O controle da cláusula penal nos contratos empresariais conforme a LLE

AutorNelson Rosenvald
Ocupação do AutorProcurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais
Páginas205-236
O controle da cláusula penal nos contratos
empresariais conforme a LLE
Nelson Roselvand1
Sumário: Introdução; – 1. O diálogo de fontes; – 2. Os
contratos empresariais; – 3. O controle da cláusula penal nos
contratos interempresariais após a Lei da Liberdade
Econômica; – 3.1. A LLE e a principiologia contratual; – 3.2 O
controle da cláusula penal nos contratos empresariais; – 4.
Conclusão.
Introdução
O Código Civil de 1916 é tido como o último dos códigos dos
oitocentos. De fato, imbuído do espírito napoleônico do Code de
1804, preconizava a igualdade formal de todos perante a lei. Em um
viés universalizante, a modernidade conferia abstratamente a todos
os homens a igualdade e a liberdade no campo do direito privado
como forma de supressão das desigualdades provenientes da distin-
ção entre a nobreza e as classes inferiores. A presença do Estado
como fornecedor monopolista do arcabouço normativo era impres-
cindível para institucionalizar o discurso da segurança jurídica.
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1 Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-Doutor
em Direito Civil na Università Roma Tre (IT-2011). Pós-Doutor em Direito
Societário na Universidade de Coimbra (PO-2017). Visiting Academic na
Oxford University (UK-2016/17). Professor Visitante na Universidade Carlos
III (ES-2018). Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Presidente do
Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Fellow of the
European Law Institute (ELI). Member of the Society of Legal Scholars (UK).
Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF
Mas o conceito global de sujeito de direitos e cidadão abstrato
há muito entrou em crise. Na exata dicção de Ricardo Lorenzetti,
“a crise das visões totalizadoras fez explodir todo o texto unifica-
dor. Os interesses são individuais ou setoriais, perfeitamente dife-
renciados uns dos outros”.2
A pós-modernidade é marcada pela fragmentação. Sai de cena
o “cidadão comum” e entra em cena a pessoa, dotada de situações
subjetivas existenciais e patrimoniais. Para cada papel que exercite
há uma lei ou microssistema que regule parcialmente o seu agir,
sempre submetido ao texto constitucional e ao império dos direi-
tos fundamentais provenientes do direito interno ou do internacio-
nal.
O Código Civil de 2002 é um código central despido da preten-
são totalitária de exaurir dentro de si o conjunto do direito privado
brasileiro. Como sintetiza Clóvis do Couto e Silva,3 a sua impor-
tância reside em dotar a sociedade de uma técnica legislativa e
jurídica que possua unidade valorativa e conceitual, ao mesmo
tempo em que infunda nas leis especiais essas virtudes, permitindo
à doutrina poder integrá-las num sistema, entendida, entretanto,
essa noção de modo aberto.
Não poderia ser de outra forma. O pluralismo é o signo da pós-
modernidade e o direito emerge de diversos sítios. Para uma socie-
dade complexa, surge a necessidade de atuação de um sistema ju-
rídico igualmente complexo, porém eficiente, a fim de que várias
normas convivam de forma coordenada e possam, pelo menos no
que tange à matéria obrigacional, realizar a finalidade constitucio-
nal de edificação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º,
I, CF).
Está em curso o fenômeno da pluralização da subjetividade
jurídica. Todos somos pessoas em todas as circunstâncias de nossas
vidas, esta é uma noção absoluta. Mas, nas relações contratuais, as
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2 LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do direito privado. São Paulo: RT,
1988, p. 53.
3 COUTO E SILVA, Clóvis do. O direito civil brasileiro em perspectiva his-
tórica e visão de futuro, Revista de Informação Legislativa, v. 25, n. 97, p. 163-
180, jan./mar. 1988, p. 30. Explica o autor que “é reconhecida ao contrato uma
dimensão conceitual plural e não homogênea. O contrato são os contratos” (op.
cit., p. 133).
qualificações de civis, consumidores ou empresários são estatutá-
rias e relacionais, pois, exemplificativamente, só poderá ser chama-
do de consumidor quem estiver situado em determinada relação
(relação de consumo) e numa determinada posição (status), tudo
dependendo, portanto, das circunstâncias do caso. Todos somos
pessoas em qualquer circunstância, mas em cada contrato serão as
circunstâncias que constituirão o filtro pelo qual serão sopesados
os princípios e as regras contratuais, tudo conforme os papéis so-
ciais desempenhados pelos sujeitos contratantes.4
Destarte, cumpre-nos examinar este sistema de direito privado
tripartido. Três protagonistas que culminam por imprimir uma di-
visão entre um direito civil geral (a teoria geral das obrigações) e
dois direitos especiais, o direito empresarial e o direito do consu-
midor. Em comum, o fato de que a constitucionalização do direito
privado abarca os três modelos legislativos. A Constituição Federal
direciona o sistema jurídico de forma holística; o Código Civil ocu-
pa o posto de centralidade do direito privado e o microssistema
consumerista atua de forma especial, podendo se servir do Código
Civil em caráter de complementaridade.
1. O diálogo de fontes
Após invocar o diálogo de fontes de Eric Jayme como forma de
expressar a necessidade de uma aplicação das leis de direito priva-
do coexistentes no ordenamento brasileiro, Cláudia Lima Marques
ensina que a construção de um direito privado depende do grau de
domínio dos aplicadores do direito sobre o sistema de coexistência
do direito civil, do empresarial e do consumidor, “pois a reconstru-
ção do direito privado brasileiro identificou três sujeitos: o civil, o
empresário e o consumidor”.5
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4 MARTINS-COSTA, Judith. O método da concreção e a interpretação do
contrato, Revista brasileira de direito comparado. Rio de Janeiro, Instituto de
Direito Comparado Luso-brasileiro. Referência: n. 31, p. 135–175, 2006, p.
142.
5 MARQUES, Cláudia Lima. O novo modelo de direito priv ado brasileiro e os
contratos, op. cit., p. 55. A autora explicita que “outro elemento novo, neste
olhar mais pós-moderno dos contratos e do campo de aplicação do Código Civil
de 2002, é a função. Em outras palavras, como a relação pode ser civil, comercial

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