As Vantagens Estruturais do Teletrabalho e sua Regulação pela Autonomia da Vontade à Luz da Lei n. 13.467/2017

AutorFabiano Zavanella*
Páginas124-129
AS VANTAGENS ESTRUTURAIS DO TELETRABALHO
E SUA REGULAÇÃO PELA AUTONOMIA DA
VONTADE À LUZ DA LEI N. 13.467/2017
Fabiano Zavanella
(1)
(1) Advogado, Doutorando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Mestre em Direito do Tra-
balho e especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). MBA
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP). Professor de Direito da Faculdade Integral Cantareira,
dos cursos de pós-graduação da Universidade Metodista de Piracicaba/SP, da Faculdade de Direito de Sorocaba/SP, no LLM em Direito
Empresarial do IBMEC e da pós-graduação da Escola Paulista de Direito/SP e do Complexo Damásio. Diretor Executivo do IPOJUR-SP.
Membro do Comitê Executivo da Comunidade CIELO LABORAL e Pesquisador do GETRAB/USP. Autor do livro Dos direitos funda-
mentais na dispensa coletiva, pela editora LTr, e de diversos artigos e opiniões jurídicas. E-mail: .
(2) Pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017, publicada pela Confederação Nacional do Transporte e pela Associação Nacional
das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em:
pdf>. Acesso em: 30 jan. 2019.
1. O TELETRABALHO, DEFINIÇÃO E CONCEITO
Teletrabalho é um fenômeno praticado em muitos lu-
gares do mundo, e absolutamente positivo. Com o advento
e o progresso da tecnologia, especialmente aquela baseada
em comunicação via satélite, perdeu o sentido obrigar em-
pregados que representam potencial de qualificação, afei-
tos à prestação de serviços que requerem mais pensamento
e expertise do que propriamente mão de obra, a se sujeita-
rem a horas de inatividade no trânsito ou mesmo a rotinas
clássicas da estrutura do contrato de trabalho. Destarte,
seja em transporte público ou em veículos próprios, a lo-
comoção foi apontada como o quarto maior problema das
cidades, para a população. A afirmação está na pesquisa
Mobilidade da População Urbana 2017(2). A questão mais
central diz respeito à falta de integração entre modais, o
que levaria à adoção de políticas mais eficientes de mobi-
lidade urbana.
A nomenclatura, teletrabalho, evidencia já, per si, uma
atuação “a distância” das instalações da instituição em-
pregadora. Naturalmente, foi o avanço dos sistemas e das
redes de telecomunicação que permitiu, desde o início, o
estabelecimento de novas relações de trabalho e sua corres-
pondente disciplina jurídica. Há menos de duas décadas,
a manipulação de bancos gigantescos de dados, as ativida-
des de estatística e de probabilidade, como análises de fre-
quências, séries históricas, estudos de mídias móveis, tudo
isso era realizado manualmente, com apoio de programas
hoje considerados simplórios, como Excell, Access e ou-
tros. Hoje, existem softwares com algoritmos que tratam,
classificam e relacionam volumes imensos de dados. Desse
modo, seres humanos estão dispensados de executar tarefas
desumanas. Empresas e trabalhadores ganham tempo. E,
mais, essas atividades podem ser realizadas em qualquer
lugar e em qualquer hora do dia ou da noite.
Ressalte-se, entretanto, que estando a chamada socie-
dade da informação ainda em curso de evolução, apenas há
poucos anos o legislador teve sua atenção despertada para
a necessidade de adaptar o sistema legal às novas formas
e meios de execução do trabalho. Persiste, ainda, o ques-
tionamento entre duas premissas: reinterpretar as normas
existentes ou promover nova regulamentação consisten-
te com as inovações tecnológicas, ou seja, ainda é preciso
equalizar a Indústria 4.0 com o direito.
Estão consolidadas três formas de trabalho remoto:
trabalho em domicílio, trabalho a distância a teletrabalho.
As duas primeiras se caracterizam pelo controle de jornada
pelo empregador; o mesmo não ocorre com o teletrabalho
(art. 62 da CLT, inciso III, incluído pela Lei n. 13.467, de
2017). Mas todas essas formas de trabalho remoto, no ful-
cro do entendimento legal, estão vinculadas à distribuição
justa do uso do tempo do trabalho. Isso porque, no traba-
lho remoto, os conceitos de tempo (e de espaço) adquirem
distintas noções daquelas aplicadas à clássica relação de
emprego. E, reconheça-se, são noções ainda em matura-
ção, muitas das vezes pouco claras e não completamente
definidas. A despeito das alterações promovidas pela Lei
n. 13.467, nos seus arts. 75-A até 75-E, buscando estabe-
lecer o que seja o teletrabalho, a definição das ocupações
contempladas é aberta e abrangente, de tal maneira que
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cabem interpretações. Questões surgem a cada momento,
em decorrência de inovações, e respeitam, por exemplo,
conexão, equipamentos, local de trabalho, ergonomia, re-
muneração, aspectos sobre os quais a lei também não se
pronuncia. Ou, melhor ainda, inexiste legislação específica
que contemple satisfatoriamente o teletrabalho e, talvez,
não se faça necessária desde que consigamos enxergar a
exata importância da autonomia da vontade (individual ou
coletiva) na construção dessas relações.
Repetimos questionamentos levantados por Columbu
e Massoni(3) em relação ao art. 651 da CLT, que trata do
local de prestação de serviços. Indagam os pesquisadores
como deveria atuar o órgão julgador para dirimir eventuais
conflitos de competência, quando se tratar de teletrabalho
móvel em país diferente daquele onde se localizam as ins-
talações da empresa empregadora – e que, em razão de fuso
horário, o tempo se confunde, se acumula ou se separa.
Qual seria a lei trabalhista aplicável? Aquela do país da
empregadora ou aquela do país da prestação de serviços?
E, quanto à jornada, qual a régua para proteger o trabalha-
dor contra abusos e excessos e, ao mesmo tempo, garantir
à empresa a melhor produtividade na consecução dos seus
projetos e objetivos?
A conceituação do teletrabalho tem sido tema de acalo-
rados debates, mas podemos sintetizar a questão afirmando
que a sua intenção é otimizar a produtividade do trabalha-
dor pelo aproveitamento inteligente do seu tempo. Alguns
estudiosos estimam que o primeiro defensor desse regime
laboral foi Jack Nilles, que iniciou em 1973 um programa
de teletrabalho na Universidade de Santiago de Compos-
tela, tencionando reduzir a taxa de rotatividade dos tra-
balhadores, objetivo que logrou alcançar, aumentando em
18% a produtividade, taxa de rotatividade reduzida a zero
e muito menores custos relacionados a instalações. Foi
justamente o ano da primeira grande crise do petróleo, e
certamente seu estímulo estava relacionado com as dificul-
dades de locomoção causadas pela retração da produção de
combustível. Entretanto, há quem argumente que, nos Es-
tados Unidos de meados de 1850, o engenheiro J. Edgard
Thompson já usava o telégrafo como forma de controle do
trabalho a distância de seus empregados em estradas de
ferro, e preconizava a mesma ferramenta para controle do
trabalho remoto de empregados como delegados federais,
capatazes de fazendas e outros.
De modo mais abrangente e sistematizado, embora
precariamente, como já pudemos ver, o teletrabalho ga-
nhou amplitude a partir dos últimos anos do século XX.
Foi o que ocorreu no Brasil. A primeira iniciativa tida co-
mo oficial na implantação desse regime laboral, em toda a
América Latina, teve lugar em São Paulo, em 1997, onde
(3) COLUMBU, Francesca; MASSONI, Túlio de Oliveira. Tempo de trabalho e teletrabalho. In: COLNAGO, Lorena de Mello Re-
zende et al. Teletrabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 21-22.
(4) SAP Consultoria. Pesquisa Home Office 2018. Disponível em:
07.01.19/Artigos%20e%20ensaios/Fabiano/Teletrabalho/Home%20office%20Midia%20rev.pdf>. Acesso em: 4 fev. 2019.
foi promovido um seminário destinado a discutir Home
Office/Telecommuting (em tradução livre, trabalho em do-
micílio e teletrabalho – nomenclatura hoje atualizada para
telework). Resultou desse evento a formação de um grupo,
liderado por Álvaro Augusto Araújo Melo, que passou a
estudar o tema “Teletrabalho e Novas formas de Trabalho”,
e cujos resultados levaram à criação da Sociedade Brasi-
leira de Teletrabalho e Teleatividades, a Sobratt, entidade
reconhecidamente referencial a respeito do tema, em 1999.
A Sobratt, debruçada sobre as questões que envol-
vem convergência tecnológica e mobilidade corporativa,
ancorou pesquisadores e estudiosos que se aprofundaram
no assunto, inclusive buscando intercâmbio de informa-
ções com entidades de outros países. Em 2006, organizou
e realizou o CBT – Congresso Brasileiro de Teletrabalho,
com apoio da Escola Superior de Propaganda e Marketing,
um segundo marco na discussão do tema. Hoje, a Sobtratt
integra a Academia Internacional de Teletrabajo, capítulo
América Latina e Caribe, do qual participam Argentina,
Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, Mé-
xico, Nicarágua, Paraguai, Peru e Uruguai.
Dados obtidos em pesquisas(4) apoiadas pela Sobratt
revelam que o teletrabalho, no Brasil, está adotado como
política em 45% das 315 empresas pesquisadas. Os seg-
mentos em que o teletrabalho é mais adotado são o de TI/
Telecom e Serviços, com 16% cada um. E importa ressaltar
que, das empresas que adotam o teletrabalho, 28% das va-
gas nesse regime são ocupadas por empregados que apre-
sentam limitações permanentes, como deficiência visual,
auditiva, física ou intelectual. A grande maioria das em-
presas (80%) está localizada na região Sudeste e quase a
metade está inserida na faixa de 101 a 1.000 empregados.
Quanto ao faturamento, 30% das empresas estão na faixa
de até US$ 100 milhões e outros 27% entre US$ 101 e US$
500 milhões.
A pesquisa identificou que 50% das empresas respon-
dentes já praticam o regime de teletrabalho há mais de três
anos. E um dado importante: 60% das 315 empresas res-
pondentes consideram o teletrabalho como uma forma de
colaborar com a mobilidade urbana.
Entretanto, a preocupação com a eventual precariza-
ção do emprego por causa da automação crescente (que
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante chama de “desem-
prego tecnológico”) não é nova. Já em meados da década
de 1980, o legislador brasileiro demonstrou real preocupa-
ção com a proteção jurídica do emprego, respondendo ao
temor de que o mundo do trabalho, da forma como então
era conhecido, pudesse ser afetado pelas implementações
tecnológicas. Vamos nos lembrar da adoção da Política
Nacional de Informática, por meio da Lei n. 7.232/1984,
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O MUNDO DO TRABALHO EM DEBATE
Estudos em Homenagem ao Professor Georgenor de Sousa Franco Filho
instituindo entre seus princípios o estabelecimento de
“mecanismos e instrumentos para assegurar o equilíbrio
entre os ganhos de produtividade e os níveis de empre-
go na automação dos processos produtivos”. Foi a partir
dessa preocupação que os deputados constituintes fizeram
inserir na Constituição de 1988, no art. 7º, inciso XXVII, a
“proteção em face da automação, na forma da lei”.
É de todo pertinente lembrar que, em 2013, foram
identificadas violações gravíssimas feitas pelos Estados
Unidos em sistemas brasileiros de comunicação, tendo in-
clusive afetado contas de correio eletrônico da então pre-
sidente Dilma Roussef. Depois de um feroz discurso da
presidente na Assembleia Geral das Nações Unidas, o go-
verno brasileiro propôs e o Congresso Nacional aprovou,
em 2014, o Marco Civil da Internet, e, em 2018, Lei Geral
de Proteção de Dados (Lei n. 13.709), que segue o modelo
do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União
Europeia.
O instituto do teletrabalho foi idealizado para empre-
gados que desenvolvam atividades intelectuais de experti-
se específica e que não necessitem estar, presencialmente,
nas instalações da empresa para a sua consecução. Não se
confunde com o trabalho em domicílio porquanto pode ser
realizado mesmo num veículo em movimento, por meio de
conexão telemática. Também difere do trabalho a distân-
cia, porque este pode ter o tempo de suas tarefas controla-
do pelo empregador, o que não se dá com o teletrabalho. A
título de exemplo, podemos citar como teletrabalhadores
os contabilistas, auditores, jornalistas, editores, tradutores,
todos esses detentores de conhecimentos específicos e que
trabalham com projetos definidos, e evidentemente com
prazos, mas sem o controle rígido das horas trabalhadas.
O que o empregador espera é o projeto pronto.
Pensemos em vantagens e desvantagens.
O teletrabalho repercute não apenas na vida empresa-
rial, mas no entorno das corporações e, finalmente, na so-
ciedade em geral, posto que não se trata somente do uso e
aplicação de novas tecnologias e ferramentas, mas de pro-
por nova forma de vida para trabalhadores, suas famílias e
praticamente todo o seu círculo de relacionamento.
Para as empresas, podemos anotar como vantagens do
teletrabalho:
reduz gastos com estrutura edificada e outros custos
financeiros com aluguéis de imóveis;
aumenta a produtividade, ao reduzir o tempo de
deslocamento entre residência e local de trabalho
e o estresse que resulta desse deslocamento;
é alternativa diante de situações de catástrofes na-
turais (enchentes, secas, tremores de terra etc.)
que interrompem a cadeia de produção.
Para o país, como um todo, há vantagens no teletraba-
lho a serem consideradas:
reduz os acidentes in itinere (um estudo da OMS –
Organização Mundial de Saúde, estima que 3%
do PIB dos países são perdidos em acidentes de
trânsito; no Brasil, apenas no primeiro semestre de
2018, os acidentes graves representaram uma perda
de mais de R$ 96 bilhões e resultaram em perto de 20
mil mortes);
contribui para com uma nova e mais racional dis-
tribuição da população;
pode diminuir o consumo de energia (o Instituto
Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis re-
gistra que, em 2017, a demanda mundial por ener-
gia primária subiu 2,2%, um ponto percentual a
mais do que em 2016);
facilita a inserção de grupos vulneráveis.
E, afinal, para os trabalhadores, o teletrabalho pode
melhorar a qualidade de vida porque permite conciliar a
vida profissional com a vida familiar, propicia mais tempo
para atividades extraprofissionais e reduz o estresse causa-
do pelo trânsito e o tempo improdutivo durante desloca-
mentos. Também promove ao trabalhador autonomia de
organização do tempo e do método de trabalho. Contribui
para melhorar o índice de empregabilidade e, do mesmo
ponto de vista econômico, faz o trabalhador economizar
dinheiro. A mulher, que dos trabalhadores, a despeito de
mudanças sociais protetivas que vêm sendo implementa-
das nas últimas décadas, ainda é um dos mais sacrificados,
reduz o tempo de ausência e pode dedicar mais tempo aos
filhos e às providências que lhes dizem respeito, no âmbito
social, com menos pressão.
Tudo isso faz parte do plano ideal. Mas nem tudo são
flores. O teletrabalhador pode sofrer de isolamento, sentir-
-se alienado da visão global da empresa. Além disso, po-
de ser esquecido pelo mercado – “quem não é visto não
é lembrado”. Sem treinamento adequado, pode tender a
misturar atividades familiares e profissionais, criando des-
confortos às vezes graves.
Um exemplo lapidar é o da Yahoo, que em 2013 sus-
pendeu todo o teletrabalho de grande parte dos trabalha-
dores que operavam em casa. A decisão gerou numerosas
críticas à empresa, acusando-a de retrógrada e de incapaz
de adequada gestão de tempo e de integração dos funcio-
nários. A própria OIT divulgou nota lamentando a decisão.
Entretanto, a resposta da CEO da Yahoo, Marissa Mayer,
leva a uma reflexão importante. Ela afirmou que, embora
as pessoas sejam mais produtivas quando trabalham sozi-
nhas, são muito mais colaborativas e inovadoras quando
estão juntas. Segundo Mayer, algumas das melhores de-
cisões se originam dos contatos pessoais mais informais,
como as conversas nos corredores e na hora do cafezinho.
A conclusão óbvia: os empregadores ainda não conseguem
satisfatoriamente fazer a gestão do vínculo do teletrabalha-
dor com a empresa.
E também há a casuística. Uma desvantagem a consi-
derar, para o trabalhador, é o discurso gerencial (praticado
desde o fordismo) de que o investimento aplicado em tec-
nologia é sempre voltado para o aumento da produtividade,
com uma mensagem adicional: que o teletrabalhador é a
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fonte responsável pela sua própria produtividade. Comple-
menta-se o discurso mencionando, de passagem, que esse
aumento eventualmente se reverteria em vantagens para o
empregado, mas que na prática raramente ocorre. E mais:
na análise psicossocial, o teletrabalhador costuma ser ins-
tado a carregar uma “culpa”, uma sensação de dívida para
com a empresa, porque lhe é insculpida a noção de que tra-
balha menos do que aquele que dá expediente na empresa.
Idealmente, a condução decente dessa relação traba-
lhista depende de bom-senso, ética e boa gestão por parte
do empregador. Caso nada disso esteja em pauta em de-
terminadas relações, surge a necessidade da negociação
coletiva, assumida pelos sindicatos, para disciplinar o não
disciplinado ou indisciplinado.
Nossa constatação é de que o instituto do teletrabalho
precisa ser construído, no Brasil, a partir do preenchimen-
to das lacunas da lei por meio de dois eixos: a ampliação
do escopo da legislação e a efetiva atuação dos sindicatos,
na negociação coletiva.
Vamos nos valer de um comentário de Jouberto de
Quadros Pessoa Cavalcante, que ressalta:
Apesar de um sistema normativo estatal omisso,
a proteção jurídica do emprego diante das inovações
tecnológicas no direito pátrio encontra amparo em três
pilares:
a) no princípio da função social da empresa (as-
pecto principiológico);
b) na negociação coletiva de trabalho como ins-
trumento de proteção jurídica do emprego (aspecto
formal) e
c) no direito de informação e de consulta dos re-
presentantes dos trabalhadores (aspecto material).
Acrescentem-se a esse princípio e direitos outros
que compõem o sistema de garantia da dignidade do
trabalhador, bem como a possibilidade de serem ado-
tadas políticas públicas, e propostas ações judiciais por
parte do Ministério Público, da Defensoria Pública e
entidades sindicais envolvendo a temática.(5)
Um entrave para a negociação coletiva eficaz, no Bra-
sil, é a unicidade sindical, a proibição, por lei, da existên-
cia de mais de um sindicato na mesma base de atuação. A
unicidade sindical tem sido criticada porque restringe a
oportunidade de escolhas e, em decorrência, a liberdade
sindical. Columbu e Massoni, por exemplo, defendem a
unidade sindical, como consagrada na Convenção n. 87 da
OIT(6). Uma convenção que jamais pôde ser ratificada pelo
Brasil em razão de nossa própria Constituição.
(5) CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Sociedade, Tecnologia e a Luta pelo Emprego. São Paulo: LTr, 2018. p. 99-100.
(6) COLUMBU, Francesca; MASSONI, Túlio de Oliveira. Por uma concepção democrática de categoria sindical. In: Revista do
Direito do Trabalho, ano 40, v. 159, p. 176, set.-out. 2014.
(7) DÍAZ, Viviana Laura. Teletrabajo y Neurotecnología. Buenos Aires: Granica, 2018. p. 256 e passim.
Entretanto, a Reforma Trabalhista logrou dar certa
compensação à ausência de ratificação do Brasil à Con-
venção n. 87, com as novidades que trouxe, especialmente
na questão da negociação coletiva e na facultatividade da
contribuição sindical. Além disso, há o respaldo da Reco-
mendação n. 184 da OIT (Parte V, ns. 11 e 12), que trata
da preservação do direito de sindicalização e do direito à
negociação coletiva em regime de trabalho em domicílio,
no qual, forçosamente, inclui-se o teletrabalho.
O desafio que se coloca, para as entidades sindicais de
trabalhadores, é uma adaptação para que consigam nego-
ciar em nome de seus associados com paridade de armas
em relação aos sindicatos patronais.
2. AS EXPERIÊNCIAS ESTRANGEIRAS
Comecemos por registrar a experiência de nosso vizi-
nho mais próximo. Segundo informa Viviana Laura Díaz(7),
a Argentina teve seu primeiro projeto de lei relacionado
ao teletrabalho em 2003, num momento em que o traba-
lho remoto naquele país já ocupava cerca de dois milhões
de pessoas, algo como 12,5% da força laboral. Entretanto,
órgãos governamentais argentinos só instalaram o teletra-
balho a partir de 2011, depois que muitas empresas priva-
das já o praticavam, principalmente as de informática, de
administração e, relata Díaz como um caso emblemático,
empresas do setor petroleiro.
Na Europa, a Espanha figura como um dos primei-
ros países a legislar sobre o trabalho em domicílio, com
a Lei do Estatuto dos Trabalhadores, aprovada pelo Real
Decreto Legislativo n. 1/1995. Mas não é uma legislação
moderna. Tem sido considerada restritiva, por não definir
satisfatoriamente o teletrabalho nem esclarecer os direitos
de representação, no seu art. 13. O Acordo Interconfede-
rativo de Negociação Coletiva, de 2003, trouxe alguma luz
sobre o tema, mas limitando-se a pactuar que o contrato de
trabalho deva ser consensual e fazer constar igualdade de
direitos entre o teletrabalhador e os demais. Uma reforma
trabalhista algo mais profunda foi realizada em 2012, mas
ainda não suficiente para corrigir as lacunas do modelo es-
panhol. Uma das discussões que persistem é o fato de que
haver um contrato específico para o teletrabalho contraria
o conceito de igualdade.
Registre-se que, em 2002, o Acordo Marco Europeu
sobre o Teletrabalho (também conhecido como Carta Eu-
ropeia para o Teletrabalho), exarou essa definição, no seu
art. 2º:
Uma forma de organização e/ou realização do trabalho,
utilizando as tecnologias da informação, no marco de um
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O MUNDO DO TRABALHO EM DEBATE
Estudos em Homenagem ao Professor Georgenor de Sousa Franco Filho
contrato ou de uma relação laboral, na qual um trabalho,
que também poderia ser realizado nos locais do empresário,
se executa habitualmente fora desses locais.(8)
Sem esquecer que já se passaram 17 anos da edição
desse acordo, verifica-se, na leitura, uma definição de ex-
trema vaguidade, evidentemente superada, que nos impele
a avançar no debate para melhor esclarecimento.
Para a OIT, conforme a Convenção n. 177, de 1996, e
a Recomendação n. 184, do mesmo ano, o teletrabalho é
uma forma de organização do trabalho com as seguintes
características:
o trabalho é realizado em lugar distinto do estabe-
lecimento principal do empregador ou das instala-
ções de produção, de modo que o trabalhador não
mantenha contato pessoal com os demais trabalha-
dores;
o contato com a empresa empregadora é realizado
por meio de tecnologias de comunicação;
o teletrabalho pode ser realizado em linha direta,
por meio de conexão informática, ou sem uso des-
se recurso;
o trabalho pode ser organizado de maneira indi-
vidual ou coletiva, contemplando a totalidade ou
parte das tarefas do trabalhador;
sua implementação pode ser em regime de autôno-
mo ou assalariado.
São definições claramente suplantadas pelas condições
propiciadas pelas inovações tecnológicas, pelo globalis-
mo e pelas diferentes formas de relações trabalhistas que
surgiram depois da emissão desses documentos pela OIT.
Com olhos de hoje, 2019, temos que o teletrabalhador é
empregado de uma instituição. Tem vínculo empregatício
formal. Trabalha remotamente e não está sujeito a controle
de jornada.
Em Portugal, o Código do Trabalho, promulgado por
lei federal em 2003(9), incorporou a regulação do Acordo
Macro Europeu sobre o Teletrabalho – coisa que a Espanha
não conseguiu fazer. A conceituação do teletrabalho está
no art. 165: (i) regime de subordinação jurídica; ii) habi-
tualmente fora da empresa; e iii) com recurso a tecnologias
de informação e de comunicação. Um traço distintivo da
definição portuguesa em relação ao teletrabalho é o fato de
incluí-lo, conceitualmente, dentro da chamada economia
colaborativa. De resto, uma classificação que pode sofrer
mudanças, em obediência ao ritmo do mercado de traba-
lho. É a opinião, por exemplo, de Duarte Abrunhosa e Sou-
za, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, que
(8) UNIÃO EUROPEIA. Acordo Marco Europeu sobre o Teletrabalho. Disponível em: apid/press-release_IP-02-
1057_pt.htm>. Acesso em: 29 jan. 2019.
(9) Código do Trabalho. Lei portuguesa atualizada em 2018. Disponível em: .pt/asstscite/downloads/legislacao/
CT20032018.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2019.
(10) SOUZA, Duarte Abrunhosa e. O enquadramento legal do teletrabalho em Portugal. Revista Derecho Social y Empresa n. 6,
p. 17, diciembre 2016. Disponível em: .
considera que “o conceito legal de teletrabalho (no Código
português) é imperfeito e assume conceitos vagos e ge-
néricos que deveriam ser mais concretizados numa futura
revisão do regime”(10).
No Reino Unido, uma lei promulgada em junho de
2014 dá direito a todos os trabalhadores de requerer fle-
xibilização da jornada, inclusive de trabalhar em casa por
período de tempo parcial ou integral. A lei (disponível
neste endereço: .gov.uk/flexible-working>)
permite o benefício aos pais com filhos de até 16 anos e
a qualquer trabalhador que esteja empregado na mesma
empresa há pelo menos 26 semanas. O empregador que
negar esse direito pode ser processado pelo trabalhador.
Na Itália, foi aprovada a Lei n. 81, de 22 de maio de
2017, que semelha grandemente a lei brasileira da reforma
trabalhista. Diferentemente, para melhor, da lei brasileira,
a italiana trata explicitamente do teletrabalho, em alguns
pontos essenciais: equilíbrio entre a vida profissional e
familiar, no seu art. 18, e a obrigação do empregador de
fornecer os equipamentos necessários e garantir o seu fun-
cionamento adequado. Além disso, a lei também delimita
a jornada de trabalho diária e semanal, fazendo com que o
tema seja pactuado em acordo coletivo.
A França é outro país que avançou bastante na prote-
ção do teletrabalhador, inclusive legislando sobre o “direi-
to à desconexão”, pelo art. 55 da Lei n. 2016-1088, de 8
de agosto de 2016, in litteris “o exercício pleno por parte
do empregado do seu direito de desconectar”. No Brasil, o
mais próximo que temos disso é a compensação financeira
pela disponibilidade, chamada de sobreaviso (conforme a
3. CONCLUSÕES
O Fórum Econômico Mundial, que se reúne anual-
mente em Davos, na Suíça, divulgou o Relatório Future of
Jobs relativo a 2018. Foram pesquisadas 313 empresas glo-
bais de vários setores da indústria, representando mais de
15 milhões de empregados, de 20 países (que representam
70% do PIB mundial): África do Sul, Alemanha, Argentina,
Austrália, Brasil, China, Cingapura, Coreia do Sul, Estados
Unidos, Federação Russa, Filipinas, França, Índia, Indoné-
sia, Japão, México, Reino Unido, Suíça, Tailândia e Vietnã.
Ainda que considerada a tendência liberal dominante
no Fórum Econômico Mundial, portanto, temperada de
grande otimismo, cabe registrar algumas tendências indi-
cadas no levantamento para o período de 2018-2022, em qua-
tro perspectivas tecnológicas que condicionam mudanças
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positivas no crescimento do mercado: uso intensivo de
internet móvel de alta velocidade, inteligência artificial,
adoção de análise de big data e tecnologia de nuvem. Diz
o relatório que essas tendências foram apontadas por 85%
dos respondentes.
Outra tendência expressiva – cerca de 37% das empre-
sas – é de robotização, principalmente robôs estacionários,
mas também robôs não humanoides e drones aéreos e su-
baquáticos. Como resultado, 59% das empresas esperam
modificar substancialmente sua base geográfica de opera-
ção, tanto em produção como em distribuição.
Quanto ao mercado de trabalho, duas considerações
se chocam, no relatório. A primeira é que 74% das em-
presas dizem considerar essencial o aproveitamento de
mão de obra local; a segunda é que 64% das empresas
consideram a mão de obra sua maior preocupação. Cer-
ca de 50% das empresas acreditam que a partir de 2022
reduzirão sua mão de obra pela adoção de robôs, mas,
curiosamente, 38% das empresas esperam aumentar a
força de trabalho em razão da criação de novas tarefas
instituídas pela automação. Um percentual semelhante
de empresários considera que a automação deve modi-
ficar bastante o perfil atual dos trabalhadores, fazendo
aumentar a terceirização e o teletrabalho, principalmente
para tarefas de alta especialização. As empresas brasilei-
ras pesquisadas pelo Fórum Econômico Mundial elabo-
raram uma lista das novas funções que emergiram com a
automação e que são exercidas preferencialmente dentro
do regime de teletrabalho: desenvolvedores e analistas de
software e aplicativos; executivos de análise de dados;
cientistas de vendas; profissionais de marketing; gerentes
de operação; representantes de vendas (atacado e manu-
fatura); técnicos de produtos; especialistas de recursos
humanos; analistas financeiros; profissionais de rede e de
base de dados; consultores de finanças e de investimen-
tos. É digno de registro o fato de, em 2008, o Serpro ter
sido a primeira empresa da administração pública brasi-
leira a praticar o teletrabalho.
Do mesmo modo que o capital ganhou mobilidade
com a globalização e a transnacionalização, como se po-
de observar, o teletrabalho é movimento inexorável nas
relações de trabalho. E não é demais repisar a noção de
que a sua vinculação à questão da melhoria da qualidade
da mobilidade urbana é indiscutível, porque sustentável e
porque permite produtividade racional. É um avanço que
já está levando a outros avanços, em todo o mundo. En-
tretanto, ainda falta sistematização mais adequada dessa
novidade nem tão recente. Cabe ao legislador procurar co-
nexão com a realidade para obter que o Direito acompanhe
as evoluções da tecnologia.
A reforma trabalhista, Lei n. 13.467/2017, encarrega-
-se da modalidade adotando a inclinação da autonomia da
vontade a fim de que as partes definam os critérios e os
contornos para essa forma de prestação de serviços, par-
tindo da premissa e da capacidade negocial do trabalhador.
Entretanto, também assegura na dinâmica da prevalência
do negociado sobre o legislado – art. 611-A da CLT, que
os ajustes coletivos se encarreguem da temática e dessa
forma emprestem ainda mais segurança jurídica para o
funcionamento desse adequado e necessário mecanismo
na relação de emprego tão desgastada pelas amarras de se
olhar pelo retrovisor as relações humanas do trabalho que
se transformam com velocidade ímpar e, seguramente, não
será a lei que conseguirá nos dar as melhores respostas. A
autonomia é fundamental quando não eivada de vícios ou
distorções.
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