Regulação, serviço público e tarifas: o caso do serviço postal

AutorLeonardo de Andrade Costa
Ocupação do AutorDoutorando em Direito da Regulação na FGV Direito Rio
Páginas270-304
270
Transformações do Direito Administrativo:
Debates e Estudos Empíricos em Direito Administrativo e Regulatório
Regulação, serviço público e tarifas:
o caso do serviço postal
Leonardo de Andrade Costa391
Resumo
O presente ensaio acadêmico tem por escopo apresentar os
diferentes modelos de regulação dos preços postais e dimensio-
nar o impacto dos aumentos das tarifas dos serviços prestados
pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Além de
comparar a regulação por meio do preço-teto (price cap) e custo
do serviço (cost of service), a análise quantitativa do que ocor-
reu nos últimos 20 anos, no que alude aos reajustes e revisões das
tarifas dos serviços prestados em regime de exclusividade no Bra
-
sil, comparado com a inflação do período, auxilia a realização do
necessário diagnóstico dos efeitos do controle estatal sobre as
atividades dos correios nas últimas décadas, e ajuda na constru-
ção de propostas alternativas para melhorias no setor. Trata-se de
pesquisa exploratória não exaustiva, que inclui a revisão bibliográ-
fica, o estudo de casos e documentos, que combina os métodos
qualitativo e quantitativo, na medida em que se pretende realizar
análise de preços e tarifas do setor postal.
Palavras-chave: Setor Postal; Regulação De Preços; Preço Teto;
Custo do Serviço.
391 Doutorando em Direito da Regulação na FGV Direito Rio. Professor da graduação da FGV
Direito Rio. Auditor Fiscal do Estado do Rio de Janeiro com atuação na área de consultoria
tributária da Secretaria de Estado de Fazenda. E-mail: leonardo.costa@fgv.br.
271Regulação, serviço público e tarifas: o caso do serviço postal
Introdução
O Estado brasileiro pode atuar392 de forma direta393 ou indireta
na economia, apesar da livre iniciativa ser fundamento da Repú-
blica e princípio da ordem econômica.
394
Independentemente do
instrumento utilizado pelo poder público, seja atuando diretamen-
te, como agente monopolista395 ou prestador de serviços públicos,
ou intervindo indiretamente, como promotor de políticas públicas,
ou regulador da economia, ordenando ou fomentando as ações pri-
vadas, a busca do interesse público é o traço comum, e requisito
de validade de toda ação estatal.
Nesse cenário de entrelaçamentos entre o público e o privado,
o estudo do sistema de preços396 impõe-se como tema essencial
392 Eros Roberto Grau salienta que o “Estado não pratica intervenção quando presta serviço públi-
co ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade,
na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais
correto do que a expressão atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área
de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais
amplo. Pois é certo que essa expressão quando não qualificada, conota inclusive atuação na
esfera do público”. (GRAU, Roberto Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed.
São Paulo: Malheiros, 2003. p. 82). Em sentido distinto, José Vicente de Mendonça advoga
no sentido da “utilização intercambiável das expressões”. In: MENDONÇA, José Vicente San-
tos. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democrático,
eficiente e não-paternalista. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de
Janeiro, v. 65, 2010. p. 115.
393 A atuação direta do Estado como agente econômico pode ser realizada de forma exclusiva
ou não. Quando não há previsão de impossibilidade de transferência da execução da ativi-
dade, o Estado pode delegar a empresas estatais ou privadas a execução da atividade por
meio de contratos de concessão ou permissão. Nesse sentido, merecem destaque os arts. 21,
XI e XII, 175, 176 e 177 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88).
394 Vide arts. 1o, IV, e 170 da CRFB/88.
395 O sentido e alcance da expressão monopólio sob o ponto de vista jurídico não coincide com
conteúdo do termo no campo da economia. A questão será indicada abaixo quando for
mencionada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 46, por meio da qual a Corte fixou o entendimento no senti-
do de que o termo monopólio se aplica à atividade econômica em sentido estrito, ao passo
que o privilégio pertence à seara dos serviços públicos, dentro das quais se enquadram as
atividades prestadas em regime de exclusividade pela Empresa Brasileira de Correios e Telé-
grafos (ECT). Assim, o setor postal situa-se sob a perspectiva jurídica no âmbito dos serviços
públicos.
396 A expressão sistema de preços está sendo utilizada aqui em seu sentido lato, isto é, in-
cluindo os preços privados e os preços públicos, os quais decorrem da exploração do
patrimônio estatal, não se confundindo, portanto, com os tributos, que são exigíveis inde-
pendentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo. Os preços privados, como
regra geral, resultam das interações entre a demanda e a oferta nos mercados submeti-
dos à livre concorrência. É muito tênue a linha que separa o conceito de preço público do
conceito de taxa de serviço, na medida em que ambos têm um caráter contraprestacio-
nal, de remuneração ao Estado pela prestação de serviços públicos. A controvérsia acerca
do tema e bem assim das distintas visões quanto às possíveis diferenças entre os pre-
ços públicos e as tarifas serão abordadas no início da terceira parte deste trabalho. Para
exame do controle estatal sobre os preços privados, vide: COSTA, Leonardo de Andrade.
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Transformações do Direito Administrativo:
Debates e Estudos Empíricos em Direito Administrativo e Regulatório
para economistas e juristas, pois reflete o processo de planejamen-
to e decisão social, centralizado ou descentralizado,397 por meio do
qual se comunicam398 importantes informações, incluindo aquelas
necessárias à avaliação do desempenho das entidades submetidas
à regulação399 econômica setorial.
Nessa linha, o exame dos diferentes modelos e alternativas para
fixação de tarifas destaca-se como um dos temas centrais da re-
gulação dos serviços públicos e dos setores de infraestrutura, haja
vista a inevitável tensão entre os objetivos de universalização e
modicidade tarifária de um lado e o custo de oportunidade do in-
vestimento necessário à atratividade e sustentabilidade financeira
sob o ponto de vista do ofertante, de outro.
Apontamentos sobre a regulação estatal dos preços privados no contexto da pandemia
da COVID-19. Revista de Direito, Economia e Desenvolvimento Sustentável, do Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), Florianópolis (SC), 2021.
e-ISSN:2526-0057. Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/revistaddsus/article/
view/7661. Acesso em: 13 out. 2021.
397 This is not a dispute about whether planning is to be done or not. It is a dispute as to whe-
ther planning is to be done centrally, by one authority for the whole economic system, or
is to be divided among many individuals. Planning in the specific sense in which the term is
used in contemporary controversy necessarily means central planning—direction of the whole
economic system according to one unified plan. Competition, on the other hand, means de-
centralized planning by many separate persons. The halfway house between the two, about
which many people talk but which few like when they see it, is the delegation of planning to
organized industries, or, in other words, monopoly”. Tradução livre: “Isso não é uma disputa
sobre se o planejamento deve ser feito ou não. É uma disputa se o planejamento deve ser
feito centralmente, por uma autoridade para todo o sistema econômico, ou se deve ser divi-
dido entre muitos indivíduos. O planejamento no sentido específico em que o termo é usado
na controvérsia contemporânea significa necessariamente o planejamento central — direção
de todo o sistema econômico de acordo com um plano unificado. A concorrência, por ou-
tro lado, significa um planejamento descentralizado por muitas pessoas separadas. O meio
termo, sobre a qual muitas pessoas falam, mas que poucos gostam quando o veem, é a de-
legação de planejamento para indústrias organizadas, ou, em outras palavras, monopólio”.
(HAYEK, Friedrich August von. The Use of knowledge in society. American Economic Review,
XXXV, n. 4; p. 519-530, September 1945). https://www.cato.org/sites/cato.org/files/articles/
hayek-use-knowledge-society.pdf. Acesso em: 7 jul. 2021.
398 “We must look at the price system as such a mechanism for communicating information if
we want to understand its real function—a function which, of course, it fulfils less perfectly as
prices grow more rigid”. Tradução livre: “Devemos olhar para o sistema de preços como um
mecanismo de comunicação de informações se quisermos entender sua função real — uma
função que, naturalmente, cumpre menos perfeitamente à medida que os preços se tornam
mais rígidos”. (HAYEK, Friedrich August von. The use of knowledge in society. American Eco-
nomic Review, XXXV, n. 4; p. 519-530, September, 1945. https://www.cato.org/sites/cato.org/
files/articles/hayek-use-knowledge-society.pdf . Acesso em: 7 jul. 2021.)
399 Ruy Pereira Camilo Junior, apesar de apontar problemas no paradigma “estadocêntrico, redu-
cionista, hierárquico e unilateral para a regulação” indica os riscos de uma concepção muito
ampla para o termo, que pode ocasionar “total diluição do conceito no amplo mar da socio-
logia, da economia e do Direito”, isto é, identificar a “regulação com todo o reino do Direito,
governança e controle social”. In: CAMILO JUNIOR, Ruy Pereira. Direito societário e regula-
ção econômica. Barueri: Manole, 2018. p. 6-10.

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