Acesso à justiça (do trabalho) e direitos humanos: compassos e descompassos em tempos de reforma trabalhista

AutorSayonara Grillo e Veronica de Araújo Triani
Páginas467-501
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ACESSO À JUSTIÇA (DO TRABALHO) E DIREITOS
HUMANOS: COMPASSOS E DESCOMPASSOS EM TEMPOS DE
REFORMA TRABALHISTA
Sayonara Gr illo1
Veronica de Araújo Tria ni2
Sumário: Introdução. A Convenção Americana de Direitos Humanos e o
Acesso à Justiça. A Reforma Trabalhista e os Obstáculos ao Acesso à
Jurisdição do Trabalho no Brasil. Direitos Humanos: O Desafio da
Efetivação do Acesso à Justiça. Considerações finais. Referências.
Resumo: O artigo examina o acesso à justiça como direito humano
fundamental integrante do ius cogens. Estuda a primazia das normas
provenientes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre as
regras de direito interno. A partir de revisão da literatura sobre controle
de convencionalidade no Brasil, e da utilização das técnicas de pesquisa
documental, legislativa e jurisprudencial reflete sobre a resistência na
aplicação das normas de proteção judicial asseguradas na Convenção
Americana de Direitos Humanos, para remoção dos obstáculos ao acesso
à Justiça do Trabalho introduzidos pela Reforma Trabalhista de 2017 e o
percurso jurisprudencial até o julgamento da ADI 5766 pelo Supremo
Tribunal Federal.
Palavras-chave: Acesso à Justiça; Direitos Humanos; Reforma
Trabalhista.
1 Doutora e Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio. Professora Associada da UFRJ -
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e do Programa d e Pós-Graduação em
Direito no qual integra a linha de pesquisa “Democracia, instituições e desenhos
institucionais”. Líder do Grupo Co nfigurações Institucionais e Relações de Trabalho
CIRT/UFRJ, registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa d o CNPq. D esembargadora
do Trabalho no TRT-1ª Região. E-mail: sayonara .ufrj@gmail.com
2 Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF. Ex-Professora Substituta da Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ. Assessora Jurídica da Associação dos Docentes da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro ADUENF. E-mail:
vetriani@gmail.com
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Abstract: The article examines access to justice as a fundamental human
right that is part of jus cogens. It studies the primacy of the rules coming
from the Inter-American Human Rights System over the rules of
domestic law. Based on a review of the literature on conventionality
control in Brazil, and the use of documentary, legislative and
jurisprudential research techniques, it reflects on the resistance in the
application of the rules of judicial protection ensured in the American
Convention on Human Rights, to remove obstacles to access to Labor
Justice introduced by the 2017 Labor Reform.
Keywords: Access to justice; Human rights; Labor Reform.
Introdução
As reflexões sobre o direito humano fundamental à justiça
passam, inicialmente, pela percepção da dupla natureza deste que, além
de ser um direito subjetivo, constitui-se em garantia. Isto porque acessar a
jurisdição, individual ou coletivamente, permite a defesa de múltiplos
direitos, sendo que no campo das relações de trabalho viabiliza a
preservação de direitos sociais fundamentais e direitos humanos dos
trabalhadores. O Acesso à Justiça do Trabalho objetiva, grosso modo,
assegurar a fruição de bens jurídicos de natureza alimentar e reparar
violações aos direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade. As
garantias do acesso à justiça atuam no plano das proteções processuais,
ora formando “dique de contenção à atuação do juiz”3, ora positivando
comportamentos dos indivíduos no ambiente processual, impondo
deveres às partes, aos advogados e aos integrantes do sistema de justiça,
mas também envolvem as garantias substanciais à uma jurisdição justa. A
relação entre Direitos Humanos e Acesso à Justiça é direta, sendo este um
dos direitos humanos por excelência, por permitir a defesa e a resistência
3 FERNÁNDEZ, Itziar Gómes; MAUÉS, An tonio. Enfocar el Derecho a la justicia desde
la noción de vulnerabilidad. Un a aproximación desde la Corte Interamericana y el
Tribunal Europeo de Derechos Humanos. In: MULLOR, Joan Solanes; ROA ROA, Jorg e
Ernesto (Coords.). Diálogos Judiciales en el Sistema Interamericano de Der echos
Humanos. Valencia: Tirant lo blanch, 2017. p. 319-321.
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contra violações materiais à vida, à liberdade, à existência humana em
condições de dignidade.
Considerando os caminhos e descaminhos do acesso à justiça em
trabalho em tempos de reforma trabalhista, o presente artigo apresenta
elementos estruturantes que auxiliam a compreender o descompasso entre
as normas processuais instituídas pela Lei 13.467 de 2017 (doravante
denominada reforma trabalhista) e o conjunto de direitos humanos
reconhecidos nos tratados adotados e convenções ratificadas pelo Brasil.
Trata-se de versão atualizada do conteúdo de capítulo publicado pelas
autoras em no volume 2 da Coleção Direito Material e Processual do
Trabalho Constitucionalizados: Direito processual (Porto Alegre:
LexMagister; OAB Nacional) em 2020.
A partir de aportes oriundos das teorias sobre controle de
convencionalidade e com a utilização das técnicas de pesquisa
documental, legislativa e jurisprudencial reflete sobre a aplicação das
normas de proteção judicial asseguradas na Convenção Americana de
Direitos Humanos, para remoção dos obstáculos ao acesso à Justiça do
Trabalho introduzidos pela Reforma Trabalhista de 2017 e o longo
percurso jurisprudencial até o julgamento pela Ação Direta de
Inconstitucionalidade ADI 5766 pelo Supremo Tribunal Federal. Para
tanto, inicia-se com uma breve apresentação da garantia do acesso à
justiça na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e o
Acesso à Justiça
Em 1948, os artigos 7º e 8º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) acolheram como integrantes do catálogo dos direitos
humanos a proteção contra a discriminação, a cláusula da igualdade de
proteção perante a lei, e o acesso à jurisdição em caso de violação de
direitos humanos fundamentais4. Duas décadas depois, em 1969, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da
4 Artigo 7°. Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da
lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo 8° - Toda a pessoa
tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que
violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

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