Redução equitativa das arras: para que serve o sinal de confirmação?

AutorBernardo Salgado
Ocupação do AutorMestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Páginas237-266
Redução equitativa das arras:
para que serve o sinal de confirmação?
Bernardo Salgado1
Sumário: Introdução; – 1. Arras confirmatórias sob perspectiva
histórico-relativa; – 2. Funções das arras confirmatórias no
atual ordenamento brasileiro; – 3. Redução equitativa das arras:
pretensa aplicação analógica do art. 413 do Código Civil; – 4.
Nota conclusiva.
Introdução
Em 18 de fevereiro de 2020, a 4ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça2 finalizou o julgamento do agravo em recurso especial nº
1.186.036/DF, dando-lhe provimento por apertada maioria (3x2).
Ali, a disputa girava em torno de pedido de redução equitativa de
arras confirmatórias3 presentes em promessa de compra e venda
celebrada entre partes paritárias.
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1 Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Professor do Instituto de Direito da PUC-Rio. Membro do Conselho Assessor da
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Advogado. Email:
salgadobernardo@outlook.com.
2 Também referido, adiante, apenas como “STJ” ou “Corte”.
3 As palavras arras e sinal são empregadas como termos sinônimos ao longo
do texto. Doutrina abalizada discorda da opção, considerando que as expressões
não são perfeitamente equivalentes. Figura como exemplo Jorge Cesa Ferreira
da Silva, para quem se deve reservar o termo sinal ao ato de entrega do bem,
enquanto arras constituiriam a disposição negocial acerca dessa entrega (Co-
mentário ao art. 417. In: REALE, Miguel; MARTINS-COSTA, Judith (orgs.).
Inadimplemento das obrigações: comentários aos arts. 389 a 420 do Código Civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, p. 291-292). Outros autores tratam os
A sociedade empresária “Alfa” prometeu vender para a socie-
dade empresária “Beta”4 imóvel avaliado em R$ 6.000.000,00 (seis
milhões de reais), mediante o pagamento de sinal confirmatório de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e parcelas posteriores de
valores diversificados. O negócio principal, no entanto, não se con-
cretizou. Beta, autora da demanda, alegava que o insucesso do pro-
grama contratual seria imputável a Alfa, envolvida em variados pro-
cessos judiciais que ameaçavam a segurança da contratação. Alfa,
ao seu tempo, advogava pela imputação do incumprimento a Beta,
que não pagou, no vencimento, as parcelas posteriores ao sinal de
confirmação.
Nas instâncias originárias se fixou como premissa que o incum-
primento seria mesmo atribuível a Beta, promitente compradora
que manejou a ação. Não obstante, o Tribunal de Justiça do Distri-
to Federal deu provimento ao recurso de apelação de Beta para que
fosse, pelo menos, reduzido o valor acertado a títulos de arras, re-
putando-o excessivo. No lugar dos R$ 500.000,00 ajustados entre
as partes, estabeleceu-se que, diante do descumprimento contra-
tual de Beta, Alfa somente poderia reter R$ 90.000,00 (noventa
mil reais), sob o fundamento de que o art. 413 do Código5 – inse-
rido na disciplina da cláusula penal – seria aplicável, por analogia,
ao regramento das arras, recomendando a minoração do sinal em
hipótese como aquela que se apresentava.
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termos sob idêntica acepção, a exemplo de Orlando Gomes (Contratos. 20. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 99) e Silvio Rodrigues (Direito civil: parte geral
das obrigações. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 279). A despeito do prestígio
que merece a opinião contrária, não se vê motivo para realizar a diferenciação.
Além de não se ter notícias de razões históricas ou dogmáticas que a imponham,
o Código Civil de 2002 trata ambas as expressões, arras e sinal, como indistintas,
e a própria praxe negocial consagrou a utilização do termo sinal em substituição
a arras, seja na referência ao efeito confirmatório de que cuidam os arts. 418 e
419 do Código Civil, seja na alusão ao direito arrependimento de que fala o art.
420 do Código. Considerá-las sinônimas facilita a compreensão, sem que traga a
reboque qualquer prejuízo científico.
4 “Alfa” e “Beta” são pseudônimos escolhidos para preservar a denominação
das partes envolvidas no litígio.
5 “Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a
obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o mon tante da p enalida-
de for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio”.

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