Capítulo I - Escorço Histórico

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Ação Recisória no Processo do Trabalho
Capítulo I — Escorço Histórico
Direito romano
A notável inuência exercida pelo direito romano na civilização do Ocidente justica
a atenção especial que a ele costumam dedicar os estudiosos, sempre que se ocupam em
investigar as origens remotas dos institutos jurídicos dos tempos modernos.
Não é diferente o que se passa em sede de ação rescisória, nada obstante se saiba que
aquele direito antigo não realizou uma adequada sistematização das nulidades dos atos ju-
rídicos de direito privado e de direito público, apesar de havê-los separado.
No período das legis actiones, Roma não conhecia qualquer ação ou mesmo recurso
dirigido à sentença nula, proferida pelo iudex privatus. É bem verdade que o réu poderia
opor-se a essa espécie de sentença, solicitando a sua revogação, lastreando-se, para isso,
na existência de vícios; caso o vindex do réu não fosse admitido, este corria o risco de ser
condenado em dobro (duplum). Tratava-se da revocatio in duplum. O autor, contudo, cava
desapercebido de qualquer meio para obter um decreto judicial de nulidade da sentença.
Na fase das fórmulas, permitia-se ao réu defender-se contra a actio iudicati (dispensando-
-o do vindex), além de conceder-lhe — assim como ao autor — um remédio destinado a
extrair uma declaração extrajudicial quanto à nulidade da sentença. Convém destacar que o
conceito romano de nulidade não coincidia com o consagrado na atualidade, segundo o qual
esta se traduz na propriedade de uma sentença existente; em Roma, a nulidade correspon-
dia, em rigor, à inexistência da sentença. Por esse motivo, pode-se armar que, no período
formulário, a ação rescisória assumia contornos declaratórios, na medida em que armava
(= reconhecia) a existência do julgado.
O réu, todavia, não estava obrigado a fazer uso dessa ação: poderia conseguir o reconhe-
cimento da nulidade do decreto judicial na oportunidade em que se defendesse, na execução.
Só ensejavam a nulidade da sentença, no direito romano, os errores in procedendo, pois
os errores in iudicando não podiam constituir objeto de impugnação. Isto signica que a má
apreciação da prova, pelo juiz, não impedia o trânsito em julgado da sentença.
A partir de certa fase do desenvolvimento do direito estabelecido em Roma, o Pretor
podia ordenar o desfazimento de ato realizado mediante violência, fazendo com que tudo
retornasse ao status quo ante. Era a restitutio in integrum. Sendo o ato derivante de dolo, o
remédio cabível residia na in integrum restitutio ob dolum; caso o ato acarretasse diminuição
do patrimônio do devedor (e prejuízo aos credores), utilizava-se a in integrum restitutio ob
fraudem para combater a fraus creditoru m, a despeito de tolerar-se, também, o emprego da
interdictum fraudatorium e da ação p auliana.
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Manoel Antonio Teixeira Filho
Já no Império, registra-se a presença da apelação, à qual se colava o efeito de submeter
ao conhecimento do Imperador a matéria apreciada pela sentença. Como o Imperador, com
o decorrer do tempo, viu-se impossibilitado de julgar as apelações que lhe eram encaminha-
das, delegou esse poder a seus prepostos (funcionários graduados), rmando-se a appellatio
como meio ordinário de impugnação à sentença emitida em processo contaminado por
errores in iudicando.
Embora tenha sido introduzida a apelação no processo da cognitia extraordinaria, não
cessou o uso da restitutio in integrum e da supplicatio; esta gurava como recurso especial
ao Imperador, visando ao reexame da sentença, que se alegasse eivada por erro de direito,
ou se armasse ser injusta.
Não era admissível a appellatio das sentenças tiradas pelo Prefeito do Pretório, em que
pese à possibilidade de serem contrastadas pela supplicatio, que, uma vez aceita, implicava a
retractatio, consistente na instauração de novo juízo para o rejulgamento da causa.
Inicialmente, a rescindibilidade das sentenças estava a cargo de terceiro, que agia
como pacicador; mais tarde, o Príncipe, ex iusta causa, passou a conceder a rescisão, até
que esse poder acabou sendo estendido aos Prefeitos dos Pretórios, ao Pretor, ao presidente,
ao procurador de Júlio César e aos demais magistrados, embora estes somente pudessem
desfazer as decisões por eles próprios proferidas, nunca por superiores hierárquicos. Demais,
semda restituição. Por outro lado, a restitutio não era possível contra delito que o recorrente
houvesse cometido. Indicam-se como outras características da restituição romana: a) não
podia ser usada contra decisão proferida em decorrência de juramento efetuado pelos liti-
gantes; b) a exigência de lesão não era absoluta, bastando, para o cabimento desse remédio,
a probabilidade de dano; c) não poderia fundamentá-la o caso fortuito; d) só era concedida
quando inexistisse outro meio jurídico apto a reparar o dano ou a prevenir a sua ocorrência;
e) encontravam-se ativamente legitimados o lesado e os seus sucessores universais; passi-
vamente, o interessado no ato lesivo e seus herdeiros; f) o pedido de restituição provocava
a suspensão da execução; g) o efeito era o de fazer com que as coisas regressassem ao status
quo ante, vale dizer, que voltassem a ser o que eram antes da prática do ato impugnado;
h) as justas causas para a restituição eram: menoridade, violência, dolo, fraude, erro, capitis
deminutio do devedor, embora ínma, etc. Com Adriano, permitiu-se a restitutionis contra
sentença denitiva calcada em falsos testemunhos. Posteriormente, fundou a restituição,
também, o fato de o julgamento haver sido realizado com base em documentos falsos.
Como armamos em linhas anteriores, o gênio romano não possuía um perfeito sistema
respeitante às nulidades dos atos jurídicos de direito privado e de direito público, conquanto
se perceba uma razoável harmonia nesse sistema. Observa Pontes de Miranda que o irritum
eri, ad irritum revocari, e rescindere não se confundem com o nullum esse, pois o rescindere
e o revocare (voluntatem, donationem, libertatem) se referiam à desconstituibilidade, “com
certa diferença pelos efeitos in rem e ex tunc, por parte daquele (Ludwig Mitteis, “Romisches
Privatrecht bis auf die Zeit Diokletianos, 239), e ex nunc ou simplesmente pessoais, por
parte desse”(1), concluindo que, vez e outra, revocare toma o lugar de rescindire por mera
imprecisão de linguagem(2).
(1) Tratado da Ação Rescisória. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 92.
(2) Idem.
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