Descumprimento contratual: remédios à disposição do credor lesado

AutorRenata C. Steiner
Ocupação do AutorProfessora de Direito Civil da Escola de SP (FGV-SP)
Páginas297-342
Descumprimento contratual:
remédios à disposição do credor lesado
Renata C. Steiner1
Sumário: Introdução; – 1. Primeira Parte: o conceito de
descumprimento contratual; –1.1 Deveres que compõem o
vínculo obrigacional; –1.2 Falta de cumprimento de obrigação;
1.3 Imputação; – 2. Segunda Parte: critérios para definição do
remédio aplicável; – 2.1 Possibilidade de cumprimento; – 2.2
Interesse no cumprimento; – 2.2.1 Inutilidade do
cumprimento extemporâneo; –2.2.2 Gravidade do
descumprimento vis-à-vis a relação obrigacional; – 3. Terceira
Parte: os remédios em espécie; – 3.1 Os remédios principais; –
3.1.1 Cumprimento específico; a. o que é?; b. quando cabe?; c.
quais os efeitos?; d. há base legal?; e. aplica-se a todas as
modalidades de obrigações? f. aplica-se ao descumprimento de
deveres de boa-fé? g. principais controvérsias; – 3.1.2
Cumprimento pelo equivalente; a. o que é?; b. quando cabe?; c.
quais os efeitos?; d. há base legal?; e. aplica-se a todas as
modalidades de obrigações? f. aplica-se ao descumprimento de
deveres de boa-fé? g. principais controvérsias; – 3.1.3
Resolução; a. o que é?; b. quando cabe?; c. quais os efeitos?; d.
há base legal?; e. aplica-se a todas as modalidades de
obrigações? f. aplica-se ao descumprimento de deveres de
boa-fé? g. principais controvérsias; – 3.2 O supra-remédio: as
perdas e danos (ou remédio indenizatório); – 3.2.1 Perdas e
danos e cumprimento específico; – 3.2.2 Perdas e danos e
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1 Professora de Direito Civil da Escola de SP (FGV-SP). Doutora em Direito
Civil pela Universidade de São Paulo. Árbitra e parecerista. Contatos:
renata@renatasteiner.com.br e renata.steiner@fgv.br.
cumprimento pelo equivalente; – 3.2.3 Perdas e danos e
resolução; – 4. Conclusão prospectiva.
Introdução
Se o adimplemento é o fim, que atrai e polariza a obrigação2, o
inadimplemento é uma situação não desejada e, exatamente por isso,
qualificável como patológica. Diante dela, o ordenamento jurídico
brasileiro confere ao lesado alguns remédios que visam, ainda que a
posteriori, sanar o inadimplemento ou reparar seus efeitos.
A simplicidade da constatação é inversamente proporcional à
clareza do tratamento conferido pelo Código Civil brasileiro ao
tema. Com efeito, o diploma civil não elenca de forma sistemática
quais sejam as consequências aplicáveis ao descumprimento con-
tratual, conceito que tampouco foi definido pelo legislador.3
A bem da verdade, o tratamento conferido ao tema pelo legis-
lador focou-se no descumprimento obrigacional (Título IV Livro I)
e não no descumprimento contratual. E, mesmo quanto ao primei-
ro, o fez de modo parcelar: as regras do Título IV dirigem-se preci-
puamente no efeito indenizatório decorrente do inadimplemento.4
Uma visão global da temática deve, no mínimo, apanhar as disposi-
ções sobre impossibilidade e deterioração trazidas no Título I do
mesmo Livro II (artigos 233 a 251) e, no caso do descumprimento
contratual, alcançar o tratamento legal conferido à cláusula resolu-
tiva (artigos 474 e 475).
Os caminhos do texto legal foram trilhados pela doutrina, o
que resultou em vasta produção teórica sobre conceito e classifica-
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2 COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: FGV,
2007, p. 17.
3 Entende-se que uma definição aproximativa do inadimplemento do devedor
pode obtida no artigo 394 do Código Civil, que conceitua a mora como o não
realização do pagamento no tempo, lugar e forma estabelecidos pela lei ou pelo
pactuado.
4 Na já clássica lição de Agostinho Alvim, o legislador não tratou do “... ina-
dimplemento em si, mas, do que acontecerá, uma vez que isso se verifique”
(ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3ª ed.,
atualizada. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1965, p.
19, grifo no original).
ções do inadimplemento contratual e, em relação de causa-efeito,
também sobre o regime consequencial a ele aplicável. A teoria do
descumprimento contratual é, como toda teoria, fundamental-
mente doutrinária.
À multiplicidade de produção sobre relevantes temas, entre-
tanto, contrapõe-se a escassez de trabalhos que proponham uma
leitura global dos remédios aplicáveis ao inadimplemento contra-
tual. Em um exercício puramente acadêmico, mas com forte viés
prático, a proposta desse texto é apresentar de forma organizada o
sistema de remédios usualmente admitidos no Direito brasileiro
para a hipótese de descumprimento contratual do devedor em con-
tratos bilaterais. 5
Por remédios entende-se soluções ministradas posteriormente
à ocorrência do descumprimento e que têm como função remediar
as suas consequências. No Direito brasileiro, admite-se tradicio-
nalmente a existência de quatro deles, designadamente6: (i) cum-
primento específico (ou cumprimento in natura); (ii) cumprimen-
to pelo equivalente pecuniário; (iii) resolução do contrato e (iv)
perdas e danos (ou remédio indenizatório).7 São eles o objeto de
estudo desse texto.
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5 Em analogia ao que afirmou Clóvis do Couto e Silva a propósito do conceito
de dano (“sem que se estabeleça a noção de dano, não se pode ter uma idéia exata
da responsabilidade civil num determinado país”), entende-se que não há como
tratar do descumprimento contratual sem ter bem definidos os remédios a ele
aplicáveis. (COUTO E SILVA, Clovis. O conceito de dano no Direito brasileiro
e comparado. In: Revista de Direito Civil Contemporâneo. Vol. 2/2015, acesso
pela RT Online).
6 Sem se descurar que as partes podem, ainda que com limites, pactuar o
afastamento ou a limitação de aplicação de determinados remédios.
7 Sobre tal classificação vide, por todos: “Se houver mora, o credor poderá
exigir a execução específica da prestação mais as perdas e danos decorrentes da
inobservância do tempo, lugar e modo pactuados, conforme se infere da leitura
dos arts. 389, 394 e 395 do Código Civil. Se houver inadimplemento definitivo,
o credor poderá optar entre a execução pelo equivalente e, observados os pres-
supostos necessários, a resolução da relação jurídica contratual, além de poder
exigir, em qualquer caos, o pagamento das perdas e danos que lhe causou o
devedor, de acordo com o previsto no art. 475 do Código Civil” (MARTINS-
COSTA, Judith e ZANETTI, Cristiano. Responsabilidade contratual: prazo
prescricional de dez anos. In: Revista dos Tribunais, vol. 979/2017, p. 215-241,
maio/2017, acesso pela RTOnline).

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