Um futuro para o trabalho sem o domínio pela punição - a emergência da superação dos traços do passado de escravidão negra protocapitalista no Brasil

AutorAldacy Rachid Coutinho
Páginas9-33
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UM FUTURO PARA O TRABALHO SEM O
DOMÍNIO PELA PUNIÇÃO
A EMERGÊNCIA DA SUPERAÇÃO DOS TRAÇOS DO PASSADO
DE ESCRAVIDÃO NEGRA PROTOCAPITALISTA NO BRASIL
Aldacy Rachid Coutinho1
Resumo: No processo histórico de formação do mercado de trabalho no
Brasil as condições reais de trabalho preexistentes e presentes sobretudo
no modo de produção protocapitalista no período colonial pela
escravidão, se projetaram na temporalidade histórica, garantindo e
consolidando um sistema laboral em que mecanismos antes presentes, de
coerção, disciplina e punição, se perpetuam e passam a reger o trabalho
no modelo do emprego. A compreensão historiográfica passada é
necessária para tomada de consciência, sendo desvelada na concretude
das relações sociais, por condições vividas por escravos, traficantes e
sustentadas pelo Estado e direito. Somente no olhar para o passado é que
será possível estabelecer uma ruptura e estabelecer alguma proposta de
reconstrução democrática das relações de trabalho para o futuro,
extirpando traços dos marcos regulatórios então vigentes, escravocratas e
1 Pr ofes sor a Tit ular ap osen tada de Dir eito do Tr abal ho na U FPR -
Univ ersi dade F eder al do Para ná (20 17) . Pe squi sado ra e Pro fess ora do Cur so
de Mes trad o em Di reit o, In ovaç ão e Regu laçõ es na UNIV EL (2 017 -).
Ape rfe içoa ment o em Sc ien ze Amm ini stra tive pela Univ ersi tà d egli Stud i di
Rom a ( 1987 ). Esp eci aliz ação em A ntro polo gia fil osó fica (19 86) , Me str ado
(19 93) e Do utor ado em Dire ito p ela Uni vers ida de Fed eral do Par aná (19 98) .
Int egr a a Re de Na cio nal de Gr upo s de Pes qui sas e Estu dos em D ire ito do
Tra bal ho e da Segu rida de So cial - RENA PEDT S, a Red e Bras il- Itál ia-
Esp anh a de Dir eito Púb lico - RE DBRI TES e a R ed I nter univ ersi tar ia
Lat ino amer ican a y d el Car ibe so bre Dis capa cid ad y Dere chos H uman os.
Integra a Associação Americana de Juristas e o Instituto Ítalo-Brasileiro de Direito do
Trabalho. Dese nvol ve su as pes qui sas so bre L imit es ju rídi cos à a tivi dad e dos
age nte s de Comp lian ce, na li nha Com pli ance Ju rídi co e In stit uiçõ es na UF PR
(20 16- 2017 ) e UNI VEL (20 17-) . Proc ura dora do E stad o do Para ná apos enta da
e a dvo gada .
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servis de locação de serviços, para fixar as bases de um novo sistema
laboral tendo como princípio reitor a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: trabalho; escravidão; punição.
1. Trabalho, escravos e mercado
O mercado de trabalho faz presente a existência de um específico
modo de produção. Não há, todavia, no tocante à sua formação no
Portugal Colônia (Brasil), maior erro conceitual do que a naturalização
que invisibiliza a participação da escravidão e dos trabalhadores
estrangeiros imigrantes no desenvolvimento econômico produtivo. Por
certo que somente haveria que se tratar de formação de um mercado no
qual o trabalho circula na sua forma capitalista, com extração de mais-
valia, identificado temporalmente na pós-abolição da escravatura no ano
de 1888 ou à Lei Eusébio de Queiroz que decretou o fim do tráfico de
escravos ou, ainda, remetendo à Lei de Terras de 1850. O passado seria,
então, em princípio e a princípio, irrelevante. Porém, os elementos
presentes nos modos de produção anteriores ao capitalismo desvelam as
bases materiais e, em conformidade com os elementos que regiam as
relações sociais, funda-se uma estrutura sistêmica para marcos
regulatórios do trabalho livre. Desta forma o que se pretende sustentar é
que no processo histórico de formação de um mercado de trabalho as
condições reais de trabalho existentes no modo de produção
protocapitalista e presentes sobretudo no período colonial pela
escravidão, se projetaram na temporalidade histórica, garantindo e
consolidando um sistema laboral em que mecanismos de coerção,
disciplina e punição regem o trabalho no modelo do emprego. Portanto,
somente com a compreensão historiográfica passada e tomada de
consciência é que será possível estabelecer uma proposta de reconstrução
democrática das relações de trabalho para o futuro pela ruptura com o
pretérito, extirpando traços escravocratas e servis dos marcos regulatórios
vigentes. Afinal, como aduz Maria da Glória Gohn,
A dívida que a sociedade brasileira tem para com
esses personagens [ líderes das lutas e dos

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