O caso Buser: uma análise sobre a viabilidade da prestação do serviço de transporte rodoviário interestadual por aplicativos

AutorNatália de Macedo Couto
Ocupação do AutorMestranda em Direito da Regulação na Fundação Getulio Vargas ? FGV (2020)
Páginas354-374
354
Transformações do Direito Administrativo:
Debates e Estudos Empíricos em Direito Administrativo e Regulatório
O caso Buser: uma análise sobre a viabilidade
da prestação do serviço de transporte
rodoviário interestadual por aplicativos
Natália de Macedo Couto546
Resumo
Este artigo busca analisar a viabilidade da prestação do servi-
ço de transporte rodoviário interestadual de passageiros mediante
aplicativos, em regime de direito privado. A definição da referida
atividade econômica como serviço público não tem o condão de
afastar o princípio da livre concorrência, sendo possível a sua explo-
ração pelo setor privado por meio do instrumento de autorização,
haja vista o uso de um modelo de assimetria regulatória. As novas
tecnologias desafiam os conceitos tradicionais do direito adminis-
trativo ao reivindicarem maior flexibilidade normativa, atreladas às
ideias de inovação e abertura do mercado. A partir do desenvol-
vimento dessas considerações, o presente trabalho conclui pela
possibilidade da prestação do referido serviço em regime de direi-
to privado, à míngua de vedação no ordenamento jurídico, ocasião
em que a função regulatória desempenhará o papel de equilibrar
os diversos interesses em um mesmo subsistema, sob a lógica sis-
têmica da regulação.
Palavras-chave: Novas Tecnologias; Serviço Público; Transporte Ro
-
doviário Interestadual; Regulação; Assimetria Regulatória.
Introdução
A transformação da sociedade pela internet, com o surgimen-
to de novas tecnologias, pode ser observada a partir dos anos
1990. A partir de então, a sociedade, marcada pela globalização,
546 Mestranda em Direito da Regulação na Fundação Getulio Vargas – FGV (2020). Pós-graduada
em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ (2011). Cursos
de educação continuada em Compliance (2018) e Contratos na FGV (2019). Atualmente é
advogada na MF Assessoria Jurídica Empresarial, assistente de ensino da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e pesquisadora voluntária no Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. Tem
experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado. Área de pesquisa: Regulação
de Novas Tecnologias. E-mail: nataliacouto22@gmail.com.
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O caso Buser: uma análise sobre a viabilidade da prestação
do serviço de transporte rodoviário interestadual por aplicativos
vivenciou a superação das restrições espaciais e temporais. Essa
mudança alterou as dinâmicas de poder e os mercados, realizando
transformações na economia, além de trazer grande evolução do
conhecimento tecnológico.547
É nesse contexto que surgem atividades econômicas privadas
prestadas por meio de plataformas digitais mediante tecnologia da
informação, despontando novos formatos de comercialização de
bens por meio do comércio eletrônico, novas formas de intermedia-
ção de moradias, bem como inovações no transporte de pessoas.
Essa situação de rompimento do curso normal dos processos eco-
nômicos é chamada de “situações disruptivas”,
548
em que se rompe
a lógica de prestação do serviço anterior para explorar, ao mesmo
tempo, o mesmo serviço, sob uma nova ótica, com o objetivo de
promover maior eficiência em benefício dos consumidores.
Em 2017, a startup Buser, criada em solo brasileiro para servir
como plataforma digital a intermediar a conexão entre empresas de
transporte rodoviário terrestre, que oferecem o serviço de fretamen-
to para viagens interestaduais, e passageiros interessados,549 iniciou
suas atividades, promovendo uma inovação disruptiva no setor.
Assim como o sistema de for-profit sharing,
550
trazido pela em-
presa Uber, acarretou na discussão em torno da possibilidade do
uso ou não dos aplicativos como forma de prestação do serviço
de transporte individual de passageiros;551 o início das atividades
547 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Uber, Whatsapp, Netflix:
Os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da
Economia, v. 56, p. 75-108, 2016. Segundo os autores, as “concepções clássicas do direito
administrativo são sempre desafiadas por três vetores: aumento da consciência do cidadão
(vertente política); realidades ditadas pela dinâmica de mercado (vertente econômica) e a
evolução do conhecimento aplicado (vertente tecnológica)”.
548 MOREIRA, Egon Bockmann. Situações disruptivas, negócios jurídico-administrativos e equilíbrio
econômico-financeiro. In: FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON,
Bruno (Orgs.). Regulação e novas tecnologias, Belo Horizonte, Fórum, 2017.
549 Disponível em: https://www.buser.com.br/sp#:~:text=A%20Buser%20%C3%A9%20uma%20
empresa,viagens%20rodovi%C3%A1rias%20interestaduais%20e%20intermunicipais. Acesso
em: 21 dez. 2020.
550 Sistema em que, através do meio tecnológico, se permite que um determinado motorista
receba um valor pelo transporte compartilhado de passageiros. Ver: MARQUES NETO, Flo-
riano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Uber, Whatsapp, Netflix: Os novos quadrantes
da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da Economia, v. 56, p.
81, 2016.
551 Sob o ponto de vista concorrencial, houve grande pressão dos taxistas para sua proibição, sob
a justificativa de exercerem o monopólio desta atividade por se tratar de serviço público, o que

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