Controle indireto do ato administrativo: análise da deferência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro à decisão da ANEEL sobre contratos com demanda contratada durante a pandemia

AutorJuliana Patricio da Paixão/Marcello Lobo
Ocupação do AutorDoutoranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Regulação da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro/Mestrando no Programa de Pós-graduação em Direito da Regulação da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, com MBA em Energy Business pela Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro e Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de ...
Páginas248-268
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Transformações do Direito Administrativo:
Debates e Estudos Empíricos em Direito Administrativo e Regulatório
Controle indireto do ato administrativo – análise
da deferência do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro à decisão da ANEEL sobre contratos
com demanda contratada durante a pandemia
Juliana Patricio da Paixão329
Marcello Lobo330
Resumo
No contexto de pandemia e diante da necessidade de anteci-
par tutela em disputas contratuais, tem-se por hipótese que o Poder
Judiciário aplique a teoria da deferência e considere decisão toma-
da pela agência reguladora setorial ANEEL. Este trabalho analisa
decisões em disputas contratuais relativas à manutenção do paga-
mento por demanda contratada (e não pela efetivamente medida)
a partir de pesquisa empírica quantitativa e qualitativa envolven
-
do decisões da segunda instância do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro em que, indiretamente, é exercido controle judicial sobre o
ato administrativo praticado pela ANEEL.
Palavras-chave: Regulatório; Deferência; Controle Judicial; Anteci-
pação de Tutela; Ato Administrativo.
Introdução
A partir de março de 2020, a pandemia do coronavírus e as
consequentes medidas governamentais, que determinaram o fe-
chamento de alguns estabelecimentos empresariais, na tentativa de
diminuir a circulação de pessoas e o ritmo de contágio da doença,
afetaram profundamente as relações comerciais e levantaram ques-
tionamentos sobre o cumprimento de contratos, inclusive no âmbito
de setores regulados. Assim, as agências reguladoras tiveram que
329 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Regulação da Fundação Getulio
Vargas, Rio de Janeiro. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Flumi-
nense (UFF) e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio). Advogada. E-mail: juliana.paixao@fgv.edu.br.
330 Mestrando no Programa de Pós-graduação em Direito da Regulação da Fundação Getúlio
Vargas, Rio de Janeiro, com MBA em Energy Business pela Fundação Getulio Vargas, Rio de
Janeiro e Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Advogado. E-
-mail: marcello.lobo@fgv.edu.br.
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Controle indireto do ato administrativo: análise da deferência do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro à decisão da ANEEL sobre contratos com demanda contratada durante a pandemia
avaliar a regulamentação existente para oferecer uma solução acer-
ca da prática de atos em razão da calamidade pública.
Nesse contexto, foi publicado no Diário Oficial da União em
20 de maio de 2020 o Despacho no 1.406 da Agência Nacional de
Energia Elétrica – ANEEL,331 em que, tendo em vista a deliberação
da Diretoria e o que consta no Processo n
o
48500.001841/2020-
81, nega provimento ao pedido de alteração do faturamento de
demanda de consumidores do Grupo A332 durante a pandemia do
coronavírus – COVID-19; e recomenda que as distribuidoras promo-
vam a livre negociação sobre o diferimento e o parcelamento dos
valores referentes ao faturamento de demanda contratada que su-
perem a demanda medida.
O voto-vista do Diretor-Geral da ANEEL reflete bem o desa-
fio do regulador durante a urgência sanitária: indica que é preciso
tomar decisões para sanar problemas, mas dosar bem as ações,
para que as soluções para o curto prazo (conjunturais) não afetem
o longo prazo (estruturais), nem ocasionem distorções e alocação
ineficiente de custo no futuro.333
Mais especificamente, a Agência se preocupou com o ajuiza-
mento de diversas ações por consumidores do Grupo A contra
concessionárias de distribuição, e o tratamento assimétrico que
poderia ser dado a determinados consumidores em detrimento da
sustentabilidade econômica e financeira de todo o Setor Elétrico.334
331 Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/dsp20201406.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021.
332 A Resolução Normativa no 414, emitida pela ANEEL em 9 de setembro de 2010, define Grupo A
de forma técnica, como grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento
em tensão igual ou superior a 2,3 kV, ou atendidas a partir de sistema subterrâneo de distribuição
em tensão secundária, caracterizado pela tarifa binômia e subdividido em determinados subgru-
pos especificados na Resolução. Em linguagem simplificada, pode-se dizer que geralmente se
enquadram neste grupo as grandes indústrias e estabelecimentos comerciais de grande porte.
Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2010414.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021
333 Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/adsp20201406_3.pdf. Acesso em: 20 jun.
2021.
334 Nas palavras do Diretor-Geral da ANEEL no voto-vista, “no âmbito judicial, verifica-se o
ajuizamento de diversas ações por consumidores do grupo A contra concessionárias de dis-
tribuição, tendo por objeto o pagamento pela demanda efetivamente medida, sendo a ANEEL
incluída no polo passivo em algumas dessas ações, que tramitam nos Estados da Bahia, Mato
Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e São Paulo. Esses pleitos judiciais, caso acolhidos, pro-
vocarão tratamento assimétrico – e quiçá privilegiado – a determinados consumidores, e em
detrimento da sustentabilidade econômica e financeira de todo o Setor Elétrico, pondo em
risco a continuidade dos serviços públicos de distribuição, na medida em que o Setor Elétri-
co é igualmente afetado pela pandemia. Tratando-se a pandemia de fenômeno que acomete

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