O inadimplemento pela perda do interesse útil do credor: notas sobre a conversão da mora em inadimplemento absoluto

AutorJoão Pedro Fontes Zagni
Ocupação do AutorMestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ. Graduado em Direito pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas ? FGV. Advogado
Páginas61-83
O inadimplemento pela perda do interesse útil
do credor: notas sobre a conversão da mora em
inadimplemento absoluto
João Pedro Fontes Zagni1
Sumário: O problema; – 1. Adimplemento na visão
contemporânea de prestação devida; – 1.1. Algumas
consequências do alargamento da noção de prestação devida; –
2. A boa-fé objetiva como fonte integradora do conteúdo da
utilidade na prestação; – 2.1. Utilidade e a cláusula resolutiva
expressa; – 3. Conclusões.
O problema
O inadimplemento relativo ocorre quando há o descumpri-
mento das obrigações em descompasso com o tempo, lugar ou for-
ma, conforme se extrai do caput do art. 394 do Código Civil, e,
considerando a adoção destes três fatores (temporal, espacial e
modal), pode-se verificar que o conceito de mora no Brasil é mais
amplo do que em outros ordenamentos.2 Já o fator fundamental
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1 Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
UERJ. Graduado em Direito pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da
Fundação Getulio Vargas – FGV. Advogado.
2 O ordenamento em momento algum estabelece que a acepção temporal da
mora é hierarquicamente superior aos fatores espacial e modal, de modo que não
procede qualquer fundamentação em torno de que a mora só se verifica ante o
atraso no cumprimento, como sustentam vozes da doutrina apegadas ao conceito
estático e clássico da mora. Vale lembrar, ainda, que a adoção do conceito está-
tico da mora é o que, ao fim e ao cabo, justifica o entendimento segundo o qual
o Brasil deveria “importar” a teoria da violação positiva do contrato. Nessa linha,
para a verificação da conversão da mora em inadimplemento abso-
luto, este último apto a autorizar a resolução do contrato, encon-
tra-se positivado no parágrafo único do art. 395 do Código Civil, do
qual extrai-se que o critério para a verificação do inadimplemento
absoluto, quando ainda possível a prestação, é a inutilidade da pres-
tação para o credor.3
Feitas estas considerações iniciais, é notória a preocupação da
doutrina com o conteúdo aberto do termo “inadimplemento”, qua-
lificado como absoluto com a perda do interesse útil do credor,
tendo em vista, especialmente, que a lei deixou de estabelecer cri-
térios objetivos.4 À luz da problemática ora apontada, e com o ob-
jetivo de buscar contribuir com o estudo da composição de valores
jurídicos e na criação de standards objetivos para a delimitação do
conteúdo do inadimplemento pela perda do interesse útil do cre-
dor, este artigo se propõe a analisar o tema sob uma perspectiva
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vejam-se as críticas de TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento an-
terior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pp. 100-104 e SILVA, Rodrigo da
Guia. “Em busca do conceito contemporâneo de (in)adimplemento contratual:
análise funcional à luz da boa-fé objetiva.” Revista da AGU, Brasília-DF, v. 16,
n. 02, abr./jun. 2017, p. 310.
3 “Cabe ao juiz, com a consideração de homem ponderado, tendo como orien-
tação o interesse social e a boa-fé objetiva como veremos, colorar-se na posição
do credor: se o cumprimento da obrigação ainda for útil ao credor, o devedor
estará em mora (haverá inadimplemento relativo). O critério da utilidade fará a
distinção. (...) Não é pelo prisma da possibilidade do cumprimento da obrigação
que se distingue mora de inadimplemento, mas sob o aspecto da utilidade para o
credor, de acordo com o critério a ser aferido em cada caso, de modo quase
objetivo” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e
teoria geral dos contratos. Vol. 2. 13ª edição. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 322-
323).
4 A problemática em torno desta lacuna do Código Civil é bem identificada
por Ruy Rosado de Aguiar Júnior: “Quando há impossibilidade definitiva e total
da prestação, não se põe nenhuma dificuldade para o reconhecimento definitivo.
Porém, tratando-se de outras causas, haverá necessidade de determinar quando
uma prestação ainda possível ou ainda parcialmente possível pode ser rejeitada,
por caracterizar-se o incumprimento definitivo, fundamento da resolução do ne-
gócio. É preciso estabelecer critérios para definir a passagem do simples incum-
primento para a inutilidade da prestação ao credor” (AGUIAR JÚNIOR, Ruy
Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor - resolução.,
Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 130). Ver, também: FURTADO, Gabriel Rocha.
Mora e inadimple- mento substancial. São Paulo: Atlas, 2014, p. 30.

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