Aplicação e Interpretação

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas1327-1336

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Diferentemente da básica (em que o estudioso tem à sua disposição as fontes tradicionais do Direito), na supletiva, além dos postulados legais contidos nas normas securitárias e, em especial, no Decreto-lei n. 73/1966 e na Lei n. 6.435/1977, bem como na LBPC, no respeitante ao segmento fechado, por sua complexidade e amplitude, quando da aplicação ou da interpretação, é preciso sopesar o estipulado na convenção institucionalizada (Edital de Privatização, Convênio de Adesão, Estatuto Social e Regulamento Básico etc.).

O Direito Previdenciário, então, aprecia as regras gerais positivadas e as especificadas nas estipulações.

Um aplicador observa a rotina administrativa, procedendo em conformidade com instruções, atos normativos internos e manuais. Se completos e sistemáticos estes, trarão orientação segura sobre a maior parte das situações. Consentâneo com a Carta Magna, as leis básicas e os decretos, e não se opondo ao Código Civil, o Regulamento Básico atende às diferentes hipóteses.

Aplica-se a disposição segundo os termos do convencionado, perfilhando-se as cláusulas contratuais, pressupondo válido, conhecido e legítimo o acordo celebrado entre os interessados.

Surgindo dificuldades, isto é, deparando-se o aplicador com lacuna ou omissão, necessita integrá-las e, em face de dúvida, precisa desfazê-las.

A integração só tem sentido quando a norma apreciada nada dispõe sobre a área da controvérsia nem remete a outras fontes. Por exemplo, em relação ao percipiente de auxílio-doença, cujo benefício oficial é transformado em aposentadoria por invalidez. No cálculo da prestação complementar correspondente à invalidez, caso o Regulamento Básico silencie sobre o salário de participação de quem vinha auferindo implementação ou suplementação e inexistente disposição em contrário, particularmente de ordem atuarial, o integrador deve suprir a lacuna, observando o procedimento da básica.

Uma apreensão de ideias que difere da utilizada na norma pública, tem de respeitar-se o convencionado entre as partes, e só é possível remissão às praxes do Direito Previdenciário comum quando esgotado o exame das diretrizes privadas.

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Se compatíveis e não conflitantes com a observância do direito privado, seguramente em poucas situações particulares, podem ser invocados os métodos de interpretação do Direito Previdenciário.

Repete-se. Urge considerar as nuanças fundamentais: submissão ao direito privado, facultatividade de ingresso, solidariedade e complementaridade do direito. Não se esquecendo do regime financeiro e do tipo de plano adotados.

O ajuste, porém, não é sacrossanto. É comum a observação de o prometido e ajustado dever ser cumprido. A convenção não é grilhão absoluto ou inquebrantável. O intérprete sensível, se dominar a ciência e souber decantar o momento, pode alcançar visão superior, diretamente defluente do conjunto textual, máxime se, afinal, ele se revelar leonino para uma das partes e a intenção, ao concebê-lo, não ter sido esta.

Suponha-se abstenção normativa a respeito do direito adquirido (postulado constitucional) e sobre pedido extemporâneo de quem preencheu os requisitos (até aqui, simples lacuna normativa) e contemplada a conjuntura na remissão genérica "à legislação geral".

Neste caso, o executante buscará solução na lei básica geral, onde vige o princípio da imprescritibilidade dos benefícios e da prescrição das mensalidades. A solução é calcular a renda mensal inicial à época da reunião dos pressupostos e hodiernizar o valor, como se mantido o benefício até a data de entrada do requerimento. A partir daí, começar as quitações mensais.

Por outro lado, imagine-se discussão em torno do índice de atualização dos valores monetários. O Regulamento Básico prevê INPC, e o órgão gestor oficial, ex vi legis, adota o IPC-r, resultando aquele inferior a este. O princípio da norma mais benéfica, in casu, cede espaço ao convencionado.

O sentido a ser atribuído à palavra "previdência", contida no art. 192, II, da Lei Maior de 1988, a ser arredada, no dizer de Ernesto José Pereira Reis ("Previdência Social e a Privada", in RPS n. 154/703): "autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão gestor fiscalizador e do órgão oficial ressegurador" (grifado), permite exemplificar.

Sem precisar recorrer à hermenêutica previdenciária, estabelecimento ali quer dizer empresa, mas sistematicamente, considerando-se a utilização das palavras "seguridade social", "previdência social", "aposentadoria", bem como todo o Título VIII, o vocábulo "previdência" significa a privada, pois as três entidades relacionadas são particulares.

Interpretar é operação árdua, espinhosa, reclama correta inteligência da situação e argúcia do observador, nunca antecipar juízos, sob pena de danos científicos. Exercício dessa natureza pode ser feito com o disposto no art. 31, IV, do Decreto n. 81.240/1978, onde fixado limite mínimo de 55 anos para a fruição da complementação da aposentadoria por tempo de serviço.

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Na Lei n. 6.435/1977, nada consta, e a matéria é legal, silenciando também a Lei Maior de 1967 sobre o assunto. A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Setor Mineral ingressou com uma Arguição de Inconstitucionalidade - ADI n. 992-3/Rio. Apreciada em 20.5.1994, o Supremo Tribunal Federal entendeu de não examinar a questão, por se estar discutindo inconstitucionalidade de decreto quando, na verdade, o cabível é sua ilegalidade.

Aparentemente, de nada valeria o ajuste de vontades. A redação da Revista de Previdência Social manifestou-se contra os 55 anos ("Idade Mínima para a aposentadoria na Previdência Complementar", in RPS n. 165/595).

Na verdade, o STF, en passant, mencionou o fato de leis contrárias ao espírito da Constituição Federal de 1988 restarem automaticamente revogadas, mas não se manifestou quanto ao mérito, isto é, saber se o limite contrariava o ordenamento previdenciário pelo fato de o art. 202 da Carta Magna silenciar a respeito do RGPS. Ao fazê-lo, se perseguir a ideia da referência, terá de admitir valerem as regras do Título VIII para os segmentos aberto e fechado, de direito privado e público.

Interpretação é esforço embaraçoso se o exegeta não distingue a mens legis da mens legislatoris ou não tem bom-senso. Antes da EC n. 20/1998, no art. 202, I, ao definir o direito à aposentadoria por idade, a Constituição Federal falava em "aos" tantos anos, e logo abaixo, nos incisos II/III, mais tecnicamente, quando disciplina a aposentadoria por tempo de serviço, aludia a "após". Se se entender semanticamente, só exatamente aos 65 e 60 anos poderia ocorrer a aposentadoria por idade, quando, em verdade, é após os segurados completarem essa idade, a partir daí a qualquer...

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