Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo: influxos da distinção no âmbito da resolução do contrato por inadimplemento

AutorRodrigo da Guia Silva
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas379-432
Interesse contratual positivo e interesse
contratual negativo: influxos da distinção no
âmbito da resolução do contrato por
inadimplemento
Rodrigo da Guia Silva1
Sumário: Introdução; – 1. Em busca do sentido do vocábulo
“interesse” na doutrina da responsabilidade civil: influxos da
teoria da diferença; – 2. Sentido e alcance da distinção entre
interesse contratual negativo e interesse contratual positivo:
delimitação das perdas e danos no âmbito da resolução
contratual; – 3. Algumas controvérsias em torno da distinção
entre o interesse positivo e o negativo: o debate teórico sobre a
cumulatividade, a alternatividade e as limitações recíprocas; –
4. Conclusão.
Introdução
O estudo da distinção entre o interesse contratual positivo e o
interesse contratual negativo não se pode dizer propriamente re-
cente na experiência jurídica.2 Verifica-se, em doutrina, a adequa-
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1 Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Ex-Professor Substituto de Direito Civil da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Advogado, sócio de Gustavo Tepedino
Advogados.
2 Costuma-se atribuir o desenvolvimento originário da distinção entre inte-
resse contratual negativo e positivo a JHERING, Rudolf von. Culpa in contra-
hendo oder Schadenersatz bei nichtiger oder nicht zur Perfektion gelangten Ver-
trägen. Jahrbücher für die Dogmatik des heutigen römischen und deutschen Pri-
vatrechts, vol. 4, 1861, p. 16. Tornar-se-á a fazer menção à referida obra na
sequência do presente estudo. Pertinente, neste ponto, o relato fornecido por
ção de tal afirmativa tanto a propósito da tradição do Civil Law
quanto do Common Law,3 chegando-se mesmo a se afirmar tratar-
se de “uma distinção conhecida (...) praticamente em todas as or-
dens jurídicas que conhecem um direito dos contratos”.4 Ao largo
período de tempo decorrido desde o princípio da investigação pa-
rece não corresponder, contudo, o mais expressivo desenvolvimen-
to da matéria no âmbito da civilística nacional – ressalvadas, por
certo, exitosas empreitadas contemporâneas e de outrora, às quais
se buscará fazer as devidas referências na sequência da exposição.
Tal circunstância torna recomendável que o presente estudo parta
da apresentação de um exemplo hipotético que ajude a mais ade-
quadamente se situar o tema.
Imagine-se, inicialmente, que Caio (agricultor) e Tício (empre-
sário da indústria têxtil) tenham celebrado contrato de forneci-
mento de algodão. Tício se comprometeu a pagar, adiantadamente,
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Paulo Mota Pinto: “Na verdade, a distinção entre interesse contratual negativo e
interesse contratual positivo, com quase século e meio, despertou, desde que foi
formulada, um verdadeiro fascínio na doutrina, ainda que, muitas vezes, simples-
mente pela desconfiança que suscitava, ou para acabar por ser categoricamente
rejeitada. A vida do interesse contratual negativo não foi fácil – noção incom-
preendida, rejeitada como construção artificial ou impossível de provar, comba-
tida tanto pelos declarativistas como pelos voluntaristas mais extremos, obteve,
porém, consagração legal e consolidou-se na dogmática, acompanhando, numa
primeira fase, a expansão (aparentemente sem limites) da doutrina da culpa in
contrahendo” (PINTO, Paulo Mota. Interesse contratual negativo e interesse con-
tratual positivo. Volume I. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 1-2).
3 Assim pontua, entre outros, STEINER, Renata C. Reparação de danos: inte-
resse positivo e interesse negativo. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 20-21.
4 “A sua ligação à ideia de proteção da confiança – ‘interesse na confiança’ ou
‘dano da confiança’ são outras designações que passou a receber desde o início do
século XX – manteve a noção no centro do debate teórico, quer no direito con-
tinental, quer no common law, onde também foi objeto de discussão (embora
sobretudo a propósito da responsabilidade pelo não cumprimento)” (PINTO,
Paulo Mota. Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo. Volume
I, cit., p. 2). O autor prossegue: “Pode mesmo dizer-se que se trata de uma
distinção conhecida em todos os quadrantes, onde vigora o direito dos contratos
do civil law ou do common law – o que equivale hoje a dizer, considerando a
adoção destes sistemas, ou similares, quer no comércio internacional, quer mes-
mo em paragens mais afastadas (como nos direitos orientais), praticamente em
todas as ordens jurídicas que conhecem um direito dos contratos (com ou sem
‘negócio jurídico’)” (Ibid., p. 5).
o valor X, ao passo que Caio se obrigou a fornecer, até a data certa
estipulada para o vencimento, a quantidade Y de algodão. Conven-
ciona-se a inadmissibilidade de qualquer atraso no fornecimento,
uma vez que Tício utilizaria a matéria-prima para a fabricação das
roupas a serem utilizadas no principal desfile do ano pelo estilista
Mévio. Na data do vencimento, Caio entrega algodão visivelmente
avariado (em toda a extensão de Y), razão pela qual Tício se recusa
a recebê-lo.
Sem dispor de tempo hábil para providenciar um fornecedor
alternativo, Tício vem a descumprir o contrato de compra e venda
que havia celebrado com Mévio, a quem precisa pagar a quantia Z
a título de cláusula penal compensatória. Irresignado, Tício ajuíza
ação indenizatória em face de Caio, postulando: (i) o ressarcimen-
to das despesas suportadas para as tratativas e a conclusão do con-
trato de fornecimento com Caio; (ii) a indenização dos lucros ces-
santes consistentes nas vantagens que Tício teria auferido caso
houvesse celebrado contrato com outro fornecedor de algodão a
um preço mais vantajoso; (iii) a indenização dos lucros cessantes
consistentes no proveito que Tício teria auferido caso houvesse
tido a disponibilidade do algodão fornecido por Caio e, com isso,
tivesse entregue regularmente as roupas devidas a Mévio; (iv) a
indenização dos lucros cessantes consistentes no proveito que Tí-
cio teria auferido caso houvesse utilizado o algodão para fabricar e
vender roupas, por conta própria, em um shopping local; (v) o res-
sarcimento da quantia Z, referente à cláusula penal compensatória
do contrato entre Tício e Mévio; (vi) a devolução do preço X que
fora pago a Caio.
Ainda que os pedidos de Tício possam parecer plausíveis em
uma leitura mais apressada, um exame mais detido do caso haveria
de revelar que eles ostentam certa incompatibilidade lógico-jurídi-
ca entre si. Por um lado, as parcelas (i) e (ii) dizem respeito a danos
alegadamente sofridos em razão da celebração do contrato; trata-se
de despesas que Tício teria evitado se jamais houvesse celebrado
concretamente o contrato com Caio.5 Por outro lado, as parcelas
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5 A ilustrar o raciocínio de recondução da parte lesada a uma situação em que
estaria caso o contrato jamais houvesse sido celebrado, veja-se o exemplo colhido
da doutrina: “A associação política M tomou de arrendamento ao município N
um pavilhão em que contava realizar, num fim-de-semana de Julho, uma congre-
gação que realiza todos os anos. A associação pagou imediatamente metade da

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