Capítulo X - Sentença de Mérito
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Manoel Antonio Teixeira Filho
Capítulo X — Sentença de Mérito
Comentário
passadas em julgado, conquanto o § 2.º dessa mesma norma ressalve a possibilidade de a
rescisória dirigir-se a pronunciamento jurisdicional que não seja de mérito, nas situações
ali referidas.
Detenhamo-nos no exame dos elementos que integram essa dicção legal, no que diz
respeito aos pronunciamentos jurisdicionais de mérito.
Sentença
ridade que nos levou a obervar, nas edições anteriores deste livro, que aquele Código não
pretendeu, como se pudesse imaginar, tornar imune ao iudicium rescindens dos tribunais
os demais provimentos que os órgãos judicantes emitiam, como os acórdãos e os despachos
de conteúdo decisório.
Esclarecíamos que o vocábulo sentença não foi aí utilizado com o sentido estrito que
lhe dá o art. 162, § 1.º, daquele CPC ; em rigor, o que houve foi um deslize de ordem técnica
do legislador, sob a forma de minus dixit quam voluit, pois é certo que bastaria ser de mérito
o pronunciamento jurisdicional para que ele pudesse se submeter a um ataque pela via res-
cisória (contanto que já envolvido pelo fenômeno da coisa julgada), pouco importando que
se tratasse de sentença (ato de juízo de primeiro grau) ou de acórdão (ato de tribunal), ou
mesmo de despacho de conteúdo decisório.
Embora o Prof. Alfredo Buzaid tenha, na Exposição de Motivos do CPC de 1973 feito
referência ao conselho proveniente das fontes romanas, no sentido de que toda denição em
direito civil é perigosa (omnis denitio in iure civile periculosa est), atreveu-se a conceituar
a sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito
da causa” (art. 162, § 1.º); a decisão interlocutória como “o ato pelo qual o juiz, no curso do
processo, resolve questão incidente” (ibidem, § 2.º) e os despachos como “todos os demais
atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a
lei não estabeleça outra forma” (ibidem, § 3.º). Todas essas denições tiveream em mira a
redação original do art. 162, daquele Código.
Dissemos, na altura, que essa classicação dos pronunciamentos judiciais e a conse-
quente denição destes foram realizadas com técnica se não perfeita, ao menos satisfatória;
de qualquer maneira, representavam uma expressiva ruptura epistemológica com a termi-
nologia e a doutrina predominantes no texto do CPC de 1939, superando as deciências e
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as imprecisões cientícas que estavam a eivá-lo. A presença de Liebman, em nosso País, no
período de 1940 a 1946, pode ser apontada como um dos fatores que mais contribuíram para
esse aprimoramento cientíco-terminológico; e lembrávamos o fato de Alfredo Buzaid ter
sido um dos discípulos desse notável jurista italiano.
Nada obstante esse considerável avanço cientíco empreendido pelo diploma proces-
sual civil de 1973, ele, em determinados momentos, fez inadvertida concessão à linguagem
imprecisa do Código de 1939.
O CPC de 2015 não incidiu nos equívocos dos Códigos que o precederam, pois fez
constar do seu art. 966, caput, que serão rescindíveis todas as decisões de mérito transitadas
em julgado que tenha incorrido em quaisquer dos casos previstos nos incisos I a VIII, desse
preceptivo legal. De tal arte, o vocábulo decisões compreende, com vistas ao exercício da
ação rescisória, as sentenças, os acórdãos e as decisões (interlocutórias) de mérito. Foi o
que sustentamos, desde sempre, em livros, palestras, conferências, artigos, e o mais, mesmo
quando a norma legal parecia não confortar a nossa opinião.
A Consolidação das Leis do Trabalho, elaborada sob a inuência do Código de Pro-
cesso Civil de 1939, faz referência, no art. 884, § 3.º, à “sentença” de liquidação, quando se
sabe que esse ato jurisdicional de quanticação do crédito do exequente, por não implicar
a extinção do processo, não pode ser classicado como sentença, e sim, como decisão de
traço interlocutório, na medida em que, de lege lata, a fase de liquidação, no processo do
trabalho, corresponde a uma espécie de incidente (não típico) do processo de execução — e
não, a um processo autônomo.
Já o provimento jurisdicional que resolve os embargos à execução constitui, realmente,
modalidade de sentença (irrepreensível, por isso, a linguagem empregada pelo art. art. 884,
§ 4.º, da CLT), porquanto dotado de ecácia extintiva dessa ação (de embargos).
Mérito
Como asseveramos há pouco, o Código de Processo Civil de 1973 lançou por terra o
obsoleto edifício do estatuto anterior, no qual e as sentenças que punham m ao processo sem
exame do mérito eram denominadas de terminativas e as que davam cobro ao processo com
investigação do mérito recebiam o tratamento de denitivas.
Do ponto de vista do CPC de 1973 era absolutamente desnecessário vericar-se se a
sentença adentrara, ou não, no mérito da causa, pois esse aspecto não era essencial para a
conceituação daquele ato jurisdicional. O que se deveria colocar à frente era o fato de tal
ato ser munido de ecácia para dar m, ou não, ao processo; se a resposta fosse armativa,
estaríamos diante de uma sentença; se negativa, haveria que se procurar descobrir de que
outra modalidade de pronunciamento se tratava.
Posteriormente, contudo, a Lei n. 11.232/2005 revolucionou o processo civil ao realizar
aquilo que a doutrina passou a denominar de “sincretismo processual”, consistente em trazer a
clássica execução de título judicial para o próprio processo de conhecimento. Em decorrência
disso, no sistema daquele Código a expressão execução foi substituída por cumprimento da
sentença. Por força dessa profunda transformação imposta no sistema, o legislador teve que
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reformular o conceito de sentença, que passou a ser “o ato do juiz que implica alguma das
situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.
O CPC de 2015 manteve o cumprimento da sentença (arts. 513 a 538), razão pela qual
conceituou a setença como “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento
nos arts. 485 e 487, põe m à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue
a execução”.
Pergunta-se: como ca o processo do trabalho, diante dessa alteração do conceito de
CPC de 2015? A resposta nos conduz a uma situação deveras sui generis. Expliquemo-nos.
Conforme vimos há pouco, o CPC de 1973, anteriormente ao advento da Lei n. 11.232/2005,
separava os processos de conhecimento e de execução de título judicial, fato que justicou o
seu conceito de sentença como o ato pelo qual o juiz punha m ao processo (de conhecimen-
to), examinando, ou não, o mérito da causa (art. 162, § 1.º). Como o processo do trabalho
também separava os processos de conhecimento e de execução, caía-lhe bem o conceito
enunciado pelo art. 162, § 1.º, daquele CPC. Deste modo, mesmo tendo, o processo civil,
realizado o precitado “sincretismo processual” e, em decorrência disso, reformulado o con-
ceito de sentença, esse fato não afetou o processo do trabalho, que mantém a separação dos
processos de conhecimento e de execução. Assim sendo, em que pese ao fato de o primitivo
conceito de sentença, estampado no art. 162, § 1.º, do estatuto processual civil de 1973, haver
sido reformulado (e, de certa forma, repetido pelo art. 203, § 1.º, do CPC de 2015), ele foi
incorporado ao processo do trabalho pela via tácita; foi, enm, recepcionado por este processo
especializado. Que ninguém se sobressalte com nossa armação a respeito dessa recepção,
fenômeno perfeitamente admissível nos sítios jurídicos, inclusive processuais, bastando argumen -
tar com os provectos princípios da variabilidade e da fungibilidade, largamente utilizados na
de 1939 (arts,.....). Ditos princípios foram, pois, recepcionados, tacitamente, pelo CPC de
1973 (sendo incorporados ao processo do trabalho) e, por certo, seguirão a ter guarida na
vigência CPC de 2015. Para claricarmos: no processo do trabalho, de lege lata, a sentença
deve continuar sendo conceituava como o ato pelo qual o juiz põe m ao processo, resolvendo,
o ou não, o mérito da causa.
No que toca às sentenças homologatórias de transação, a doutrina e a jurisprudência,
em atitudes contestes, vinham consolidando engenhosa construção, por elas efetuada, baseada
na separação entre as origens dos atos que se visava a desfazer: se o objetivo era cassar
os efeitos de ato praticado pelas partes (a transação em si), o meio adequado seria a ação
contrário, se desejava atacar o ato judicial (homologatório), em virtude de algum vício nele
existente, o caminho correto seria o da rescisória. Pessoalmente, divergíamos dessa opinião,
como pudemos deixar registrado em outras ocasiões(72). Entendíamos que, indistintamente,
a transação, como negócio jurídico bilateral, ou a sentença que a homologava, deveriam
ser desconstituídas pela rescisória. Para nossa satisfação, o Tribunal Superior do Trabalho
(72) Inclusive, em sentenças e acórdãos.
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