A criminologia empresarial: why good people do dirty work

AutorArtur de Brito Gueiros Souz
Páginas85-130
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A CRIMINOLOGIA EMPRESARIAL:
WHY GOOD PEOPLE DO DIRTY WORK
Artur de Brito Gueiros Souza1
That white-colla r crime is a serious socia l problem
should be obvious to anyone who pays attention to the
news. (Sally Simpson & Michael Benson)
Resumo: Discorre-se sobre a criminologia empresarial a partir da
categoria do crime do colarinho branco, apresentando as principais
correntes criminológicas que explicam o crime ou o desvio praticado
em nome ou em benefício das corporações.
Sumário: Introdução. 1. Definições preambulares: tipologia criminal.
2. Raízes da criminologia empresarial: Robber Barons e as cifras
dourada s. 3. Teoria da associação diferencial: o devir infrator . 4.
Técnicas de neutralização de culpa: o autoengano. 5. Teoria da escolha
racional: o retorno do homos economicus. 6. Teoria da anomia ou
tensão: a Hidra de Lerna. 7. Teoria da oportunidade delitiva: a ocasião
faz o ladrão. 8. Estrutura empresarial criminógena: incompetência,
maldade e desastr e. 9. Conclusão. Referências.
Introdução
A Criminologia empresarial provém de uma longa tradição em
diversos centros de ensino e pesquisa. Contudo, ela ainda permanece
pouco desenvolvida no Brasil. Salvo melhor juízo, é possível contar
1 Professor Titular de Direito Penal da UERJ. Pós-Doutor em Direito Penal Econômico
pela Universidade de Coimbra. Procurador Regional da República. Coordenador do
CPJM (www.cpjm.uerj.br).
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com dedos das mãos os trabalhos científicos que se dedicaram à sua
temática, seja isoladamente ou em conjunto com a criminologia
econômica. Uma simples pesquisa nos sites de buscas disponíveis na
Internet é suficiente para evidenciar a escassez de resultados que
criminologia empresar ial oferece em língua portuguesa.
Em que pese essa constatação, estima-se existir um aumento do
interesse de estudantes e profissionais brasileiros para com a
criminologia empresarial. De fato, outra não foi a motivação para a
criação do Centro de Estudos em Crimes Empresariais e Compliance
Prof. João Marcello de Araujo Jr. (CPJM), ligado à Faculdade de
Direito da UERJ, visto que, na ocasião, ja existia um número de
interessados no estudo avançado não somente das infrações penais
econômicas, sob a perspectiva dogmática, como também na vertente do
saber criminológico.
Com efeito, pode-se atribuir essa “descoberta” da criminologia
empresarial como decorrência do vertiginoso crescimento das
discussões e de produções bibliográficas em torno do criminal
compliance, bem assim ao significativo incremento de publicações a
respeito da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Desse modo e
sem qualquer pretensão de originalidade frente a literatura estrangeira
, objetiva-se, nas linhas abaixo, discorrer sobre a criminologia
empresarial, no escopo de contribuir muito modestamente à difusão
da matéria em terras brasileiras.
Do começo ao fim, o texto ora apresentado contém as seguintes
partes: 1º conceitos básicos; 2º breve digressão histórica; 3º teorias
criminológicas explicativas do crime empresarial; moldura
organizacional criminógena; e 5º síntese reflexiva à guisa de conclusão.
Por intermédio dessas breves reflexões, dou meu contributo à coleção
“O futuro do Direito”, em boa hora promovida em homenagem aos 85
anos da Faculdade de Direito da UERJ.
1. Definições Preambulares: Tipologia Criminal
A chave para a compreensão do objeto desse estudo passa,
necessarimente, pelo entendimento da expressão crime do colarinho
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branco (white-collar crime). Conforme lecionado por Edwin Hardin
Sutherland, crime de colarinho branco pode ser definido como a
infração cometida por uma pessoa de respeitabilidade e elevado status
social no curso de sua ocupação profissional.2 Segundo ele, tal conceito
não pretende ser pronto e acabado, mas destina-se sobretudo a chamar
a atenção aos crimes praticados pelos integrantes das classes sociais
superiores e relacionados com as suas atividades econômicas. Isso
exclui, de um lado, os crimes sem conotação econômica por eles
praticados como, por exemplo, os crimes passionais ou de abuso de
drogas e, de outro lado, as infrações de caráter econômico praticadas
pelos integrantes do submundo como os gangsters , visto que não se
tratam de pessoas de respeitabilidade e status social elevado.3
Segundo Gilbert Geis, a expressão crime de colarinho branco
e, por extensão, criminoso do colarinho branco serviu, de fato, para
lançar luzes para a posição social de determinados infratores.
Sutherland quis enfatizar os atos ilegais de empresários, profissionais
liberais e políticos que estavam notavelmente ausentes das reflexões de
cientistas, da opinião pública e das agências formais de controle. As
expressões até então existentes tais como crime econômico tinham
conotação mais branda, apesar de serem empregadas para se referir aos
mesmos tipos de transgressões. Para Gilbert Geis, Sutherland estava
empenhado em dar ênfase mais ampla aos seus estudos, revigorando o
pensamento criminológico, razão pela qual o rótulo criminoso do
colarinho branco muito mais do que o criminaloid de Edward A. Ross
provou ter sido uma escolha particularmente feliz.4
2 SUTHERLAND, Edwin H. White Collar Crime. The uncu t version. Binghamton:
Yale University, 1983, p. 7.
3 Ibidem.
4 GEIS, Gilbert. Introduction. In SUTHERLAND, Edwin H. White Collar Crime. The
uncut version. Binghamton: Yale University, 1983, p.17-18. Segundo Geis, os termos
“crime” e “colarinho branco” eram proeminentes no vocabulário acadêmico de
Sutherland, sendo que a “ligação” entre eles surgiu, pela primeira vez, na edição de
1934 do seu conhecido livro Principles of Cr iminology, quando ele usou a expressão
criminaloide de cola rinho bra nco. Na obra subsequente (White-Collar Crime),
Sutherland indicou, em nota de rodapé, que pretendia empregar o termo colarinh o
branco no sentido que Alfred Sloan Jr. (então todo-poderoso presidente da General
Motors) fez, isto é, para se referir a dirigentes de negócios. Estranhamente acrescenta
Gilbert Geis , Sutherland, que era um estudioso meticuloso, citou incorretamente o

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