A questão do erro nos crimes omissivos

AutorJuarez Tavares
Páginas19-36
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A QUESTÃO DO ERRO NOS CRIMES OMISSIVOS
Juar ez Tavares1
Resumo: O artigo enfrenta o tratamento do erro nos crimes omissivos,
sob a perspectiva de uma ação performática, de modo a levar em conta
as relações empíricas e normativas que embasam os tipos penais.
Diversamente dos delitos comissivos, que costumam ser vistos sob o
ângulo de uma relação entre meio e fim, os delitos omissivos, que
vinculam, previamente, a conduta a um dever de agir, mas que devem
estar configurados sobre uma relação de causalidade, por imposição do
próprio Código Penal, implicam outra estrutura para os erros de tipo e
de proibição sob o pressuposto de uma explicação própria do dogma
causal. Em face disso, pode-se dizer que esse erro não é simplesmente
um erro de tipo ou de proibição, mas sim um erro de injusto.
Palavras-chave: crimes omissivos; ação performática; erro de injusto.
1. A Posição do Problema
Na linha das discussões intermináveis da teoria do delito, põe -
se em evidência o tratamento do erro nos crimes omissivos. O tema tem
1 Professor titular aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor
convidado das Universidades de Buenos Aires, Frankfurt am Main e Pablo D’Olavide
(Sevilha). Professor Honorário da Universidade de San Martin (Peru). Professor
Convidado do Curso de Mestrado da Universidade d e Barcelona. Mestre em direito
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em direito pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós-doutor
em direito pela Universidade de Frankfurt am Main. Subprocurador-Geral da
República aposentado. Advogado. Autor das seguintes obras: Crime, Cr ença e
Realidade; Fu ndamentos de Teoria do Delito; Teoria dos Cr imes Culposos; Teoria do
Injusto Penal; Teoria dos Cr imes Omissivos; Teoria s do Delito; Direito Penal da
Negligência. Prova e Verda de (com Rubens Casara); Lavagem de Ca pitais (com
Antonio Martins).
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uma importância vital para o direito brasileiro, que, além de regular
legalmente os erros de tipo (CP, art. 21) e de proibição (CP, art. 21),
assinala a necessidade de uma demonstração da causalidade na omissão
(CP, art. 13) e opta por um modelo legal de identificação das fontes do
dever de garantidor (CP, art. 13, § 2º). Embora a dogmática penal,
especialmente do direito alemão, apresente uma exaustiva produção em
torno desse tema, pode ser que, por via de uma comparação, o presente
estudo possa emprestar também sua parcela de contribuição ao seu
objeto. A questão a ser discutida diz respeito, portanto, a determinar as
características do erro nos crimes omissivos, em face de sua natureza e
dos elementos empíricos e normativos que lhe servem de base.
2. Os Pontos Principais da Discussão
a) Pode parecer um despropósito, ao tratar da questão do erro nos
crimes omissivos, iniciar o estudo pela discussão em torno da relação
de causalidade. Mas se a lei penal exige a demonstração dessa
causalidade e se o erro tem por objeto a consciência em face dos
elementos que fundam a responsabilidade pela violação de um dever
geral de assistência, tipicamente codificado, ou de um dever especial de
evitar o resultado, será importante verificar se entre essas duas figuras
subsiste ou não uma certa vinculação. A matéria começa a apresentar
dificuldades quando se constata que nos crimes omissivos próprios se
prescinde de um resultado, o que levaria ao abandono de qualquer
discussão acerca da relação de causalidade. Mas no erro de tipo, que se
manifesta pelo desvio de consciência acerca dos elementos típicos da
omissão, parece que devem integrá-lo não apenas a referência aos
elementos fáticos que justificam a imposição do dever de agir, como
também a relação entre a não realização da ação mandada e a própria
violação do dever. No crime de omissão de socorro, por exemplo, há a
previsão de uma situação típica construída sobre a existência de um
perigo para a vida ou a saúde da vítima, a qual justifica a imposição do
dever de salvá-la. Isso vale para o direito brasileiro (CP, art. 135) e para
o direito alemão (StGB, § 323c). Há, assim, nesse crime, uma relação
entre essa situação típica de perigo e a necessidade do agir, de modo a

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