Streaming e herança digital

AutorGustavo Tepedino e Camila Helena Melchior Baptista de Oliveira
Páginas87-110
STREAMING E HERANÇA DIGITAL
Gustavo Tepedino
Doutor em Direito Civil pela Universidade de Camerino (Itália). Professor Titular
de Direito Civil e Ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Sócio do escritório Gustavo Tepedino Advogados – GTA.
Camila Helena Melchior Baptista de Oliveira
Mestranda em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Sócia do escritório Gustavo Tepedino Advogados – GTA.
Sumário: 1. Introdução – 2. Os direitos autorais de obras veiculadas via streaming que inte-
gram a herança digital – 3. O direito de acesso a contas de streaming do usuário falecido – 4.
Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A era da inovação tecnológica, consagrada por profundas alterações no
modo tradicional de comunicação e divulgação de bens e ideias, interfere nas
mais diversas facetas do direito, sensível que é às mudanças na realidade social.
Surgem, assim, com grande frequência, novos bens jurídicos que constituem ob-
jeto de direito: o soware, as criações intelectuais, os e-books, os objetos e avatares
adquiridos em jogos eletrônicos, as informações, o know-how, entre outros. Tais
bens são veiculados por meios técnico-cientícos também inovadores, como a
internet, permitindo a sua transmissão ecaz e instantânea entre computadores,
televisores e dispositivos móveis integrados à rede mundial.
Nesse particular, destaca-se atualmente a disseminação em larga escala da
tecnologia de streaming, que traduz meio de transmissão de bens imateriais, ao
vivo ou a pedido, dispensando o download do conteúdo. Transmitem-se os dados
e os bens pela simples conexão à internet, dispensando o armazenamento do
conteúdo das obras no computador dos usuários.
Segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2019,1 elaborada pelo Centro
Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação – CE-
1. CENTRO REGIONAL DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO. TIC Domicílios 2019. Disponível em: https://cetic.br/media/analises/tic_domici-
lios_2019_coletiva_imprensa.pdf. Acesso em: 12 out. 2020. Para dados no cenário da pandemia da
Covid-19, cf. NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DO PONTO BR. TIC Domicílios
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TIC, a difusão da tecnologia de streaming é maior a cada ano no Brasil. Conforme
apurado, 74% (setenta e quatro por cento) do total de usuários da internet em
2019 assistiam a vídeos, programas, lmes ou séries por meio de streaming e
72% (setenta e dois por cento) escutavam músicas. Em 2014, a mesma pesquisa
revelava a adesão de apenas 58% (cinquenta e oito por cento) e 57% (cinquenta e
sete por cento) dos usuários brasileiros, para os mesmos conteúdos de streaming,
respectivamente.2 O sucesso da tecnologia se deve aos enormes benefícios das
plataformas de streaming, que possibilitam o acesso rápido e a reprodução ins-
tantânea de vasto conteúdo, a baixo custo e em qualquer lugar em que se esteja,
bastando, para tanto, que o usuário esteja conectado à internet.
No cenário da pandemia da Covid-19 e das consequentes restrições de acesso
à cultura e ao lazer impostas pela quarentena, o acesso aos sistemas de streaming
se intensicou ainda mais, tendo-se noticiado inclusive que as plataformas de
transmissão precisaram tomar medidas de adequação do serviço, a m de garantir
o acesso a todos os interessados e não sobrecarregar as redes.3
A disseminação do uso de plataformas de streaming encontra-se, portanto,
na ordem do dia, inuenciando os mais diversos aspectos do direito. Na perspec-
tiva sucessória, há de se denir o tratamento a ser conferido aos diferentes bens
atribuídos ao autor da obra digital ou ao usuário das referidas plataformas, pro-
curando-se preservar a função desempenhada por tais bens independentemente
da tecnologia que lhes serve de veículo.
Tais questões situam-se no âmbito da chamada herança digital, que designa
a universalidade de bens digitais e direitos de cunho patrimonial, transmissíveis,
aos herdeiros, por sucessão causa mortis.
Diante da ausência de previsão normativa especíca para a herança digital,
seja no Código Civil ou em leis especiais como o Marco Civil da Internet (Lei
12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), cumpre de-
limitar, primeiramente, a transmissibilidade sucessória dos direitos autorais da
pessoa cuja criação é veiculada via streaming. Além disso, sob a ótica do usuário
2020: Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros:
edição COVID-19: metodologia adaptada. 1. ed. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2021.
Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20211124201233/tic_domicilios_2020_li-
vro_eletronico.pdf. Acesso em 10 abr. 2022.
2. Por outro lado, segundo a mesma pesquisa, o número de pessoas que fazem downloads de conteúdo na
internet diminui cada vez mais. Em 2014, 51% (cinquenta e um por cento) dos usuários da internet no
Brasil efetuaram download de música e 29% (vinte e nove por cento) de lmes. Em 2019, o percentual
de downloads de músicas estava em 41% (quarente e um por cento), de lmes em 23% (vinte e três por
cento) e de séries em 16% (dezesseis por cento).
3. V. FOLHA DE S. PAULO. Netix vai diminuir qualidade de transmissão na Europa durante pandemia.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/uniao-europeia-pede-a-netix-
-que-pare-de-transmitir-em-alta-denicao.shtml. Acesso em: 12 out. 2020.
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