Controle de conflitos de interesses pela Controladoria-Geral da União

AutorThamar Cavalieri
Ocupação do AutorMestranda em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Procuradora do Estado do Rio de Janeiro
Páginas418-452
418
Transformações do Direito Administrativo:
Debates e Estudos Empíricos em Direito Administrativo e Regulatório
Controles de conflitos de interesse pela
Controladoria-Geral da União
Thamar Cavalieri664
Resumo
Este trabalho objetiva avaliar o Controle de Conflitos de Inte-
resses realizado pela Controladoria Geral da União (CGU) a partir
de metodologia de monitoramento de políticas públicas que distin-
gue inputs, outputs e outcomes. Inicia-se pela análise do orçamento
da União e dos recursos empregados na política pública (inputs),
analisa dados acerca do procedimento de controle (outputs) e tece
considerações sobre a qualidade do mérito das decisões de con-
trole (outcomes).
Palavras-chave: Lei de Conflitos de Interesses; Controladoria-Geral
da União; Controle de políticas públicas; Imparcialidade; Impesso-
alidade; Integridade.
Introdução
Controlar conflitos de interesses de agentes públicos é novi-
dade no Direito brasileiro. Até a Lei de Conflitos de Interesses, de
2013,
665
o ordenamento nacional possuía normas esparsas de im-
pedimentos e mecanismos que visam promover impessoalidade e
imparcialidade no exercício da função pública,666 mas não possuía
previsão expressa que abrangesse, de forma genérica, a mitigação
desse tipo de conflito moral no Direito Público.667 A Lei, que atribui
o encargo desse controle à Controladoria-Geral da União (CGU) e
664 Mestranda em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Procuradora
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: cavalierit@pge.rj.gov.br.
665 Lei no 12.813 de 2013.
666 São exemplos de normas esparsas que visam evitar conflitos de interesses: as vedações do
art. 9o da Lei no 8.666, os arts. 36 e 38 da Lei no 12.462, o art. 30 da Lei 14.133, o art. 17, §2o,
V da Lei no 13.303, a exceção do art. 133, § 2o do Código Tributário Nacional, o artigo 54 da
667 Conflitos morais ocorrem quando o que se quer fazer se opõe ao que se acredita ser corre-
to fazer (NELSON, Debra L.; QUICK, James Campbell. Organizational behavior: science, the
real world and you. Cengage Learning, 2013. p. 111-122). Nesse caso, conflito moral se instala
quando o agente, sabendo que seu agir deve visar ao interesse público, sente-se impelido a
agir para atingir interesse privado.
419Controles de conflitos de interesse pela Controladoria-Geral da União
à Comissão de Ética Pública, aplica-se somente à Administração
federal,668 mas tem inspirado boa parte dos Estados federados do
país, os quais vêm, paulatinamente, produzindo suas próprias legis-
lações de integridade e implementando seus controles.669
Em toda república democrática, o que é público é de todos: ge-
rir recursos públicos e implementar serviços públicos (em sentido
amplíssimo) é administrar o que é de todos. Todo agente público
exerce suas funções por delegação de poder que a todos pertence
e deve agir no interesse do conjunto de delegatários, ou seja, com
vistas ao interesse público.670 Contudo, como ocorre em qualquer
relação de representação,671 agentes públicos delegatários estão
sujeitos à força motivadora de interesses privados e especiais, que,
em diversas circunstâncias, entram em conflito com o interesse pú-
blico que os deve mover.
O controle de conflitos de interesses visa, então, à proteção do
exercício da função pública de interesses privados, visa ao incremen-
to da integridade pública, à proteção dos princípios constitucionais
da impessoalidade, da imparcialidade e da moralidade.672 Visa, em
668 Esses e outros aspectos da Lei no 12.813 serão abordados no item 2.2 deste trabalho.
669 Conforme levantamento realizado em 20 de agosto de 2020, no estado de Goiás, o Decreto
no 9.406/2019 instituiu um programa de compliance público abrangente; no Espírito Santo,
também em 2019 foi publicada a Lei no 10.993, que instituiu programa de integridade que
abrange toda a Administração estadual direta e indireta, excetuadas apenas as empresas
públicas e sociedade de economia mista; o estado do Mato Grosso do Sul implementou pro-
grama de integridade por meio do Decreto no 15.222 de 7 de maio de 2019; na Paraíba, os
procedimentos de integridade instituídos são limitados ao controle de entes privados con-
tratantes com a Administração, cf. Decreto no 8.420 de 2015. O Paraná instituiu programa de
integridade e compliance aplicável a toda a Administração estadual pela Lei no 19.857 de 29
de maio de 2019; Minas Gerais publicou a 1a edição do seu plano de integridade em maio de
2018; o Maranhão regulamentou apenas a responsabilização de pessoas jurídicas pela práti-
ca de atos contra a Administração, o que foi feito em 2015, pelo Decreto no 31.251 e o Ceará
tem programa de integridade instituído pela Controladoria do Estado em 2017. O Rio de Ja-
neiro instituiu programa de integridade pública abrangente em 2019 (Decreto estadual RJ no
46.745 de 22.08.2019); Santa Catarina criou programa de integridade e compliance da Ad-
ministração estadual em 2019, pela lei no 17.715 de 23 de janeiro de 2019 e o Distrito Federal
fez o mesmo pelo Decreto distrital no 39.736 de 20 de março de 2019.
670 Esse seria o conteúdo do princípio republicano. Sobre o tema, vide: SARMENTO, Daniel. Prin-
cípio republicano nos 30 anos da Constituição de 88: por uma República Inclusiva. Revista
da EMERJ, v. 20, p. 296-318, 2018. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_
online/edicoes/revista_v20_n3/revista_v20_n3_296.pdf.
671 Segundo a literatura de agency theory (teoria da agência), problemas de agência como os
conflitos de interesses são encontrados em qualquer relação de representação (AGARWAL,
Shubhi; GOEL, Rohit; VASHISHTHA, Pushpendra. A literature review on agency theory. Indian
Journal of Research, v. 3, issue 5, p. 51, May 2014).
672 O princípio da Imparcialidade, diferentemente do que ocorre com Impessoalidade e Mora-
lidade, expressos no art. 37 da CRFB/88, é identificado pela Literatura como estando nela
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Transformações do Direito Administrativo:
Debates e Estudos Empíricos em Direito Administrativo e Regulatório
última instância, à promoção do direito fundamental dos cidadãos
a uma boa administração.673
Entretanto, no mundo real, nem sempre as normas resultam
efetivamente na proteção dos direitos fundamentais que objetivam
resguardar. De acordo com Barcellos, no mínimo (2) dois grandes
processos devem ser levados a cabo para que isso aconteça. Em
primeiro lugar, a política pública prevista na norma precisará ser
de fato implementada, o que dependerá de providências como a
criação de estruturas administrativas, de alocação orçamentária, de
contratação de pessoal e infraestrutura, a produção de relatórios.
674
Em segundo lugar, uma vez que a norma esteja sendo implemen-
tada, “será preciso verificar se os resultados que dela se esperava
estão se produzindo realmente, tanto em caráter geral, quanto, de-
sagregando essa informação, tendo em conta as diferentes regiões
e os diferentes grupos humanos do país”.675
No intuito de concretizar o monitoramento de políticas públi-
cas, Barcellos distingue 4 (quatro etapas). A primeira é identificar
qual problema a política pública pretende enfrentar e quais as
suas metas. A segunda é a análise dos inputs, que descrevem os
recursos financeiros, humanos ou de qualquer outra natureza,
investidos na política pública. A seguinte consiste nos outputs,
que tratam daquilo que efetivamente foi executado por conta
da política – os serviços prestados, as atividades desenvolvidas,
os bens fornecidos. Finalmente, a quarta etapa analisa os outco-
mes, ou seja, os resultados efetivos ou impactos reais da política
implícito (AVILA, Ana Paula de Oliveira. O postulado da imparcialidade e a independência
do magistrado no civil law. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano
8, n. 31, out/dez 2010, p. 5). MORET-BAILLY correlaciona esses princípios com os conflitos de
interesses em MORET-BAILLY, Joel. Les conflits d’intérêts: definir, gérer sanctionner, LGDJ-
Lextenso éditions, 2014. p. 9.
673 A existência de um direito fundamental a uma boa administração é amplamente reconhecida
no plano internacional (MUÑOZ, Jaime Rodríguez-Arana. Direito fundamental à boa adminis-
tração pública. Tradução de Daniel Wunder Hachem. Belo Horizonte: Editora Forum, 2012, p.
45, p. 70). Ele está previsto, por exemplo, no art. 42 da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia. Também há autores brasileiros que tratam do tema, como: ISMAIL FILHO,
Salomão, Boa administração: um direito fundamental a ser efetivado em prol de uma gestão
pública eficiente. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 277, n. 3, p. 113, set./dez.
2018.
674 BARCELLOS, Ana Paula de. Políticas públicas e o dever de monitoramento: “levando direitos
a sério”. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, n. 2, p. 255, 2018.
675 Ibidem.

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