Aspectos processuais relacionados à herança digital

AutorMaria Goreth Macedo Valadares e Thais Câmara Maia Fernandes Coelho
Páginas335-351
ASPECTOS PROCESSUAIS
RELACIONADOS À HERANÇA DIGITAL
Maria Goreth Macedo Valadares
Doutora e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora da PUC Minas
e do IBMEC. Vice-Presidente da Comissão de Sucessões da OAB/MG e Vice-
-Presidente do IBDFAM/MG. Advogada Sócia do Escritório Câmara e Valadares
Advogados Associados, especializado em Direito das Famílias e das Sucessões.
Thais Câmara Maia Fernandes Coelho
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito de Família
e Sucessões no UNI/BH. Presidente da Comissão de Direito das Sucessões da
OAB/MG. Membro da Diretoria do IBDFAM/MG. Membro da Comissão Especial
de Família e Sucessões da OAB Nacional. Advogada Sócia do Escritório Câmara
e Valadares Advogados Associados, especializado em Direito das Famílias e
das Sucessões.
Sumário: 1. Introdução. 2. Herança digital: um breve conceito. 3. Aspectos processuais da
herança digital e perspectivas futuras. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A morte embora seja um fato certo na vida de toda e qualquer pessoa, vem,
muitas vezes, acompanhada não só de questões de ordem emocional, mas tam-
bém de ordem patrimonial. E são essas últimas questões que interessam para o
direito das sucessões.
Esse é o ramo do direito responsável pelo cuidado da sucessão causa mortis e
acompanha o homem desde sempre, já que a morte é inerente ao ser humano. No
entanto, embora as regras atinentes ao tema tenham sofrido inúmeras alterações
ao longo dos anos, fato é que a interferência de outras ciências tem afetado sobre-
maneira o direito das sucessões e colocado em xeque as regras até então vigentes.
É o que acontece, por exemplo, com o tema central do presente artigo: herança
digital. O uso da tecnologia invadiu a vida de todas as pessoas, seja no campo pros-
sional, seja no pessoal. E o uso e acesso a esse universo tecnológico tem provocado
discussões na seara sucessória não apenas sobre o que poderia ser considerado pa-
trimônio, como também sobre o futuro desses bens, além dos aspectos processuais
de uma eventual sucessão.
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Poderiam ou deveriam as redes sociais ser objeto de um inventário? Se sim,
qual o valor a ser atribuído a esse patrimônio digital? A vida hoje é digital, não
resta dúvida. Signicativa parte de nossas vidas está armazenada nas “nuvens”
e pode ter valor econômico. Qual o futuro desses bens quando da morte de seu
titular? São eles passíveis de serem inventariados? Se sim, qual o procedimento a
ser adotado? Seria possível fazer uso das regras hoje existentes ou seriam neces-
sárias alterações? Podem as plataformas virtuais negar a transmissibilidade dos
bens digitais no âmbito sucessório? Essas são apenas umas das indagações que os
prossionais da área começam a se deparar e que colocam em dúvida a ecácia
das normas até então vigentes.
2. HERANÇA DIGITAL: UM BREVE CONCEITO
Antes de entrar nos aspectos processuais da herança digital, mister conceituá-
-la, ainda que de forma breve. A herança pode ser conceituada como o conjunto
de bens corpóreos e incorpóreos, deixados pelo falecido, que serão transmitidos
aos seus herdeiros, sejam testamentários ou legítimos. E bens, por sua vez, podem
ser considerados como tudo aquilo que tem utilidade e valor econômico.
Deve-se expandir a ideia de bem de modo a abranger as mais diversas relações jurídicas pa-
trimoniais, sobretudo aquelas que se apresentam diante de uma nova dinâmica tecnológica,
virtual e imaterial. A realidade social, econômica e tecnológica da Era da Informação impõe,
cada dia mais, o reconhecimento de novos bens, exigindo do jurista uma nova visão, no sentido
de estudar e compreender esses novos fenômenos patrimoniais.1
Questão que se coloca de forma tormentosa e que vem ganhando o cenário
jurídico é a herança digital, denida de acordo com o arquivado Projeto de Lei
4.847, de 2012 como todo conteúdo intangível do falecido, que seria possível
guardar ou acumular em espaço virtual, incluindo-se senhas, pers de rede social,
contas da internet ou qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do
falecido.2 Poderia tal herança ser enquadrada dentro do conceito de bens que se
tem hoje no Direito Civil? Tradicionalmente, dividem-se os bens em móveis e
imóveis, mas o conteúdo digital deixado por uma pessoa falecida seria o que a
1. GONÇALVEZ, atiane Rabelo. Novos bens: a realidade dos bens imateriais no direito privado. Revista
de Direito Privado, v. 100/2019, p. 19-37, jul.-ago. 2019, p. 25.
2. “ Nesse contexto, os chamados bens digitais (digital assets) surgiram no rasto da popularização das
redes sociais, correios eletrônicos, livros digitais, criptomoedas, serviços de streaming, nuvens de ar-
mazenamento de dados etc, causando grande confusão quanto à natureza jurídica para ns sucessórios,
notadamente por demandarem do operador do direito sensível esforço para a denição de direitos
dos sucessores ante a imperiosa necessidade de proteção à privacidade e à intimidade do titular desses
bens.” MARTINS, Guilherme Magalhaes; FALEIROS JUNIOR, Jose Luiz de Moura. O Planejamento
sucessorio da heranca digital. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (Coord.). A arquitetura do planejamento
sucessorio .2. ed. Belo Horizonte: Forum, 2019, p. 465.
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