A inexecução das obrigações em razão da pandemia da Covid-19: caracterização de excessiva onerosidade e força maior

AutorPaula Greco Bandeira
Ocupação do AutorProfessora Adjunta de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócia do Escritório Gustavo Tepedino Advogados
Páginas537-563
A inexecução das obrigações em razão da
pandemia da Covid-19: caracterização de
excessiva onerosidade e força maior
Paula Greco Bandeira1
Sumário: Introdução; – 1. A pandemia e a excessiva
onerosidade; – 2. A pandemia e a força maior; – 3. Conclusão
Introdução
A Covid-19 ou o novo coronavírus, cuja disseminação por di-
versos países do mundo acarretou a declaração da pandemia pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 20202, atingiu
a execução dos mais variados contratos em curso no Brasil, dificul-
tando ou mesmo inviabilizando o seu cumprimento pelo devedor.
Com efeito, a pandemia passou a constituir fundamento de inúme-
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1 Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Sócia do Escritório Gustavo Tepedino Advogados.
A Autora agradece à acadêmica Bruna Vilanova Machado pelo precioso
trabalho de pesquisa e revisão dos originais.
2 "Uma pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. Uma pan-
demia de gripe ocorre quando um novo vírus da gripe surge e se espalha pelo
mundo, e a maioria das pessoas não tem imunidade. Os vírus que causaram pan-
demias passadas geralmente se originaram de vírus da gripe animal" (What is a
pandemic. In: World Health Organization. Disponível em
https://www.who.int/csr/disease/swineflu/frequently_asked_questions/pand
emic/en/; acesso em 15 de julho de 2020; tradução livre). No original: "A pande-
mic is the worldwide spread of a new disease. An influenza pandemic occurs
when a new influenza virus emerges and spreads around the world, and most
people do not have immunity. Viruses that have caused past pandemics typically
originated from animal influenza viruses".
ras pretensões de revisão ou resolução de contratos das mais diver-
sas naturezas, cabendo-se, assim, determinar em que medida se
mostram legítimas aludidas pretensões à luz do direito brasileiro.
Diga-se, ao propósito, que a decretação da pandemia, por se
referir à questão de saúde pública, que integra a ordem pública
interna, provocou a intervenção do Estado nas relações contratuais,
a despeito da intervenção mínima proclamada pela Declaração de
Direitos de Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874/2019) no pará-
grafo único do art. 4213 do Código Civil. O dirigismo contratual
aqui delineado teve em mira o reequilíbrio das relações contratuais
atingidas pela pandemia.
De fato, diante do alastramento da doença em território brasi-
leiro, o governo federal editou, em 6 de fevereiro de 2020, a Lei n.º
13.979, que permite às autoridades locais adotarem medidas de
enfrentamento contra o novo coronavírus. Com esse fundamento
legal, os governos de diversos Estados, no âmbito de sua competên-
cia, editaram normas gerais determinando a compulsoriedade do
isolamento social, o fechamento de estabelecimentos comerciais e
restrições de circulação de pessoas. Tais medidas restritivas atingi-
ram diretamente a economia nacional e a circulação de riquezas,
comprometendo diversas relações jurídicas.
Nesse cenário, o Poder Legislativo elaborou projetos de lei que
tinham por objetivo amenizar a situação de crise, disciplinando no-
tadamente contratos cuja execução restou comprometida pela
pandemia, a exemplo dos contratos de locação e dos contratos de
crédito. Uma dessas iniciativas foi o Projeto de Lei n.º 936/2020,
atualmente arquivado. A proposta pretendia incluir o §2º ao art. 5º
da Lei nº 8.245/1991, que trata da ação de despejo para o locador
reaver o imóvel, determinando que a referida disposição não vale-
ria enquanto durassem as medidas de enfrentamento da pandemia.
Além disso, pretendia-se incluir parágrafos ao art. 9º, no sentido de
que a locação não poderia ser desfeita em decorrência da falta de
pagamento do aluguel ou dos demais encargos no mesmo período;
devendo-se, ainda, autorizar o desconto de 100% (cem por cento)
do aluguel para aqueles que não tenham condições de prover seu
sustento. Cite-se, de igual modo, o Projeto de Lei n.º 675/2020,
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3 “Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social
do contrato.”

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