Culpabilidade e reprovação

AutorHeitor Costa Junior
Páginas37-53
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CULPABILIDADE E REPROVAÇÃO
Heitor Costa J unior1
Resumo: O presente artigo aborda a crise da culpabilidade na época
contemporânea. Após breve percurso histórico e exposição das posições
doutrinárias de alguns autores nacionais (Miguel Reale Junior, Nilo
Batista, René Ariel Dotti, João Mestieri, Juarez Cirino dos Santos e
Juarez Tavares) e estrangeiros (Juan Bustos Ramirez e Eugenio Raul
Zaffaroni), o artigo afirma o desgaste da culpabilidade como
reprovação, e toma posição quanto à necessidade de expurgar a
culpabilidade de conteúdos ético, de caráter e de conduta de vida,
reafirmando-a como garantia da cidadania, de uma sociedade pluralista,
tolerante e de respeito à alteridade e sugerindo a ampliação de causas
de exculpação, tendo a desigualdade social como pano de fundo.
Palavras-chave: Culpabilidade Reprovabilidade Inexigibilidade de
conduta diversa.
I. Introdução
Quem se dedicar ao estudo da culpabilidade jurídico-penal,
atualmente, encontrará a seguinte afirmação: a culpabilidade está em
crise. A sanção criminal está em crise. O Direito Penal está em crise.
Mas não devemos temer tal crise, pois ela possibilita o trânsito
por novos paradigmas. Fundamental é compreender a razão desta crise
e repensar os problemas da responsabilidade penal que envolvem não
1 Professor Titular de Direito Pen al (UCAM); Mestre em Direito Penal (UFRJ) e
Doutor em Direito Penal pela UERJ; Professor Associado (Livre Docente) de Direito
Penal na Faculdade de Direito da UERJ; Graduado em Filosofia pelo Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ; Procurador de Justiça do Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro (aposentado).
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só questões jurídicas, mas políticas e filosóficas.
A responsabilidade objetiva já foi superada, e é inquestionável
que a mera preocupação com o resultado fortuito não pode gerar
qualquer punição no âmbito do Direito Penal.
A responsabilidade penal subjetiva, portanto, é fundamental e
deve-se analisar, ainda que rapidamente, as teorias básicas existentes
sobre a culpabilidade.
Apoiando-se no positivismo naturalista do século XIX surge a
teoria psicológica da culpabilidade, segundo a qual a vontade é mera
voluntariedade “equivalente à inervação muscular voluntária que
caracteriza o movimento corporal”.2 O delito era conceituado a partir
de um significado atemporal, sociologicamente neutro e
psicologicamente estéril, na crítica de Juarez Tavares3, sendo que tal
teoria era incapaz de explicar a culpa inconsciente, os delitos culposos
e as causas de exculpação (nas quais o dolo permanece íntegro, como,
por exemplo, no estado de necessidade exculpante).
Diversamente “deste esquema subjetivista que descreve a
culpabilidade como uma categoria de conexão entre o agente e o
resultado inscrito no plano da causalidade psicológica”, como nos
ensina Gonzalo Fernandez4, a teoria normativa faz ingressar o valor no
âmbito mais profundo da culpabilidade. Esta perde sua natureza
meramente descritiva, para converter-se em urna valoração, mais
propriamente em um juízo de desvalor: a reprovabilidade.
A teoria psicológica normativa, além do dolo, dolus malus, que
expressava a vontade ilícita da teoria psicológica, aquela influenciada
pela filosofia dos valores do neokantismo, ganhava um novo elemento:
a exigibilidade de conduta adequada à norma. Tudo começou com
Reinhard Frank em 1907, ao retornar, como afirma Zaffaroni, ao
conceito aristotélico do crime.5
2 FERNANDEZ, Gonzalo D., Culpabilida d y teoria del delito, p. 170.
3
Culpabilida de: a incongruência dos Métodos”, Revista Brasileira de Ciência s
Criminais, n.° 24, p. 146.
4 Ob. cit., p. 213.
5 Manual de Derecho Penal, p. 443. Veja-se a propósito, entre nós, as belíssimas
páginas de Aníbal Bruno sobre o tema (Direito P enal, vol. II, pp. 27 e segs.)

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