A arquitetura espaço-tempo no teletrabalho: desafios de concretização do direito fundamental à limitação da jornada de trabalho

AutorGabriela Neves Delgado e Caio Afonso Borges
Páginas115-133
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A ARQUITETURA ESPAÇO-TEMPO NO TELETRABALHO:
DESAFIOS DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL
À LIMITAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
Gabriela Neves Delgado1
Caio Afonso Borges2
Resumo: Este artigo analisa a mutação da arquitetura espaço-tempo de
trabalho, a partir do advento das tecnologias digitais resultantes da Quarta
Revolução Tecnológica, com ênfase no teletrabalho. No decorrer do
texto, pretende-se demonstrar que, na pandemia, os limites do
teletrabalho, no tocante ao espaço e tempo de trabalho e ao espaço e
tempo de não trabalho, tornaram-se cada vez mais opacos, revelando,
assim, um desafio à concretização do direito fundamental ao trabalho
digno e ao direito fundamental à limitação da jornada de trabalho.
Palavras-chave: Tempo e espaço de trabalho; trabalho digno; tecnologias
digitais; teletrabalho.
Introdução
Este artigo objetiva analisar a mutação da arquitetura espaço-
tempo de trabalho, a partir do advento das tecnologias digitais resultantes
da Quarta Revolução Tecnológica, com foco no teletrabalho.
1 Professora Associada de Direito do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-
Graduação da Faculdade de Direito da UnB. Pós -Doutorado em Desigualdades Globais e
Justiça Social: diálogos sul e norte, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
e seu Colégio Latino-Americano de Estudos Mundiais. Pós-Doutorado em Sociologia do
Trabalho pela UNICAMP. Doutora em Filosofia do Direito pela UFMG. M estre em
Direito do Trabalho pela PUC Minas. Pesquisadora Coordenadora do Grupo de Pesquisa
Trabalho, Constituiçã o e Cidadania (UnB/CNPq). Autora de livros e artigos jurídicos em
sua área de especialização. Advogada.
2 Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília e pesquisador do Grupo de Pesquisa
Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq).
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Para melhor compreensão da atual arquitetura do espaço-
tempo de trabalho, o texto pretende rememorar, em seu primeiro
tópico, a configuração da geografia das relações de trabalho
durante o taylorismo-fordismo. Adiante, já no segundo tópico,
passa-se à análise das relações de trabalho a partir do acoplamento
do neoliberalismo, da disseminação do modelo toyotista de
produção e das novas tecnologias de informação e comunicação da
era digital.
Em seguida, perpassa-se pelo teletrabalho como
conformador de uma nova arquitetura nas relações de trabalho, que
propicia a sobreposição dos espaços e dos tempos de trabalho aos
espaços e tempos de não trabalho. Destaca-se, ainda, como essa
nova composição submete o obreiro a longas jornadas de trabalho,
com escassez ou desconsideração dos tempos de pausa e de
descanso.
Por fim, no terceiro e último tópico, o artigo demonstra como o
descaso com os contornos espaço-tempo no teletrabalho esvazia o
conteúdo do direito fundamental à limitação da jornada de trabalho
enquanto pilar constitutivo do direito fundamental ao trabalho digno.
1. Retrato panorâmico da arquitetura espaço-tempo de
trabalho: alguns pontos de partida
O século XIX foi palco de afirmação do capitalismo clássico no
ocidente, especialmente em razão do surgimento da indústria e da
alteração substancial das relações econômicas e sociais decorrentes dessa
processualidade. Com a derrocada dos estados absolutistas, o Estado
Liberal de Direito assumiu o pano de fundo da época tendo como mote
principal a proteção à propriedade privada dos meios de produção3.
Esse contexto permitiu a estruturação das condições para que
ocorresse a Primeira Revolução Industrial, com impactos significativos
nas relações de trabalho4. Configurou-se, assim, uma morfologia do
trabalho que separava o trabalhador dos meios de produção, mas o
mantinha subordinado, no âmbito da relação empregatícia, ao proprietário
3 DELGADO, Gabriela Neves. O direito fundamental ao trabalho digno. ed. São Paulo:
LTr, 2015. p. 133.
4 Idem. p. 135.

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