Pessoas Naturais
Autor | Cleyson de Moraes Mello |
Ocupação do Autor | Vice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do IAB |
Páginas | 123-195 |
Capítulo 6
PESSOAS NATURAIS
6.1 Conceito
O artigo 1° do nosso Código Civil determina que “toda pes-
soa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.1 O sujeito de
direito é o titular de direitos e deveres em uma determinada re-
lação jurídica. São sujeitos de direito as pessoas naturais e as
pessoas jurídicas, às quais o ordenamento jurídico atribui titula-
ridade jurídica. Os animais não possuem personalidade jurídica,
ou seja, não podem ser titular de direitos e deveres na ordem
jurídica civilística. Sujeito de direito é uma categoria abstrata e
universal associada ao conceito de direito subjetivo.
RAFAEL HENRIQUE RENNER afirma que “o papel trans-
formador que a Constituição oferece às relações privadas apre-
senta relevantes consequências na tutela da pessoa humana, ga-
rantida constitucionalmente, em detrimento ao sujeito de direi-
to, modelo do Código Civil. Saliente-se que não se trata de uma
mera troca de etiquetas, mas de uma alteração que tem um sig-
nificado profundo: do sujeito de direito (construído à luz de
uma racionalidade prática que tencionava atribuir uma situação
de igualdade perante todos) passa-se a considerar a pessoa hu-
mana, não mais como um ente abstrato, genérico e formal, mas
sim na sua dimensão concreta e real, detentora de valores, sen-
timentos, qualidades, emoções. A pessoa é integrada à socieda-
de a qual faz parte, sendo uma peça-chave nessa engrenagem”.2
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1 Correspondente ao art. 2° do CC de 1916.
2 RENNER, Rafael Henrique. O novo direito contratual: a tutela do equi-
líbrio contratual no código civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2007.
A pessoa natural é, pois, o ser humano e sua dignidade é um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme
o artigo 1°, inciso III, da Constituição da República Federativa
do Brasil.
CLÓVIS BEVILÁQUA anota que “pessoa é o ser, a que se
atribuem direitos e obrigações. Equivale, assim, a sujeito de di-
reitos”.3 O autor afirma, ainda, que “personalidade é a aptidão,
reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos
e contrair obrigações”.4
LUIZ DA CUNHA GONÇALVES afirma que personalida-
de é uma investidura, “uma representação na cena jurídica,
como bem se percebe pela etimologia da palavra latina persona,
que proveio da linguagem teatral dos Romanos e significava cer-
ta máscara, que, além de cobrir o rosto do ator, tinha junto dos
lábios umas lâminas metálicas, que engrossavam ou tornavam
mais sonora a sua voz: vox personabat. Este termo foi, mais tar-
de, tornado extensivo ao papel representado pelo ator, e, por
nova extensão, ao papel que todo o indivíduo representa na so-
ciedade ou ao próprio indivíduo enquanto o representa, e, por-
tanto, ao homem como sujeito de direitos e obrigações”.5
A personalidade difere da capacidade. No mesmo sentido,
FRANCISCO AMARAL ensina que a personalidade não se
identifica com a capacidade. Pode existir personalidade sem ca-
pacidade, como se verifica com o nascituro, que ainda não tem
capacidade. Já as pessoas jurídicas têm capacidade de direito e
não dispõem de certas formas de proteção da personalidade.6
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3 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comen-
tado por Clóvis Beviláqua. V. 1. Edição histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1976,
p. 170.
4 Ibid.
5 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil. Vol. I, Tomo
I, 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1955, p. 191.
6 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 218.
6.2 Início da Pessoa Natural
O artigo 2° do Código Civil diz: “A personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro”.7 A pessoa é o ser
humano, sujeito da relação jurídica, podendo auferir direitos e
contrair obrigações e nascituro o ser humano já concebido que
há de nascer.
Em relação ao início da personalidade da pessoa humana,
existem várias teorias. Vejamos:
a) Teoria Natalista
Para a teoria natalista é necessário que a pessoa nasça com
vida e o recém-nascido tenha respirado, ou seja, tenha entrado
ar nos pulmões, ainda que por alguns instantes. A docimasia pul-
monar hidrostática é o exame de investigação realizado na crian-
ça visando à verificação de entrada de ar nos pulmões.
A maioria dos autores defende que o nascituro não possui
personalidade jurídica, até mesmo pela redação da primeira par-
te do artigo 2’ do Código Civil brasileiro. Da mesma forma, ad-
mitindo a personalidade jurídica somente a partir do nascimen-
to, o Código Civil português no seu artigo 66o, incisos 1 e 2, de-
termina que “a personalidade adquire-se no momento do nasci-
mento completo e com vida” e “os direitos que a lei reconhece
aos nascituros dependem do seu nascimento”, respectivamente.
Na mesma vertente, o Código Civil espanhol – Real Orden de
29 de Julio de 1889, dispõe em seus artigos 29 e 30: Artígo 29:
“El nacimiento determina la personalidad; pero el concebido se
tiene por nacido para todos los efectos que le sean favorables,
siempre que nazca con las condiciones que expresa el artículo
siguiente” e Artigo 30: “Para los efectos civiles, sólo se reputará
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7 Correspondente ao art. 4° do CC de 1916.
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