Regularização fundiária em área de preservação permanente e as possibilidades trazidas pela reurb

AutorRaquel Parente Barros Leitão
Páginas227-249
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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE E AS POSSIBILIDADES
TRAZIDAS PELA REURB
Raquel Par ente Barr os Leitão1
Resumo: Para entender a formação da cidade, é preciso compreender a
relação entre o espaço urbano e o direito a moradia. Para isso é preciso
observar o papel do Estado, políticas habitacionais implementadas,
problemas urbanos existentes no país e sua relação com o meio ambiente.
Esta pesquisa teve como objetivo a análise da urbanização brasileira e
políticas habitacionais ao longo da história, destacando os impactos no
acesso à habitação. Diante disso, o presente estudo procura analisar a
possibilidade da regularização fundiária em áreas de preservação
permanente, observando a possibilidade do instrumento em tela para
efetividade do direito à moradia. Este trabalho adotou como procedimento
metodológico o levantamento bibliográfico e a pesquisa documental.
Palavras-chave: Regularização Fundiária. Cidade. Área de Preservação
Permanente. Meio Ambiente.
Sumário: INTRODUÇÃO; 1. HISTÓRICO DE OCUPAÇÕES
IRREGULARES NO BRASIL; 2. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
URBANA DE ACORDO COM A LEI Nº. 13. 465/2017; 2.1. Conceitos e
Características.; 2.2 Espécies; 3. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTES. AS DENOMINADAS APP`S.; 3.1. Conceito, espécies
e legislação aplicável; 3.2. Ocupações e usos irregulares das áreas de
preservação permanente 4. APLICAÇÃO DA REURB EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE; 4.1. Instrumentos legais que tutelam
as APPs em áreas urbanas 4.2. Aplicação da Reurb em APPs.
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 Advogada. Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil, Pós-Graduanda em Direito Imobiliário.
Membra da Comissão de Direito Imobiliário da ABA/RJ. E-mail: adv.raquelparente@gmail.com
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INTRODUÇÃO
O direito à moradia é um direito fundamental garantido pela
Constituição Federal de 1988 e para avaliar o contexto atual é necessário
entender as condições históricas, sociais e econômicas que influenciaram
na formação das cidades e as formas urbanas que vivemos hoje.
O crescimento populacional, o movimento de êxodo rural e fatos
históricos trazem ao Estado o desafio de atender as necessidades da
sociedade utilizando de políticas públicas, mecanismos e legislações que
visem o bem-estar comum, o desenvolvimento social, atendam ao interesse
público e se adequem ao cenário atual.
O crescimento demográfico vertiginoso na cidade apresentou
desigualdades entre os bairros e aumento da favelização, por muitas vezes
em regiões de preservação ambiental permanente.
Segundo dados do IBGE, 45,2 milhões de pessoas enfrentam
algum tipo de restrição ao direito à moradia adequada, 11,5% da população
residia, em 2019, em domicílios próprios sem documentos que comprovem
a propriedade e 20,3% das pessoas que viviam em áreas de risco moravam
em aglomerados subnormais2.
Um fundamentado estudo e projeto de regularização fundiária
podem ser fundamentais para trazer o equilíbrio sustentável para a
população local, criando oportunidades para ocupação do solo de maneira
adequada e assegurando áreas de preservação ambiental.
A aplicação da legislação deve ser utilizada como uma ferramenta
de transformação social e construção de um bom espaço urbano, visando o
combate às desigualdades socioespaciais, viabilizando o direito à moradia
e diminuição dos conflitos existentes na cidade.
Este trabalho tem como um dos objetivos conceituar a
regularização fundiária no ordenamento jurídico, trazer seus requisitos de
forma sintetizada e apresentar a sua implicação nas áreas de preservação
ambiental permanente.
2 INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das
condições de vida da população brasileira. IBGE, 2020. Disponível em:
visualizacao/livros/liv101760.pdf >. Acesso em 09 de set. de 2021.
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1. HISTÓRICO DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES NO
BRASIL
No ano de 1889, a família Real partia, mostrando que a forma
republicana presidencialista de governo no Brasil vinha para ficar. O
rompimento com a monarquia, instituiu um governo provisório
republicano, o que se tornaria a Primeira República Brasileira. Mudança
de símbolos, escolha de um novo hino, Constituição de 1891 foram
algumas das transformações que trouxeram mais concretude à mudança
efetiva do regime.
O poder moderador havia sido substituído pelo princípio da divisão
e equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No
entanto, o clima pacífico não durou muito tempo, eclodindo em 1891, a
primeira Revolta da Armada. No ano de 1894, após duas revoltas, foram
convocadas as eleições presidenciais, dando início ao primeiro governo
civil da República.
O período foi marcado por muita troca, empréstimo, negociações,
favoritismos e repressão. Historiadores afirmam que jornais da época
mencionavam que o país não passava de uma grande fazenda.
O fim da escravidão e a desorganização do sistema de mão de obra,
impulsionou o governo a vender a ideia de “paraíso terreal”, na tentativa
de atrair imigrantes, sobretudo europeus, para o Brasil. A propaganda
serviu para o aumento populacional no país. Estima-se que 50 milhões de
europeus abandonaram sua cidade natal em busca de propriedade e
emprego. Entre 1877 e 1930, calcula-se que uma média de 70 mil
imigrantes entravam por ano no Brasil.3
O crescimento populacional trouxe consigo uma nova
configuração social. Com a crise da agricultura, a urbanização alterou
rapidamente o cenário no país. A população se concentrou no eixo
econômico na região sudeste, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, em busca de oportunidades.
No entanto, com o intuito de “civilizar” e embelezar as cidades, no
ano de 1902 a 1906, começou o período conhecido como “bota abaixo”,
um processo de reformas urbanas e ampliação das vias, que iniciou com a
3 SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Maria Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015, pág. 323.
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expulsão da população pobre que habitava as regiões centrais, através da
demolição das casas, cortiços e velhos casarões, deslocando a população
que ali habitava para subúrbios ou a subir os morros próximos.
Logo após toda essa movimentação vieram as crises sanitárias que
disseminavam enfermidades e se agravavam ainda mais pelo predomínio
de habitações populares provisórias feitas de barro, habitat natural para o
barbeiro, transmissor da Doença de Chagas. Reagindo a falta de estrutura,
precariedade e aumento do aluguel, iniciaram então os movimentos
urbanos sociorreligiosos pela luta de posse de terras. No entanto, tais
movimentos, ao mesmo tempo que lutavam por uma vida justa e
igualitária, reproduziam as marcas da violência e imposição de poder que
sofriam.
Anos após, foi promulgada a Constituição Brasileira de 1934, a
qual assegurou a todos uma existência com dignidade, consagrando a ideia
de que um Estado Democrático de Direito caminha ao lado da dignidade
da pessoa humana.
No final da década de 1940, em um cenário pós Segunda Guerra
Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), lançou a Declaração
dos Direitos Humanos apontando os principais direitos e deveres, com
intuito de trazer dignidade para “todos os membros da família humana”.
Tal documento trouxe diretrizes para regulamentação do tema e serve até
hoje como base para grande parte do direito internacional.
Algumas décadas depois, a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 5º, apresentou o conceito de igualdade entre os indivíduos, sem
qualquer distinção, garantindo o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade (BRASIL, 1988)”4.
No entanto, o direito à moradia foi definido diretamente como
direito social fundamental somente após a Emenda Constitucional nº
26/2000 onde passou a constar o termo “moradia” no artigo 6º da Carta
Magna. A moradia e propriedade apesar de andarem juntas, possuem
distintas características. A propriedade é assegurada pela lei, no sentido de
gozar, usar e dispor de um bem. Já a moradia, representa a necessidade
4 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1988. Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Art. 5º.
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
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intrínseca ao ser humano e vital, não sendo uma escolha, exigindo
habitação adequada, com necessidades básicas, condições de
habitabilidade e saneamento.
Apesar da garantia constitucional, a realidade e crise enfrentada na
habitação pelos moradores de periferias até os dias de hoje revelam a falta
de efetividade da legislação a respeito do assunto.
A Regularização Fundiária Urbana traz consigo a possibilidade de
garantir o direito à moradia, trazendo infraestrutura básica, dignidade e o
tão sonhado título de propriedade através da lei 13.465/2017.
Compete a União, conforme estipula o artigo 21, inciso XX da
Constituição Federal, “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos” (BRASIL,
1988).5 Essa afirmação pressupõe a autonomia do Município para
normatização de legislação de interesse local (art. 30, I, CF/88), como por
exemplo a forma de organização e diretrizes para urbanização da cidade.
Apesar do direito à moradia estar elencado como fundamental, é
preciso que a cidade estruture através de políticas públicas a possibilidade
de o cidadão possuir moradia, não se esquecendo da importância da
legitimação desse direito através do título jurídico para espaços urbanos
ainda não formalizados.
A Regularização Fundiária vem como forma de instrumentalizar e
trazer efetividade aos artigos citados anteriormente. A lei 13.465/2017,
deve ser utilizada como instrumento para satisfazer os direitos
fundamentais e sociais, além de dar à propriedade a real função social.
A lei trouxe aspectos práticos para o registro de imóveis e
empreendimentos urbanos, como assentamentos e loteamentos até então
irregulares perante o município. Com essa nova norma, os imóveis e
estruturas habitacionais irregulares podem ganhar o status de imóveis
individualizados e registrados, bem como a possibilidade de chamar a
atenção do Poder Público para prestação de serviços básicos.
5 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1988. Da União. Art. 21. Compete à União: XX - instituir
diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos;
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2. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE ACORDO
2.1. Conceito e características
No capítulo anterior observamos através da evolução histórica que
as cidades cresceram desprovidas de qualquer planejamento ou
infraestrutura, criando aglomerados sem qualquer amparo do poder
público.
Segundo o IBGE, em 2010, existiam cerca de 3,2 milhões de
domicílios em aglomerados subnormais, sendo 49,8% na região Sudeste
do país. A ocupação de áreas irregulares e sem acesso a saneamento básico
é uma realidade no Brasil.
A sociedade passou por transformações, as cidades sofreram
alterações urbanísticas e regras ambientais foram alteradas ao longo do
período. Surge então a Lei 13.465/2017, trazendo um conjunto de normas
urbanísticas, ambientais e sociais, tendo como um dos seus objetivos o de
identificar os núcleos urbanos informais e assegurar a prestação de serviços
públicos, melhorando as condições de ocupações informais e conferindo
direitos reais aos seus habitantes.
O artigo 9º, caput da lei nº 13.465/2017 traz a definição da
Regularização Fundiária Urbana (Reurb):
Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas
gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização
Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas
jurídicas, ur banísticas, ambientais e sociais
destinadas à incorporação dos núcleos urbanos
informais ao ordenamento territorial urbano e à
titulação de seus ocupantes.
No entanto, lei estabelece alguns limites para concessão do direito
real, são eles: a Reurb só pode ser aplicada em núcleos urbanos informais
existentes até 22 de dezembro de 2016 (artigo 9º, §2º)6, não pode estar
situado em áreas indispensáveis à segurança nacional ou de interesse da
6 BRASIL. LEI 13.465/2017. Da Regularização Fundiária Urbana. Art. 9, § 2º A Reurb promovida
mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada p ara o s núcleos urbanos informais
comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016.
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defesa (artigo 11, §5º)7 e poderá ter uso misto e não apenas residencial,
desde que reconhecido pelo poder público o interesse público de sua
ocupação (artigo 23, §1º, III)8.
Fica claro que a intenção da lei foi impulsionar a função social da
propriedade, fornecendo meios de garantir o direito à moradia.
2.2. Espécies
A Regularização Fundiária possui duas modalidades:
a) Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social
(REURB-S): é aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados
predominantemente por população de baixa renda. Essa identificação de
renda deve ser declarada pelo Poder Executivo Municipal conforme dispõe
o artigo 13, I da Lei 13.465/20179. Esta modalidade permite a isenção de
custas e emolumentos dos primeiros atos registrais e certidões em favor
daquele a quem for atribuído o domínio da propriedade.
b) Regularização de Interesse Específico (REURB-E): aplicável
a núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na
hipótese anterior, ou seja, pessoas não classificadas como baixa renda
segundo normas estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal (artigo 13,
II da Lei 13.465/2017)10. Nesta modalidade, os valores serão custeados
pelos seus requerentes, podendo também ser custeado pelo Município, com
posterior cobrança aos beneficiários caso haja interesse público.
Grande parte dos imóveis objetos da regularização estão
localizados em áreas de preservação ambiental ou conservação de uso, no
entanto, a legislação não fala em desocupação ou remoção dos habitantes
7 BRASIL. LEI 13.465/2017. Da Regularização Fundiária Urbana. Art. 11 § 5º Esta Lei não se
aplica aos núcleos urbanos informais situados em áreas indispensáveis à segurança nacional ou de
interesse da defesa, assim reconhecidas em decreto do Poder Executivo federal
8 BRASIL. LEI 13.465/2017. Da Legitimação Fundiária. Art. 23. §1º, III - em caso de imóvel urbano
com finalidade não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua
ocupação.
9 BRASIL. LEI 13.465/2017. Da Regularização Fundiária Urbana. Art. 13, I - Reurb de Interesse
Social (Reurb-S) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados
predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo
municipal;
10 BRASIL. LEI 13.465/2017. Da Regularização Fundiária Urbana. Art. 13, II - Reurb de Interesse
Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por
população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.
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e sim na obrigatoriedade da elaboração de estudos técnicos que justifiquem
as melhorias ambientais em relação à ocupação informal anterior e
obediência aos artigos 64 e 65 da lei 12.651/2012.
3. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AS
DENOMINADAS APPs
3.1. Conceito. Espécies e legislação aplicável
Antes da Constituição Federal de 1988 as normas de proteção ao
meio ambiente eram fracionadas e apresentavam preocupação apenas com
o viés econômico dos recursos naturais, no entanto, a carta magna trouxe
mudanças significativas para a legislação ambiental brasileira.
O artigo 24, inciso VI da Constituição11 estabelece que é
competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal
legislar sobre florestas e proteção do meio ambiente. Para tanto, cabe à
União, o estabelecimento de normas gerais e aos Estados a edição de
normas que atendam às suas realidades específicas.
No artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, verifica-se a incumbência
do Poder Público com a gestão dos espaços territorialmente protegidos:
- Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público: (...)
III definir, em todas as unidades d a Federação,
espaços territoriais e seus co mponentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Nesse contexto, a Lei Complementar n. 140/11, em seu artigo 1º,
estabeleceu mecanismos de cooperação administrativa entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios em matéria de proteção ao meio
11 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1988. Da União. Artigo 24. Compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IV - flo restas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle
da poluição.
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ambiente, proteção das paisagens naturais notáveis, combate à poluição em
qualquer de suas formas e preservação das florestas, da fauna e da flora12.
Desta forma, percebe-se que aos municípios é dado também o
reconhecimento para dispor sobre o solo urbano, definindo inclusive as
áreas a serem protegidas em seu território. E, caso seja constatada a
inexistência de valor ambiental de determinada área, o Município pode
dar destinação adequada ao uso do solo, visando cumprir a função social
das cidades.
Corroborando com este pensamento, temos a seguinte decisão
relatada pelo Ministro Celso de Mello, do STF, em 2013:
Os municípios formam um elo fundamental na
complexa cadeia de proteção ambiental. A
importância dos municípios é evidente por si mesma,
pois as po pulações e as autoridades locais reúnem
amplas condições de bem conhecer os problemas e
mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo
que são as primeiras a localizar e identificar o
problema. Através dos municípios que se pode
implementar o princípio ecológico do agir
localmente, pensar globalmente. Na verd ade,
entender que os municípios não têm competência
ambiental específica é fazer uma interpretação literal
da Constituição Federal (STF, 2013).
Com isso, verifica-se que não uma hierarquia entre os
integrantes da federação, mas uma divisão de competências e atribuições,
cabendo a cada um dos diferentes entes, o cumprimento da parcela que lhe
foi atribuída pela Constituição Federal.
Diante do respaldo constitucional, as áreas de preservação
permanente (APPs), são consideradas, ao lado das unidades de
conservação e da reserva legal, modalidades de espaço territorial
especialmente protegidos.
12 BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. Art. 1o Esta Lei Complementar fixa normas, nos
termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para
a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas
decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis,
à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das
florestas, da fauna e da flora.
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De acordo com MILARÉ (2009, p.105)13, esta terminologia
designa áreas sob regime especial de administração, com o objetivo de
proteger os atributos ambientais justificadores do seu reconhecimento e
individualização pelo Poder Público.
O Código Florestal de 2012 estabelece em seu art. 3º, Inciso II o
conceito legal da Área de Preservação Permanente como sendo “área
protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e
assegurar o bem-estar das populações humanas” (BRASIL, 2012).14
Para CATAPAN et al. (2013, p. 105)15, as matas e águas são
indissociáveis. A vegetação, por ser diretamente relacionada à
permeabilidade dos solos é determinante para a regularidade da vazão dos
rios. Quando se trata de vegetação que ladeia os cursos d’água, a relação
se torna inseparável, visto que, entre tantas funções da mata ciliar está a
estabilização das margens, impedindo a erosão e o assoreamento dos
recursos hídricos, a atenuação de cheias e vazantes dos rios, garantindo
assim, água em quantidade e qualidade ao homem e aos animais.
Entende-se por Área de Preservação Permanente, em zonas rurais
ou urbanas:
I as faixas marginais de qualquer curso d’água
natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros,
desde a borda d a calha do leito regular, em largura
mínima de (...);
II as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais,
em faixa com largura mínima de (...);
III as áreas no entorno dos reservatórios d’água
artificiais, decorrentes de barramento ou
represamento de cursos d’água naturais, na faixa
definida na licença ambiental do empreendimento;
13 MILARÉ, Edis. Direito do a mbiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência e
glossário. 6.ed. São Paulo: RT, 2009.
14 BRASIL. LEI 12.651/2012. Disposições Gerais. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: II
- Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas;
15 CATAPAN, Anderson. et.al. O Novo Código Florestal e sua abrangência nas áreas urbanas.
Revista de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Curitiba/PR, vol.4, n.2, jul./dez.2013.
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IV as áreas no entorno das nascentes e dos olhos
d’água perenes, qualquer que seja sua situação
topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta)
metros;
V as encostas ou partes destas, com declividade
superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na
linha de maior declive;
VI as restingas, como fixadoras de dunas ou
estabilizadoras de mangues;
VII os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a
linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a
100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX no topo de morros, montes, montanhas e serras,
com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação
média maior que 25º (...);
X as áreas de altitude superio r a 1.800 (mil e
oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI em v eredas, a f aixa marginal, em projeção
horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta)
metros, a partir do espaço permanentemente brejoso
e encharcado. (art. 4º da Lei n. 12.651/12).
Em complemento ao dispositivo acima mencionado, destaca-se o
artigo 7º do referido Código Florestal, quanto ao regime de proteção das
APPs. Como regra geral, qualquer intervenção ocorrida nessas áreas,
sujeita os responsáveis, possuidor ou ocupante, pessoa física ou jurídica,
de direito público ou privado à obrigação de recompô-la, ressalvados os
usos autorizados por esta lei.
Neste sentido, a obrigação, além de objetiva e solidária, é
caracterizada também como propter rem, concretizando a função
ambiental da propriedade.
Além da Lei n. 12.651/12, outros dispositivos legais são aplicáveis
às Áreas de Preservação Permanente no território brasileiro, como fontes
subsidiárias. São eles: Lei n. 9.605/98 que dispõe sobre as penalidades
derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente; Lei n. 11.284/06, que
dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável;
Instrução Normativa n. 05/2009, do Ministério do Meio Ambiente que
versa sobre os procedimentos para restauração e recuperação das APPs e
Reserva Legal; além da Resolução n. 303/2002 do Conselho Nacional de
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Meio Ambiente CONAMA, que dispõe sobre os parâmetros, definições
e limites das áreas de preservação permanente.
Pelo exposto, percebe-se que tais normas evoluíram da simples
proteção ambiental para a normatização que além de proteger as gerações
futuras, se preocupa com a sustentabilidade do presente e realça a inter-
relação homem-meio ambiente.
3.2 Ocupações e usos irregulares das áreas de preservação
permanente
As ocupações e usos irregulares das áreas de preservação
permanente no meio urbano é um tema que merece atenção especial, pois
pode trazer consequências como a falência dos recursos ambientais.
A deficiência do setor habitacional brasileiro, pela falta de lotes
urbanizados, associada ao fenômeno do êxodo rural foram decisivos para
a ampliação das periferias das cidades, de modo que a população
desprotegida tem utilizado o recurso das invasões em áreas de preservação
permanente ao longo dos lagos, rios e topos de morros para construírem
suas moradias, ignorando os perigos que podem advir dessas ocupações e
os riscos que podem trazer ao meio ambiente.
De acordo com os dados do Ministério do Meio Ambiente MMA
(2018, p. 2)16, o processo de urbanização sem planejamento, traz efeitos
indesejáveis, como a ocupação irregular e o uso indevido dessas áreas, e
consequentemente a redução e degradação das áreas de preservação,
causando graves problemas nas cidades; exigindo um forte empenho na
ampliação e aperfeiçoamento de políticas públicas voltadas à recuperação,
manutenção, monitoramento e fiscalização das APPs.
Para VARGAS (2008, p.8)17, os assentamentos urbanos instalados
sobre áreas de preservação permanente defrontam-se com a ameaça de
esgotamento dos recursos hídricos, e representam um conflito
16 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 369, de 28 de março de 2006.
Disponível em: k=arquivo.download&id=4
80> acesso em 07 de nov. de 2021.
17 VARGAS, Hilda Ledoux. Ocupação Irregular de APP Urbana: um estudo da percepção social
acerca do conflito de interesses que se estabelece na Lagoa do Prato Raso, em Feira de Santana, Bahia.
Revista Sitientibus. Feira de Santana/BA, n.39, p. 7-36, jul./dez. 2008.
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socioambiental que envolve a preservação do ambiente e o direito à
moradia.
Neste cenário, surge o seguinte questionamento: onde abrigar
todas as pessoas das cidades? Sabemos que de um lado possuímos o direito
constitucional à moradia e de outro, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Este cenário é, sem dúvida, um dos maiores
desafios para os gestores públicos e para o judiciário brasileiro.
Neste embate sobre o direito à moradia versus a preservação das
APPs, verifica-se que diversos entendimentos jurisprudenciais têm se
posicionado no sentido de proteger essas áreas em prol do bem público
social, conforme constatado nos acórdãos abaixo, em sede de apelação do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 2021:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA
C/ COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. MUNI CIPIO
DE TERESOPOLIS. SENTENÇA DE
PROCEDENCIA. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. 1. Dos
documentos acostados aos autos, observa-se que o
terreno ocupado pela ré pertence ao Município de
Teresópolis e se encontra localizado em área de
preservação permanente de topo de morro. 2.
Ademais, o Município de Teresópolis obrigou -se a
retirar as construções irregulares existentes na
localidade, bem como a reflorestar a área de
preservação permanente, nos autos da Ação Civil
Pública nº 1996.061.027227-0, por meio de termo de
ajustamento de condu ta, 3. Dessa forma, a
permanência da apelante na área impugnada,
prejudica o cumprimento da decisão e impede ao
reflorestamento de áreas de preservação
permanente de interesse da coletividade. 4. Com
relação a indenização, entendo que diante da
ocupação irregular não há direito possessório sobre
bens públicos, pelo que eventual indenização deve ser
perseguida em face do causador direto do dano e
responsável pelo início da ocupação irregular e pela
venda ilegal dos lotes. 5. Recurso desprovido.
(Apelação Cível n. 0015157 -10.2009.8.19.0061.
Décima Quarta Câmara Civil. Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro. Relator: Plínio Pinto Coelho Filho.
Julgado em 07/10/2021).
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No entanto, mesmo diante de decisões jurisprudenciais dessa
natureza, pode-se perceber o caráter conflituoso entre o direito à moradia
e o direito difuso ao meio ambiente, principalmente quando são permitidas
ocupações nas APPs, o que revela a dissonância com o objetivo do instituto
jurídico “área de preservação permanente”, que consiste em preservar
determinadas áreas naturais de modo permanente.
Assim, respaldadas pelo Código Florestal de 2012, art. 3º, incisos
VIII e IX, existem situações sui generis que podem autorizar a intervenção
ou supressão vegetal nas APPs, são elas: em casos de utilidade pública, de
interesse social e de baixo impacto ambiental.
A verdade é que, diante das ocupações já existentes em APPs,
torna-se imperativo minimizar a situação de vulnerabilidade social e
ambiental vivida por uma parcela significativa da população brasileira.
Para tanto, a Lei n. 13.465/17 apresenta-se como um importante
instrumento regulatório de gestão territorial, também sobre as áreas de
preservação permanente.
4. APLICAÇÃO DA REURB EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE
4.1. Instrumentos legais que tutelam as APPs em áreas urbanas
A Lei Federal de Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/79) dispõe
sobre o parcelamento do solo urbano, mediante loteamento ou
desmembramento, observadas as disposições desta lei e das legislações
estaduais e municipais pertinentes.
Em 2009 entrou em vigor a Lei n. 11.977/09, que trata do
Programa “Minha Casa, Minha Vida” e prevê a regularização fundiária de
assentamentos urbanos criando mecanismos de aquisição e produção de
unidades habitacionais com prioridade para os moradores de ocupações
irregulares que possuem baixa renda e estejam em locais de risco social e
ambiental.
Sobre essa lei, o Código Florestal de 2012 traz expresso em seus
artigos 64 e 65, a questão da regularização de assentamentos humanos,
ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas
urbanas consolidadas e que ocupam as áreas de preservação permanente.
241
A Carta Magna de 1988, por sua vez, destaca nos artigos 182 e
183, a importância de uma política de desenvolvimento urbano, a ser
executada pelo poder público municipal, tendo por objetivo ordenar o
“pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
estar de seus habitantes18” (BRASIL, 1988).
Para isso, com o intuito de regulamentar tais dispositivos
constitucionais foi sancionado em 2001, o Estatuto da Cidade (Lei n.
10.257/01) que regula o uso da propriedade urbana em prol do bem
coletivo e do equilíbrio ambiental.
Dentre os instrumentos básicos da política de desenvolvimento e
expansão urbana referenciados pelo Estatuto da Cidade está o Plano
Diretor, contemplado nos artigos 39-42 da Lei n. 10.257/01. Sendo tal
instituto obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, que
integram regiões metropolitanas e aglomerações urbanas inseridas na área
de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto
ambiental.
De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais,
divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2018,
2.866 municípios brasileiros possuem Plano Diretor, o que corresponde a
51,5% de todas as cidades brasileiras (IBGE, 2019)19.
Incluído nesta estatística, o município do Rio de Janeiro tem
assegurado a proteção de suas APPs por meio da combinação de
dispositivos de sua Lei Orgânica de 1990 e do seu Plano Diretor (Lei
Complementar n. 111/11).
De acordo com a Lei Complementar n. 111/11, as APPs no
município fluminense são as determinadas pelo Código Florestal, com
destaque para aquelas que se destinam à proteção e manutenção dos corpos
hídricos em áreas com cobertura vegetal, sem prejuízo das faixas non
aedificandi de drenagem20. Além disso, determina que as APPs degradadas
18 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1988. Art. 182 A política de desenvolvimento u rbano,
executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
19 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de Indicadores Sociais:
Uma análise das condições de vida da população brasileira. IBGE, 2020. Disponível em:
. Acesso em 09 de set. de 2021.
20 RIO DE JANEIRO. LEI COMPLEMENTAR Nº 111 DE 2011. Art.116 § 2º As faixas marginais
estabelecidas pelo Código Florestal e suas alterações como Áreas de Preservação Permanente,
242
deverão ser prioritariamente recuperadas mediante implementação de
programas de recuperação e de revegetação, devendo ser considerada, no
caso de cursos d’água canalizados, a hipótese de sua renaturalização,
objetivando a melhoria das suas funções e serviços ambientais21.
Cada cidade é única, e por isso, a configuração do Plano Diretor
varia de acordo com as características locais e regionais. Para tanto, este
instrumento deve ser elaborado de forma a responder a maior quantidade
possível de questões da cidade e contemplar, entre outros: o uso e ocupação
do solo, infraestrutura urbana, atividade econômica, dinâmica imobiliária,
mobilidade urbana, estrutura fundiária, preservação cultural, conservação
ambiental e áreas de risco.
Em 2021, o município do Rio de Janeiro apresentou proposta de
revisão do Plano Diretor, trazendo como principais novidades a criação de
habitações de interesse social e a zona franca urbanística. Após audiência
pública, o texto final será encaminhado à Câmara Municipal para que seja
debatido e votado (Secretaria de Planejamento Urbano/Rio, 2021).
Desta forma, no artigo 64, parágrafo 1º da Lei n. 12.651/12, o
projeto de regularização fundiária de interesse social deve incluir um
estudo técnico que demostre as melhorias das condições ambientais em
relação à situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas.
Já no artigo 65 da referida lei, o processo de regularização fundiária de
interesse específico deverá ter aprovação prévia dos órgãos ambientais
competentes, na qual a autoridade que licencia poderá exigir medidas de
mitigação e de compensação que deverão integrar o termo de compromisso
firmado perante as autoridades responsáveis pela emissão das licenças
ambientais, ao qual se garantirá força de título executivo extrajudicial
(CATAPAN, et al.,2013, p. 112)22.
Por todo o exposto, torna-se desafiador a reorganização das
cidades brasileiras a partir de um efetivo processo de urbanização que vise
garantir a preservação dos direitos sociais e de habitação, possibilitar a
destinam-se à proteção da manutenção dos corpos hídricos em áreas com cobertura vegetal e são
aplicáveis, sem prejuízo das faixas non aedificandi de drenagem.
21 RIO DE JANEIRO. LEI COMPLEMENTAR Nº 111 DE 2011. Art.116 § 3º As Áreas de
Preservação Permanente degradadas deverão ser prioritariamente recuperadas mediante
implementação de programas de recuperação e de revegetação, devendo ser considerada, no caso de
cursos dágua canalizados, a hipótese de sua renaturalização, objetivando a melhoria das suas funções
e serviços ambientais.
22 CATAPAN, Anderson. et.al. O Novo Código Florestal e sua abrangência nas áreas urbanas.
Revista de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Curitiba/PR, vol.4, n.2, jul./dez.2013.
243
participação da população em sua construção e assegurar a sustentabilidade
ambiental no seu mais amplo sentido.
4.2. Aplicação da REURB em APPs
Torna-se indispensável garantir o acesso à moradia pelos grupos
mais vulneráveis da população brasileira. Para isso, é preciso criar políticas
públicas habitacionais eficazes e contínuas, que permitam a inclusão destes
indivíduos na cidade e sua inserção na sociedade (Monteiro e Veras,
2017)23.
Diante do problema social vivido pelas cidades, a Resolução nº
369/2006 do Conselho Nacional do Meio Ambiente permitia algumas
intervenções em áreas de preservação permanente, desde que atingido os
objetivos descritos em seu artigo 2º, quais sejam: utilidade pública,
interesse social e baixo impacto ambiental.
No artigo 9º da mesma Resolução, o CONAMA, permite a
regularização de construções em áreas de baixa renda predominantemente
residenciais e nas áreas situadas em Zona de Especial Interesse Social
(ZEIS), desde que prevista na legislação municipal nos termos da Lei
No entanto, o mesmo artigo prevê que para regularização se faz
necessário um “Plano de Regularização Fundiária Sustentável”, sendo
necessário um levantamento da qualidade ambiental em toda área afetada
em que estiver inserida área, além de vedar a construção em áreas de risco
(artigo 9º, inciso VI, §2º, Resolução nº 369/2006). Diversos apontamentos
trazidos nesta resolução posteriormente foram inseridos no novo Código
Após a edição do Código Florestal de 2012, em 2016 foi editada a
Medida Provisória n. 759, convertida na Lei Federal n. 13.465/17
(REURB), a qual trouxe alterações para o Código Florestal, mantendo,
porém, a essência da política pública voltada para as áreas urbanas.
23 MONTEIRO, Adriana Roseno; VERAS, Antonio Tolrino de Rezende. A Questão Ambiental no
Brasil. Mercator. Fortaleza. V. 16. 2017. Disponível em: /www.scielo.br/j/mercator/a/ZkVrVH
ZqbHWQwK6HRpGrcXN/?lang=pt&format=pdf> acesso em 07 de nov. de 2021.
244
Neste sentido, em consonância com a REURB, o Código Florestal
de 2012 prevê a regulamentação de moradias em APPs localizadas em
núcleos urbanos informais e apresenta a forma como deverá ser feita:
§ 1º O projeto de regularização fundiária de interesse
social deverá in cluir estudo técnico que demonstre a
melhoria das condições ambientais em relação à
situação anterior com a adoção das medidas nele
preconizadas.
§ 2º O estudo técnico mencionado no § 1º deverá
conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I - caracterização da situação ambiental da área a ser
regularizada;
II - especificação dos sistemas de saneamento básico;
III - proposição de intervenções para a prevenção e o
controle de riscos geotécnicos e de inundações;
IV - recuperação de área s degradadas e daq uelas não
passíveis de regularização;
V - comprovação da melhoria das co ndições de
sustentabilidade u rbano-ambiental, considerados o
uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação
das áreas de risco e a proteção das unidades de
conservação, quando for o caso;
VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos
moradores propiciada pela regularização proposta; e
VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos
d'água.
De acordo com o MPF (2018, p. 17)24, é preciso indagar a data da
construção ao examinar se uma construção situada em APP urbana é
irregular. Caso tenha sido edificada antes de 18 de julho de 1989, deve ser
observada a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano. No entanto, caso
estas residências tenham sido edificadas a partir dessa data, deve-se
observar os limites do Código Florestal de 2012, mesmo que proprietário
da área antes de termo.
24 BRASIL. Ministério Público Federal. Regularização Fundiária Urbana em áreas de preservação
permanente. 4ª Câmara de Coordenação e Revisão. Série Manuais de Atuação n. 6. Brasília. 2018.
Disponível em: pdf> acesso em 05 de nov. de 2021.
245
Além dos estudos, avaliações e levantamentos necessários,
devemos observar a diferença entre a Regularização Fundiária por
interesse social e por interesse específico.
O artigo 65 do CódigoFlorestal afirma que na Reurb-E dos núcleos
urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, desde
que não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será
admitida por meio da aprovação do projeto, na forma da lei da REURB25.
Para esta modalidade é imposto a preservação mínima de 15
metros de área não edificável ao lado de cada margem de rios ou qualquer
curso d`água, com exceção das áreas urbanas tombadas como patrimônio
histórico-cultural.
Já na modalidade Reurb-S, há uma maior participação do poder
público com a condução e elaboração dos estudos e projetos da APP,
implantação de infraestrutura necessária e custeio de toda a regularização
pelo Município ou Distrito Federal, conforme dispõe o artigo 33, §1º,
inciso I da Lei 13.465/2017. Podendo os entes federativos celebrar
convênios ou outros instrumentos congêneres com o Ministério das
Cidades para fomentar e viabilizar a efetiva implantação da Reurb.
O artigo 14 da Lei Federal 13.465/2017 estabelece quem pode
requerer a Reurb:
I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, diretamente ou por meio de entidades da
administração pública indireta;
II - os seus beneficiários, individual ou coletivamente,
diretamente ou por m eio de cooperativas
habitacionais, associações de moradores, fundações,
organizações sociais, organizações da sociedade civil
de interesse público ou outras associações civis que
tenham por finalidade atividades nas áreas de
desenvolvimento urbano ou regularização fundiária
urbana;
III - os proprietários de imóveis ou de terrenos,
loteadores ou incorporadores;
IV - a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários
hipossuficientes; e
25 LEI 12. 651/2012. Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que o cupam Áreas de
Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida
por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei e specífica de
regularização fundiária urbana.
246
V - o Ministério Público.
Os legitimados poderão promover todos os atos necessários para
regularização, inclusive o seu devido registro e deverão obedecer às fases
previstas no artigo 28 da mesma lei.
De acordo com o mesmo artigo, a inexistência de lei Municipal
específica não impedirá a regularização fundiária. A aprovação municipal
da Reurb corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização
fundiária e, na hipótese de o Município ter órgão ambiental capacitado, à
aprovação ambiental (artigo 12)26.
Tratando-se de área de preservação permanente, conforme já
mencionado, será necessário a elaboração de estudos técnicos que
justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação da ocupação
informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais,
conforme dispõe o artigo 11 da referida lei. Tais estudos deverão cumprir
o que determinam os artigos 64 e 65 da Lei Federal 12.651/2012.
Apesar da Resolução nº 369/2006 do CONAMA e o artigo 65 do
Código Florestal vedarem a regularização em área de risco, é preciso
compreender que o artigo 39 da Lei 13.465/2017 permite a regularização
fundiária em área de risco, desde que realizado estudo técnico que
possibilite a eliminação, correção ou administração do risco na área
ocupada. Caso não seja possível a elaboração e implementação do estudo
para diminuição do risco, os habitantes deverão ser realocados.
Os projetos para regularização devem ser consistentes, com
levantamentos, diagnósticos, estudos ambientais e conter o mínimo
estabelecido no artigo 36 da lei supracitada.
Dessa forma, será possível identificar a modalidade da Reurb, as
áreas passíveis de regularização, além de subsidiar as tomadas de decisão
do Poder Púbico para implementação de políticas públicas adequadas, nos
casos da regularização fundiária de interesse social.
26 LEI 13.465/2017. Art. 12. A aprovação municipal da Reurb corresponde à aprovação urbanística do
projeto de regularização fundiária e, na hipótese de o Município ter órgão ambiental capacitado, à
aprovação ambiental.
247
CONCLUSÃO
O crescimento desenfreado e a falta de planejamento urbano
trouxeram algumas consequências, como as ocupações irregulares,
poluição ambiental e insuficiência de serviços básicos.
No decorrer deste artigo, foi identificado a desigualdade do direito
à moradia e a exclusão da população de baixa renda do contexto da cidade,
que por falta de políticas públicas efetivas se vê impossibilitada do direito
à habitação digna.
Pode-se ainda observar características da Regularização Fundiária
e a possibilidade de sua utilização na viabilidade do direito à moradia.
Sendo claro que tal instituto pode regulamentar e trazer benefícios para
áreas ocupadas de forma irregular, devendo sempre atuar em conjunto com
o meio ambiente e um efetivo planejamento urbano.
Vale lembrar que uma política habitacional que tenha como
objetivo a inclusão social, suprirá não só o direito à moradia, mas também
garantirá uma infraestrutura adequada, serviços de saúde, educação,
mobilidade urbana, segurança e lazer, oferecendo uma vida mais digna e
incluindo o indivíduo à cidade.
A implementação de políticas públicas, a regulamentação da
função social da propriedade, a mobilidade urbana e a revisão da lei que
define a ocupação do solo, são essenciais para o crescimento do município
e a forma como será organizado. E quando não for possível cumprir a
regularização, devido ao meio ambiente ou área de preservação, cabe ao
Poder Público buscar meios alternativos para que o cidadão do
assentamento informal não tenha o seu direito fundamental negado.
Por fim, pode-se concluir que é possível a Regularização Fundiária
em áreas de Preservação Permanente, contudo, vale lembrar que as
intervenções devem ocorrer de forma planejada e com parecer técnico.
Pensar em uma cidade inteligente, sustentável, com uma boa
gestão do espaço urbano e com redução da desigualdade socioespacial não
é tarefa fácil. O assunto exige a interdisciplinaridade entre os urbanistas,
arquitetos, advogados, tabeliãs e poder público, como um passo para tornar
a cidade real em uma cidade legal.
248
REFERÊNCIAS
Disponível em:
stituicaoCompilado.htm>. Acesso em 10 de set. 2017.
_______. Ministério Público Federal. Regularização Fundiária Urbana
em áreas de preservação permanente. 4ª Câmara de Coordenação e
Revisão. Série Manuais de Atuação n. 6. Brasília. 2018. Disponível em:
acesso em 05 de
nov. de 2021.
_______. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 369, de
28 de março de 2006. Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade
pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a
intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação
Permanente-APP. Disponível em:
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de 2021.
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abrangência nas áreas urbanas. Revista de Meio Ambiente e
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_______________________________________________. Síntese de
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brasileira. IBGE, 2020. Disponível em:
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249
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