Dignidade da Pessoa Humana

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do IAB
Páginas53-110
Capítulo 4
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Não é qualquer direito mínimo que se transforma em
mínimo existencial. Exige-se que seja um direito a situa-
ções existenciais dignas.
Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibi-
lidade de sobrevivência do homem e desaparecem as
condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as
condições materiais da existência não podem retroceder
aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os
doentes mentais e os indigentes podem ser privados.
O mínimo existencial não tem dicção constitucional
própria. Deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos
princípios constitucionais da dignidade humana, da
igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa,
na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e
privilégios do cidadão.
Só os direitos da pessoa humana, referidos a sua exis-
tência em condições dignas, compõem o mínimo exist-
encial. Assim, ficam fora do âmbito do mínimo existencial
os direitos das empresas ou das pessoas jurídicas, ao con-
trário do que acontece com os direitos fundamentais em
geral.
O direito à existência deve ser entendido no sentido
que lhe dá a filosofia, ou seja, como direito ancorado no
ser-aí (Da-sein) ou no ser-no-mundo (in-der-Welt-sein).
Integra a “estrutura de correspondências de pessoas ou
coisas”, em que afinal consiste o ordenamento jurídico.
Não se contunde com o direito à vida, que tem duração
continuada entre o nascimento e a morte e extensão maior
que o de existência, que é situacional e não raro transitó-
ria. A Corte Constitucional da Alemanha define o mínimo
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existencial como o que “é necessário à existência digna”
(ein menschenwürdiges Dasein notwendig sei).1
[...]
O mínimo existencial não é um valor nem um princí-
pio jurídico, mas o conteúdo essencial dos direitos funda-
mentais. (Ricardo Lobo Torres)2
4.1 Construção Histórica
A análise da construção histórica da dignidade humana se
impõe como necessário, pois existe uma distinção entre dignida-
de (a dignitas romana ou expressões gregas) como valor, honra e
apreço e a expressão dignidade da pessoa humana como ineren-
te à própria condição humana. Aquela é condicional, transitória,
inigualitária e contingente; esta é universal e incondicional. A
dignidade como valor, honra e apreço se refere a uma postura
pessoal objetivamente apreciada pela sociedade; já a dignidade
referida a condição humana possui caráter polissêmico e aberto
encontrando-se em estado permanente de mutação e desenvol-
vimento ao longo do tempo e do espaço que está em constante
concretização e delimitação pela práxis constitucional.3 Daí a
importância da distinção, pois ambas andam de mãos dadas nos
dias atuais: ora a expressão dignidade pode ser utilizada como
qualidade, apreço ou status social; ora pode ser entendida como
ideia de igual dignidade inerente a todo e qualquer ser humano,
especialmente, incorporada nos diplomas jurídico-constitucio-
nais do segundo pós-guerra.
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1 TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janei-
ro: Renovar, 2009, p. 36.
2 Ibid., p. 83.
3 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa
humana e a exclusão social. In: Revista interesse público. Belo Horizonte. nº
4. 1999. p. 24.
Na Roma antiga, a expressão dignitas estava relacionada ao
status social do indivíduo na sociedade, tais como honra, respei-
to, deferência e consideração social até mesmo pela função pú-
blica que o sujeito exercia na comunidade. Era uma espécie de
status privilegiado particular que o indivíduo ostentava no seio
da sua comunidade.
De acordo com Ingo Sarlet, “no pensamento filosófico e po-
lítico da antiguidade clássica, verificava-se que a dignidade (dig-
nitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social
ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos
demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma
quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admi-
tir a existência pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro
lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qua-
lidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das de-
mais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são do-
tados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua
vez, intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada in-
divíduo (o homem como ser livre e responsável por seus atos e
seu destino), bem como a ideia de que todos os seres humanos,
no que diz com a sua natureza, são iguais em dignidade. Com
efeito, de acordo com o jurisconsulto político e filósofo romano
Marco Túlio Cícero, é a natureza quem descreve que o homem
deve levar em conta os interesses de seus semelhantes, pelo sim-
ples fato de também serem homens, razão pela qual todos estão
sujeitos às mesmas leis naturais, de acordo com as quais é proi-
bido que uns prejudiquem aos outros, passagem na qual (como,
de resto, encontrada em outros autores da época) se percebe a
vinculação da noção de dignidade com a pretensão de respeito e
consideração a que faz jus todo ser humano. Assim, especial-
mente em relação a Roma – notadamente a partir das formula-
ções de Cícero, que desenvolveu um compreensão da dignidade
desvinculada do cargo ou posição social – é possível reconhecer
a coexistência de um sentido moral (seja no que diz às virtudes
pessoais do mérito, integridade, lealdade, entre outras, seja na
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