A contratualização do fortuito: reflexões sobre a alocação negocial do risco de força maior

AutorCarlos Nelson Konder e Cíntia Muniz de Souza Konder
Ocupação do AutorProfessor do Departamento de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/Professora do Departamento de Direito Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Ibmec
Páginas41-59
A contratualização do fortuito: reflexões sobre a
alocação negocial do risco de força maior
Carlos Nelson Konder1
Cíntia Muniz de Souza Konder2
Sumário: Introdução: as excludentes como parte do equilíbrio
contratual negociado; – 1. Caracterização legal do caso fortuito
e da força maior; – 2. A contratualização indireta da força
maior: distinção entre fortuito interno e externo; – 3.
Contratualização direta da força maior: fortuitos equiparados e
fortuitos excluídos contratualmente; – 4. Considerações finais.
Introdução: as excludentes como parte do equilíbrio contratual ne-
gociado
Caso fortuito e força maior configuram a mais característica
excludente de responsabilidade, normalmente ilustrada com fatos
naturais ou humanos que seriam invencíveis e irresistíveis para
qualquer pessoa, razão pela qual seria grande injustiça responsabi-
lizar o devedor, impondo-lhe o dever de indenizar, diante de cir-
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1 Professor do Departamento de Direito Civil da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) e do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Doutor e mestre em direito civil pela
UERJ. Especialista em direito civil pela Universidade de Camerino (Itália).
Advogado. Email: carlos@konder.adv.br.
2 Professora do Departamento de Direito Civil da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e do Ibmec. Professora dos cursos de Pós-graduação lato
sensu da UERJ e da PUC-Rio. Doutora em direito civil pela UERJ. Mestre em
direito e sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Advogada.
Email: cintia@konder.adv.br.
cunstâncias como essas. Entretanto, exame mais minucioso revela
que os confins dessa excludente são mais sensíveis ao contrato fir-
mado entre as partes do que parece à primeira vista. Com efeito,
no exercício legítimo da autonomia negocial, não é comum que a
ampliação ou restrição das hipóteses em que o devedor será libera-
do de sua responsabilidade sejam também parte da negociação. No
delicado e complexo arranjo de interesses que constitui o equilí-
brio contratual entram não somente o valor das prestações devidas,
traduzidas em direitos e deveres, mas também todos os efeitos
jurídicos do pacto, que envolvem, em sentido mais amplo, a distri-
buição de riscos entre as partes.
No presente artigo serão analisados três aspectos em que se
fazem sentir os efeitos da autonomia negocial sobre a delimitação
das hipóteses de força maior. Em primeiro lugar, na própria verifi-
cação dos requisitos legais para a caracterização do fortuito: a ne-
cessariedade e a inevitabilidade. Em segundo lugar, na alocação dos
riscos intrínsecos à atividade contratada, por meio da distinção en-
tre fortuito externo e fortuito interno. Em terceiro lugar, por meio
das cláusulas que expressamente ampliam o espaço de atuação da
força maior, como cláusulas limitativas de responsabilidade que
traduzem fortuitos equiparados, bem como daquelas que restrin-
gem esse espaço, pela expressa assunção de certos riscos.
1. Caracterização legal do caso fortuito e da força maior
A caracterização do caso fortuito e de força maior parte da de-
finição estabelecida pelo legislador no artigo 393 do Código Civil.
Já de início, como consagrado na doutrina amplamente majoritária,
revela-se desnecessário o esforço doutrinário por distinguir entre o
caso fortuito e a força maior: ambos recebem idêntico tratamento
legal, com os mesmos requisitos e a produção do mesmo efeito,
qual seja, a isenção de responsabilidade do devedor.3 O fundamen-
to desse efeito se encontra na exclusão do nexo de causalidade
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3 CORRÊA, Tiago Pinheiro. Considerações sobre a teoria do fortuito externo.
Revista trimestral de direito civil, vol. 52. Rio de Janeiro, out./dez. 2012, p.
137-158.

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