Proibição de analogia e restrições ético-sociais na legítima defesa

AutorEduardo Viana
Páginas377-396
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PROIBIÇÃO DE ANALOGIA E RESTRIÇÕES ÉTICO-
SOCIAIS NA LEGÍTIMA DEFESA1
Eduardo Viana2
Resumo: A possibilidade de redução ou não do direito de legítima
defesa se converteu em significativo problema da justificação. Em
geral, argumenta-se que eventual restrição da legítima defesa poderia
colocar em xeque o princípio da legalidade, em especial a vedação de
analogia in malam partem. Este artigo objetiva apresentar a discussão e
tomar posição em relação às chamadas restrições ético-sociais da
legítima defesa. Para chegar à conclusão, o artigo analisa, em primeiro
momento, o sentido e o fundamento da vedação à proibição de analogia
e, posteriormente, se controverte com a natureza, estrutura e
fundamento da legítima defesa. Ao final, conclui-se pela tese que nega
a existência de analogia na hipótese de restrição ético-social da
justificante.
Palavras-chave: analogia legítima defesa restrições ético-sociais.
1. Introdução
No âmbito da dogmática jurídico-penal, certos temas produzem
um fenômeno curiosamente paradoxal na literatura científica por terem
aptidão para simplificar o complexo e problematizar o simples. Esse
fenômeno pode ser observado no princípio da legalidade e, em especial,
1 O autor agradece ao professor Orlandino Gleizer pelas sugestões realizadas na
primeira versão do artigo.
2 É professor da graduação, mestrado e doutorado da Universidade Federal da Bahia
(UFBa) e da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC-BA). Realiza estudos de
pós-doutoramento na Humboldt-Universität zu Berlin. É doutor e mestre em Direito
Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com estágio doutoral na
Universitat Pompeu et Fabra (2014) e na Universität Augsburg (2015-2017).
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no tratamento da analogia. Por todo lado e desacompanhada de
maiores esforços argumentativos encontra-se a afirmação de que
nunca será possível o uso da analogia in malam partem. Esse é um bom
exemplo de simplificação do complexo. Para demonstrar isso,
discutiremos somente um aspecto da analogia: a sua proibição ou não
no âmbito das causas de justificação3.
Neste artigo, elaborado por ocasião dos 85 anos da faculdade de
direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na qual iniciei a
minha vida acadêmica, pretendo atingir somente dois objetivos:
primeiro, oferecer ao leitor um breve panorama sobre a estrutura
analítica da proibição da analogia no direito penal (3); segundo, a partir
dessa base teórica, discutir a sua vedação no âmbito da legítima defesa
(4). Antes, entretanto, cumpre evidenciar o problema (2).
2. O Problema
A relevância do problema deriva daquela simplificação que
mencionamos: toda analogia favorável é sempre bem-vinda e, portanto,
admitida em direito penal. Assim, se estamos no âmbito das causas de
justificação, o problema que se põe é: o magistrado pode justificar um
comportamento r ecorrendo à analogia? E, além disso, estaria
autorizado por meio da analogia a reduzir o âmbito de incidência
da justificaçã o? No primeiro caso, a analogia seria aplicada in bona m
partem e, no segundo, in malam partem. Quanto à primeira pergunta,
assumirei que a aplicação da analogia in bonam partem no âmbito da
justificação apresenta menos problemas, razão pela qual deixo essa
questão em aberto. Interessa-me, aqui, o problema da admissibilidade
da analogia in malam partem. Pretendo revelar essa discussão
recorrendo à problemática em torno das restrições ao direito de
legítima defesa por meio de limitações ético-sociais. Imagine-se o
seguinte caso: o indivíduo A, de modo inequívoco perturbado
3 Para u ma análise mais ampla, com ulteriores referências, cf. VIANA, Eduardo.
Observações sobr e o princípio da legalidade. Revista Científica do CPJM, [S. l.], v.
1, n. 02, p. 96125, 2022. Disponível em: https://rcpjm.cpjm.uerj.br/revista/article/vi
ew/36. Acesso em: 23 abr. 2022.

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