Capítulo XIV - Causas de Rescindibilidade

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Manoel Antonio Teixeira Filho
Capítulo XIV — Causas
de Rescindibilidade
Prevaricação, concussão e corrupção do juiz (CPC, art. 966, I)
Introdução
A leitura dos textos processuais do passado demonstra que estes possuíam forte apego
ao vocábulo peita, quando versavam sobre o tema relativo à “nulidade” da sentença, em
virtude de ato ligado à pessoa do juiz. Peita é originário do latim pactum (pacto) e signica,
nos domínios do Direito Penal, o acordo, de natureza ilícita, por força do qual determinada
pessoa, mediante paga ou promessa de pagamento, pratica ato com violação a devedores que
são inerentes às suas funções.
De peita falaram, dentre outros, o Regulamento n. 737, de 1850, no art. 680, § 1.º (A
sentença será nula sendo dada por juiz peitado ou subornado); a Consolidação das Leis do
Processo Civil elaborada por Ribas, no art. 1.613, § 1.º, n. 3 (Há manifesta nulidade se a
sentença é dada por peita ou suborno dos juízes) e o CPC de 1939, no art. 798, I, a (Será nula
a sentença quando proferida por juiz peitado).
O CPC de 1973 rompeu com essa tradição terminológica, ao referir-se à prevaricação,
concussão e corrupção do juiz, no lugar de peita ou suborno deste. Do mesmo modo procedeu
o CPC de 2015.
Da menção feita a textos processuais de outrora, podemos extrair duas observações
interessantes: a) o verbo dar (sentença dada), empregado, p. ex., no Regulamento n. 737 e na
Consolidação de Ribas foi substituído pelo proferir, no CPC de 1939 — passando, a contar
daí, a entrar denitivamente no gosto dos legisladores, da doutrina e da jurisprudência;
b) o CPC de 1973, em apurada técnica e atendendo aos apelos da doutrina, abandonou a
expressão “sentença nula”, trocando-a pela sentença rescindível (“pode ser rescindida, dizia
o caput do art. 485). O CPC de 2015 fez o mesmo (art. 966, caput).
Cabe-nos investigar, agora, s e os conceitos de prevaricação, concussão e corrupção do
juiz, em tema de ação rescisória civil e trabalhista, devem coincidir com os enunciados pelos
arts. 316, 317 e 319 do Código Penal, ou podem, ao contrário, ser construídos autonoma-
mente, vale dizer, com elementos próprios, que atendam às necessidades do CPC vigente.
Pontes de Miranda preconiza a última solução: “Não se atenha o intérprete do art. 485,
I, a texto de direito penal, posto que possam ser elementos para o conteúdo do conceito,
porém, pelo fato de se conhecer o texto penal em vigor, não se diga que basta”(137).
(137) Tratado da Ação Rescisória..., p. 221.
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Não perlhamos, data venia, essa opinião.
Estamos convencidos de que não foi obra do acaso o fato de os legisladores processuais
de 1973 e de 2015 haverem feito uso dos vocábulos prevaricação, concussão e corrupção; a
não se entender assim, por que motivo eles teriam abandonado o tradicional emprego dos
termos peita e suborno, pelos quais tanto se afeiçoavam os legisladores do passado? Não
se diga que o impeliu o mero gosto pela novidade baldia. Nada disso. Parece-nos razoável
concluir que essa atitude da legislatura foi ditada pela preocupação de evitar a possibilidade
de ser elastecido, pela atuação dos intérpretes, o elenco dos atos judiciais desonestos de que
a parte poderia valer-se para buscar a desconstituição da coisa julgada material.
A referência aos vocábulos prevaricação, concussão e corrupção os colou aos conceitos
emitidos pelo Direito Penal, daí por que qualquer interpretação que extravase os limites
xados pelos arts. 316, 317 e 319 do Código Penal será arbitrária e, por isso, censurável.
Prevaricação
Oriundo do latim praevaricatio, de praevaricari (faltar ao dever, afastar-se do dever),
o substantivo prevaricação identica um dos crimes praticados por funcionário público
contra a administração pública em geral, consistente, a teor do art. 319 do Código Penal, em
“Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição
expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Para efeito de conguração desse crime, o juiz foi equiparado a funcionário público,
pois, em rigor, não o é. Divergimos, por isso, de Arruda Alvim quando arma que “O juiz
pode ser considerado, num sentido lato, um funcionário público. No entanto, tantas e tais
são as peculiaridades que envolvem a sua posição, que o distanciam muito do verdadeiro
funcionário público e do regime jurídico a que este se submete(138) (sublinhamos).
Ora, nem mesmo lato sensu, ou por antonomásia, o juiz pode ser considerado um
funcionário público, porquanto ele não é preposto de nenhum dos Poderes do Estado e sim
órgão, elemento celular do Poder Judiciário, como evidencia o art. 92 da Constituição Federal.
Assim sendo, a concessão única que se pode fazer, nesse terreno, será reconhecer-se (como
já o zemos) que para os efeitos dos arts. 319, do Código Penal, e 966, I, do CPC — e tão
somente para isso — ele foi equiparado ou assemelhado ao funcionár io público.
Nas palavras de Bento de Faria — proferidas na vigência do CPC de 1973 — a pre-
varicação se caracterizava “pela indelidade ao dever funcional e pela parcialidade no seu
desempenho”(139); esse parecer não se aplicava por inteiro ao magistrado, pois a sua impar-
cialidade no desempenho das funções já é uma falta a dever funcional, como se extrai da
dicção do art. 139, I, do CPC de 2015 (Coqueijo Costa, ao adotar pensamento idêntico ao
de Bento de Faria, não atentou para tal particularidade)(140).
(138) Curso de Direito Processual Civil. vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. p. 488.
(139) Código Penal Brasileiro (Comentado). vol. VII. 2.ª ed. Rio de Jaeiro: Record, 1959. p. 109/111.
(140) Ação Rescisória. 3.ª ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 40.
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Uma criteriosa dissecação do art. 319 do Código Penal nos revela os requisitos para a
tipicação do delito que ele se ocupou em conceituar: a) a qualidade de funcionário público
ou de magistrado do agente; b) o retardamento ou a omissão injusticada na prática de ato
de ofício ou a sua realização contrária à lei; c) o motivo, consubstanciado no dolo especíco.
O “ato de ofício”, de que fala o dispositivo legal em exame, não deve, porém, ser inte-
ligido no sentido de ato que o juiz haja praticado por sua iniciativa (ex ocio) e sim de ato
que é inerente ao exercício de suas funções.
Sérgio Rizzi reputa dispensável a prova, no juízo rescindente, do elemento subjetivo
do delito, que é obrigatório para o seu reconhecimento(141). Uma vez mais, somos levados
a discordar. Se tomarmos como elemento subjetivo do delito a satisfação de interesse ou de
sentimento pessoal do juiz (ódio, vingança, gratidão, temor, cupidez, etc.), parece-nos
indispensável que o autor prove, no órgão de rescisão, não só esse fato, mas também que
este foi o móvel da falta contra os deveres funcionais.
Merece ser referido o interessante comentário feito por Bueno Vidigal, de que o legis-
lador deveria ter também permitido o uso da rescisória às partes prejudicadas por atos de
seus advogados, que tipicassem o crime de patrocínio inel ou de patrocínio simultâneo,
previsto no art. 355 do Código Penal, pois o advogado, além de mandatário da parte, é
auxiliar da justiça(142).
Convém aos interesses doutrinários, e também de ordem prática, estabelecermos um
divisor das águas em que se situam a prevaricação, a concussão e a corrupção, s ob o ângulo dos
conceitos penalísticos: se o juiz limitar-se a retardar a realização do ato; deixar de praticá-lo
ou realizá-lo contra expressa disposição de lei, sem que essa falta contra o dever funcional
decorra de uma sua exigência de vantagem ilícita, ou de avença com a parte, para esse m,
o crime será de prevaricação; provindo, entretanto, a vantagem de imposição do juiz ou
de ajuste com a parte ou mesmo com terceiro, o delito será de concussão ou de corrupção,
conforme seja o caso.
Concussão
Do latim concussio (extorsão), concussão signicava, no direito romano, o crimen
repetundarum, caracterizado pelo abuso do poder público, por parte da autoridade.
Não é muito diferente disso o seu conceito no direito penal moderno, no qual o vocábulo
é utilizado para designar o crime praticado por funcionário público, consistente em exigir,
para si ou para terceiro, vantagem indevida.
Dela diz o art. 316 do Código Penal: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indireta-
mente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”.
Alguns autores, como Nélson Hungria, entendem que essa vantagem é de natureza
econômica(143). Pensamos de modo diverso. Não havendo o legislador dito qual a espécie de
(141) Ação Rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 52.
(142) Comentários..., p. 58.
(143) Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. vol. IX, p. 376.
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