A narrativa do empreendedorismo-de-si-mesmo no capitalismo de plataforma

AutorRenata Ferreira Spíndola de Miranda
Páginas421-442
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A NARRATIVA DO EMPREENDEDORISMO-DE-SI-MESMO
NO CAPITALISMO DE PLATAFORMA
Renata Fer reira Spíndola de Miranda 1
Resumo: O ensaio analisa o discurso do empreendedorismo de si
presente na racionalidade neoliberal denominada por Pierre Dardot e
Christian Laval como a nova r azão do mundo. Em seguida, realiza-se o
estudo das condições que permitiram a ascensão do capitalismo de
plataforma, diagnosticado por Nick Srnicek. Ao fim, demonstra-se como
a gestão algorítmica do trabalho, na forma como vem sendo desenvolvida
pelas plataformas digitais, afasta-se do paradigma emancipatório pela
autonomia do sujeito, revelando-se um arranjo a favor da precariedade do
trabalho. Para elaboração deste estudo de caráter jurídico-sociológico foi
utilizado o método exploratório, a partir de uma revisão bibliográfica.
Palavras-chave: Plataformas digitais de trabalho; Racionalidade
neoliberal; Capitalismo de plataforma; Precariedade do Trabalho.
Introdução
O desenvolvimento tecnológico impacta não só a organização
produtiva, como toda a gestão do trabalho, impondo transformações
estruturais à sociedade sob o modo de produção capitalista. Nesse curso,
a tecnologia e o trabalho estão historicamente imbricados
(GROHMANN, 2020, p. 93). Ao percorrer a ontologia do ser social e a
gênese do trabalho, György Lukács nos apresenta que a ciência, na qual
se inclui a tecnologia, é resultado das relações sociais de produção
1 Mestranda em Direito do Trabalho e Previdenciário d o Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD UERJ). Graduada em Direito
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Assistente de Pesquisa na
Fundação Getúlio Vargas (FGV-Direito Rio). Residente Jurídica na Fundação Esco la
Superior da Defensoria Pública do Estado do R io de Janeiro (FESUDEPERJ). E-mail:
renata fsmiranda@gmail.com
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advindas do processo teleológico (2013, p. 45). Em outras palavras, a
tecnologia é dotada de materialidade, sendo nada mais do que fruto do
trabalho humano (Cf. GROHMANN). Muitas vezes, essa dimensão
concreta é invisibilizada pelo fetichismo das inovações tecnológicas, por
meio da imaterialidade dos algoritmos, dos dados e dos sistemas de
inteligência artificial.
Nesse longo processo de desenvolvimento, as plataformas
digitais surgem no seio da Quarta Revolução Industrial, na qual a difusão
das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e o uso da internet
se tornaram mais acessíveis à população.
Sinteticamente, as plataformas digitais são infraestruturas básicas
que possibilitam a interação entre grupos sociais fornecendo uma gama
de facilidades - por meio do uso de dados, automatização e da
organização por algoritmos- que permitem aos seus usuários o
oferecimento de produtos e a execução de serviços. Rafael Grohmann
define, certeiramente, as plataformas como um locus de atividade de
comunicação e trabalho, as quais servem como meio de produção (no
âmbito da circulação do capital) e como meio de comunicação (2020, p.
95). Juntos, contribuem para a aceleração do capital, reduzindo o tempo
de rotação e o tempo morto, assim como aceleram a produção e o
consumo (GROHMANN, 2020, p. 96).
O trabalho em plataformas, também conhecido como
plataformização do trabalho, é um conceito amplo que advém das novas
formas de organização empresarial centralizadas no uso dessas
infraestruturas básicas digitais, sendo um modelo de negócio altamente
adaptável aos diferentes tipos de atividades econômicas e profissões.
Hoje, esses empreendimentos atingem profissões como motoristas,
entregadores, caminhoneiros, esteticistas, operários da construção civil,
trabalhadores do setor de limpeza, babás, manicures, advogados,
médicos, professores, dentre outras categorias (cf. ABÍLIO, 2020, p.
115). Por detrás das transformações tecnológicas e da promessa de
rápido retorno econômico, as plataformas digitais se apoiam na
racionalidade neoliberal e no discurso do autoempreendedorismo para
divulgar os seus produtos e serviços. Estratégias no uso de marketing
promovem as facilidades para se trabalhar conectado, estimulando a

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