Da Prescrição

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do IAB
Páginas843-896
Capítulo 19
DA PRESCRIÇÃO
19.1. Conceitos e caracteristicas
O decurso do tempo é um fato jurídico natural, já que deter-
mina efeitos no mundo jurídico. A usucapião é um exemplo de
tais efeitos na ordem jurídica civilística, uma vez que o tempo
funciona como causa de aquisição de direitos.
O nosso Código Civil de 2002 resolveu conceituar o institu-
to jurídico da prescrição como perda ou extinção da pretensão
(art. 189, CCB). É uma opção que se coaduna com o direito ale-
mão e suíço. Já o direito italiano considera a prescrição como a
perda do próprio direito.1
A pretensão quando não exercida no prazo legal, impossibili-
ta uma pessoa exigir de outra uma determinada prestação, ou
seja, o cumprimento do direito subjetivo (ação ou omissão). O
direito subjetivo é o poder que a ordem jurídica confere às pes-
soas de agir de determinada forma e exigir de outrem algum
comportamento. O direito é chamado de subjetivo, já que per-
tence ao sujeito titular do direito, constituindo-se um poder de
atuação do sujeito reconhecido e limitado pelo ordenamento ju-
rídico. FRANCISCO AMARAL define direito subjetivo como
“um poder de agir conferido a uma pessoa individual ou coletiva,
para realizar seus interesses nos limites da lei, constituindo-se
843
1 Codigo Civile. Art. 2934 Estinzione dei diritti. Ogni diritto si estingue
per prescrizione, quando il titolare non lo esercita per il tempo determinato
dalla legge.Non sono soggetti alla prescrizione i diritti indisponibili e gli altri
diritti indicati dalla legge (248 e seguente, 263, 272, 533, 715, 948,1422).
juntamente com o respectivo titular, o sujeito de direito, em
elemento fundamental do ordenamento jurídico”.2 Frise-se que
a prescrição não extingue o direito subjetivo, mas sim a preten-
são de seu exercício. Daí que a relação jurídica obrigacional (cre-
dor e devedor) continua existindo e o pagamento do débito
prescrito é considerado válido, não sendo considerado pagamen-
to indevido (Art. 882, CCB – Não se pode repetir o que se pa-
gou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicial-
mente inexigível). Dessa forma, a prescrição atinge somente a
pretensão de obtenção da prestação devida, restando íntegro o
direito subjetivo material da parte e seu respectivo direito pro-
cessual de ação.
CLÓVIS BEVILÁQUA ao analisar o instituto jurídico da
prescrição no Código Civil brasileiro de 1916 definiu-a como “a
perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua capacidade
defensiva, em consequência do não uso delas, durante um deter-
minado espaço de tempo. Não é a falta de exercício do direito,
que lhe tira o vigor; o direito pode conservar-se inativo, por lon-
go tempo, sem perder a sua eficácia. É o não uso da ação que lhe
atrofia a capacidade de reagir”.3
Para o Dr. Luiz Frederico Sauerbronn CARPENTER a pres-
crição é, em última análise, a extinção do direito pelo não uso da
demanda prolongada durante certo tempo. O professor afirma:
“Eis aqui uma noção importantíssima da qual não tem a cons-
ciência clara grande número de tratadistas da prescrição, os
quais, por isso, se entregam a estafantes e nebulosas distinções
entre esta e o não uso dos direitos. A prescrição é a extinção dos
direitos pelo não uso das demandas”.4
844
2 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 3. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 167.
3 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comen-
tado por Clóvis Beviláqua. V. 1. Edição histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1976,
p. 434.
4 CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Prescrição. In: LACERDA.
Paulo de. Manual do código civil brasileiro: parte geral. Vol. IV. Rio de
Da mesma forma, ORLANDO GOMES afirma que a pres-
crição “é o modo pelo qual um direito se extingue em virtude da
inércia, durante certo lapso de tempo, do seu titular, que, em
consequência, fica sem ação para assegurá-lo”.5
É possível, pois, ver pontos de vista antagônicos acerca do
conceito da prescrição, ora atingindo a ação, ora recaindo sobre
o próprio direito.
Não obstante, com o advento do Código Civil brasileiro de
2002, este muito mais técnico do que o Código de 1916, a pres-
crição deve ser compreendida como a perda ou extinção da pre-
tensão.
Neste sentido, THELMA FRAGA alerta que “bastante co-
mum nos livros de doutrina a citação do conceito de prescrição
extintiva como sendo a perda do direito de ação pelo efeito do
tempo aliado à inércia do sujeito. Todavia, tal definição não de-
verá ser mais utilizada, primeiro em razão de que o que se extin-
gue não é o direito de ação, e sim a exigibilidade da pretensão e,
em segundo lugar, em razão de o novo Código Civil ter adotado
textualmente tal definição”.6
Anota HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, em seus Co-
mentários ao novo código civil, que “não é o direito subjetivo
descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz de-
saparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadim-
plida que fica comprometido pela prescrição. O direito subjeti-
vo, embora desguarnecido da pretensão, subsiste, ainda que de
maneira débil (porque não amparado pelo direito de forçar o seu
cumprimento pelas vias jurisdicionais), tanto que se o devedor
se dispuser a cumpri-lo, o pagamento será válido e eficaz, não
autorizando repetição do indébito (art. 882) [...]”.7
845
Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1929, p. 75.
5 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 444.
6 FRAGA, Thelma Araújo Esteves; MELLO, Cleyson de Moraes. Direito
civil: introdução e parte geral. Niterói: Impetus, 2005, p. 460.
7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil.
2. ed. Vol. III, Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 152.

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