e o sistema jurídico de proteção
aos sujeitos familiares vulneráveis; 4.1 Proteção aos lhos menores cuja moradia se estabelece no
imóvel comum do ex-casal; 4.2 Proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar cuja
moradia se estabelece no imóvel comum do ex-casal – 5. Considerações nais – 6. Referências.
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1. INTRODUÇÃO
Na sociedade contemporânea, a ideia de f‌initude das relações afetivas parece ter
ganhado contornos mais tangíveis. Aquela indissolubilidade que antes vigia para os
casamentos não mais se faz presente, sendo certo que o término da sociedade conjugal
se dá, hoje, com o simples exercício de um direito potestativo.
A reboque desse contexto, revelam-se os desdobramentos patrimoniais dessa
ruptura, inserindo-se, aí, uma situação cada vez mais recorrente: o uso exclusivo
de imóvel comum ainda não partilhado por ex-consorte em detrimento do outro.
Diante disso, abrem-se discussões acerca da possibilidade daquele que está pri-
vado do exercício da posse direta do bem receber alguma compensação f‌inanceira.
Na jurisprudência pátria, especialmente na do Superior Tribunal de Justiça,
há divergência sobre o tema, que perpassa pela delimitação do instituto jurídico
que a ele se aplica, se mancomunhão ou condomínio, como formas de exercício da
copropriedade.
Em julgados mais recentes, parecer ter f‌icado clara a mudança de enfoque no
aspecto estrutural dos aludidos institutos jurídicos para o aspecto funcional, passan-
do-se a uma perspectiva de solução do problema segundo os parâmetros do princípio
do enriquecimento sem causa.
O elemento nuclear que move este trabalho reside exatamente naqueles casos
em que o uso exclusivo de imóvel comum ainda não partilhado por ex-consorte em
detrimento do outro deixa de atrair a aplicação do aludido princípio, cedendo lugar
àqueles que tutelam os interesses dos sujeitos familiares vulneráveis.
2. NATUREZA JURÍDICA DOS BENS PENDENTES DE PARTILHA APÓS O
DIVÓRCIO OU SEPARAÇÃO (DE FATO OU JUDICIAL): MANCOMUNHÃO
OU CONDOMÍNIO
Na esteira da contratualização do Direito das Família e do fomento aos princípios
da autonomia privada e da mínima intervenção do Estado, o ordenamento jurídico
pátrio incorporou soluções tendentes a simplif‌icar o divórcio, como forma de privi-
legiar a vontade dos cônjuges, que se projeta para além das questões patrimoniais.
Como salienta Luiz Edson Fachin,1 “está-se diante de um notório processo de
desinstitucionalização da família” que, na contemporaneidade, não admite mais a
ingerência estatal no que se refere à intimidade de seus membros, exceto para tutelar
os mais vulneráveis, posto ser inconcebível que esta abstenção seja aplicada pela
compreensão oitocentista.
1. Da função pública ao espaço urbano privado: aspectos da privatização da família no projeto do “Estado
mínimo”. In: FACHIN, Luiz Edson; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Direito e neolibera-
lismo: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba: EDIBERJ, 1996, p. 144-145.
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