Os contratos atípicos e a violência ao direito ao emprego

AutorIvan Simões Garcia e Isabela Pimentel de Barros
Páginas183-203
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OS CONTRATOS ATÍPICOS E A VIOLÊNCIA
AO DIREITO AO EMPREGO
Ivan Simões Garcia 1
Isabela P imentel de Barros2
Resumo: A despeito de as contratações atípicas serem maléficas ao
trabalhador, ao empregador, ao governo e ao próprio sistema capitalista, a
“Reforma Trabalhista” realizada em 2017 ampliou as hipóteses de
contratos atípicos sob o argumento de que as leis trabalhistas
necessitavam de modernização e que, somente assim, empregos seriam
criados. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar a
inserção dos contratos atípicos na legislação trabalhista brasileira sob a
perspectiva de que a flexibilização, realizada no esteio do neoliberalismo,
das medidas de austeridade e da reestruturação do capital, ademais de não
ter gerado empregos, precarizou ainda mais o mercado de trabalho. Isso
porque, em que pese o país não tenha oficialmente aderido massivamente
aos contratos atípicos, a alta rotatividade da mão de obra nos faz refletir
se, sendo grande parte dos vínculos marcados pela curta duração, os
contratos atípicos não são adotados de forma velada, o que faz com que
seja necessário que o comando inserido no artigo 7º, I, da Carta Magna
seja efetivamente aplicado e a violência ao direito emprego seja, de
alguma forma, combatida.
Palavras-chave: Flexibilização. Contratos atípicos. Precarização dos
direitos trabalhistas. Garantia de emprego.
1 Professor Associado de Direito do Trabalho da UERJ. Professor Adjunto de Direito do
Trabalho da UFRJ. Professor da PUC-RJ e do IBMEC -RJ. Membro permanente do
Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD) da Universidade do E stado do Rio de
Janeiro e do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes. Doutor
em Direito do Trabalho (PUC-SP). Doutor em Filosofia (UFRJ). Mestre em Direito
Constitucional e Teoria do Estado (PUC-RJ). Pó s-graduado em Direito e Processo do
Trabalho (PUC-RJ). Advogado. E-mail: pr ofessorivangar cia@gmail.com. ORCID 0000-
0001-5639-086X
2 Mestre em Direito do Trabalho e Previdenciário pela UERJ. Advogada. E-mail:
ipbarr os@yahoo.com.br
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Introdução
Como se sabe, a Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (CRFB/88) ficou conhecida como Constituição Cidadã por ter
contado com ampla participação dos mais diversos setores da sociedade e
ter incluído uma gama de direitos sociais até então inexistentes nas
legislações constitucionais. Além de ter introduzido os direitos
trabalhistas no capítulo dos direitos fundamentais, estabeleceu como
fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e, ainda, como dois dos seus
objetivos construir uma sociedade solidária e reduzir mas o
erradicar as desigualdades sociais regionais.
Em que pese os retrocessos, como a possibilidade de ser
negociada a redução de salário e jornada, demonstrando o atendimento
aos interesses do capital, certo é que, sendo uma Constituição
principiológica, não se pode negar o grande avanço ao estabelecer um rol
de direitos sociais mínimos aos trabalhadores no artigo 7º, bem como a
busca pelo pleno emprego.
Não obstante, nos anos que se seguiram à promulgação da
CRFB/88, o Brasil seguiu o caminho trilhado por vários países europeus,
aprofundando a flexibilização das relações trabalhistas, inclusive com a
criação de novas modalidades de contratação, sob o fundamento de que,
assim, empregos seriam gerados. Dessa forma, foi possibilitado que a
reestruturação do capital preterisse os instrumentos internacionais que
deveriam reger as relações do trabalho em prol do lucro, que seria
atingido, por sua vez, pela exploração cada vez maior do trabalhador.
A centralidade do trabalho3, embora tenha permanecido,
reestruturou-se, acarretando a precarização do próprio trabalho, o
aumento da insegurança e da vulnerabilidade do trabalhador e o aumento
das desigualdades sociais. Sob tais condições, as modalidades “atípicas”4
3 Apesar de autores como Andre Gorz e Clauss Off defenderem a tese do fim da
centralidade do trabalho, entendemos que, em que pese a diminuição do trabalho
assalariado, ainda que reestruturado, o trabalho mantém-se como vetor de organização das
sociedades, que o indivíduo continua a depender dele para sobreviver.
4 A Organização Internacional do Trabalho classificou como “Contratos Atípicos” os
contratos temporários, por tempo parcial, os realizados através de agências de trabalho
temporário e outras relações de trabalho com múltiplas partes, as relações de trabalho
dissimulado e os trabalhos por conta própria economicamente dependente. No que tange

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