Dos Defeitos do Negócio Jurídico

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do IAB
Páginas717-768
Capítulo 14
DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
14.1 Introdução
A manifestação de vontade é um dos requisitos essenciais da
existência do negócio jurídico. Para que este tenha validade e
possa produzir efeitos jurídicos é necessário que a vontade seja
manifestada de forma livre e consciente. No entanto, é possível
que ocorra algum defeito jurídico na declaração de vontade, por
deficiência de esclarecimento ou de liberdade, o que dará azo a
anulação do negócio jurídico.
O fundamento da teoria dos defeitos do negócio jurídico é a
ruptura do equilíbrio de seus elementos essenciais. É o desequi-
líbrio na atuação da vontade relativamente à sua própria declara-
ção (vícios do consentimento) ou às exigências da ordem legal
(vício social).
A vontade negocial viciada poderá ser anulada pela parte
prejudicada, uma vez que o regime da anulabilidade visa a sua
proteção. O erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude
contra credores são defeitos que tornam anulável o negócio jurí-
dico (CC, art. 171, II).1
De acordo com o artigo 178 do nosso Código Civil, “é de
quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do
negócio jurídico, contado:
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1 CC 2002 – Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é
anulável o negócio jurídico: II – por vício resultante de erro, dolo, coação,
estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de peri-
go ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;”.
O erro, dolo, estado de perigo e lesão são chamados de vícios
do consentimento, já que existe uma influência externa sobre a
vontade manifestada, o que causa uma desarmonia entre o que-
rer do agente e sua manifestação externa.
O vício social é a desconformidade do resultado com o im-
perativo da lei, ou seja, r eflete a vontade real do agente em opo-
sição ao mandamento legal. É o que ocorre com a fraude contra
credores que é exteriorizada com a finalidade de prejudicar ter-
ceiros.
14.2 Erro ou Ignorância
O erro consiste na falsa percepção da realidade. A ignorância
é o desconhecimento da realidade. O nosso Código Civil de
2002 equipara erro à ignorância.
O erro é o conhecimento falso sobre a substância da natureza
do negócio jurídico, do seu objeto ou da pessoa com quem se ne-
gocia. É um agir de um modo que não seria a vontade real do
agente, se este conhecesse a verdadeira situação. É a falsa per-
cepção dos fatos. Daí ocasionar uma não concordância entre a
vontade real e a vontade declarada. Existe um desacordo (des-
compasso, desarmonia) entre o querer manifestado e o que de-
veria ser o querer efetivo. É um vício de vontade que determina
a anulação do negócio jurídico.
O fundamento do erro é o princípio de que ninguém deve
ficar vinculado a um negócio jurídico, se sua vontade não se for-
mou livre e espontaneamente.
Se o erro for provocado por terceiro, estaremos diante do
defeito do negócio jurídico denominado dolo (arts. 145 a 150).
O erro, também, não se confunde com o vício redibitório. O
erro é a falsa percepção da realidade e o agente firma o negócio
jurídico com uma vontade já viciada. O vício redibitório é decor-
rente de um defeito oculto da coisa negociada, que a tornem im-
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própria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor (CC,
art. 441). São pressupostos existenciais do vício redibitório: a)
ser antecedente ao contrato; b) ser um defeito; c) estar oculto;
d) afetar a utilidade ou o valor da coisa; e) desconhecimento do
vício pelo comprador.
O erro que afeta a formação da vontade é designado como
erro próprio ou erro-vício (erro na formação da vontade), como
na hipótese de se adquirir um anel de prata pensando que é de
ouro. O erro obstáculo ou impróprio (erreur obstacle, errore os-
tativo, erro na declaração) é aquele que a vontade não chega a
gerar qualquer negócio jurídico, v.g., A vende uma coisa a B; B
entende recebê-la por doação de A. Aqui o erro recai sobre a na-
tureza do negócio (quero vender e escrevo doar). Neste caso,
não há nem venda nem doação.
O Código Civil brasileiro de 2002 não diferencia o erro obs-
táculo (erro impróprio) do erro vício (erro próprio), “desaco-
lhendo a distinção, equipara-os, por lhe parecer que o erro sobre
a natureza do negócio ou sobre a identidade do objeto (erro obs-
tativo) traduz, em última análise, uma declaração volitiva, cujo
resultado jurídico difere do efetivo querer do agente, mas que
nem por isso deixa de ser uma declaração de vontade”.2
Ademais, o “erro não prejudica a validade do negócio jurídi-
co quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige,
se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do
manifestante” (CC, art. 144).3 Aqui prevalece o princípio da
conservação do negócio jurídico.
14.2.1 Erro escusável
De acordo com o artigo 138 do nosso Código Civil, “são anulá-
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2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. Vol.
I. Atualizadora: Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 518.
3 Sem Correspondência ao CCB de 1916.

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