Dano moral coletivo e vazamentos massivos de dados pessoais: uma perspectiva luso-brasileira

AutorFelipe Teixeira Neto e José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Páginas79-97
DANO MORAL COLETIVO E VAZAMENTOS
MASSIVOS DE DADOS PESSOAIS:
UMA PERSPECTIVA LUSO-BRASILEIRA
Felipe Teixeira Neto
Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli Studi di Salerno (Itália).
Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade de Lisboa (Portugal). Promotor
de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). Conselheiro titular do
Conselho Estadual de Defesa do Consumidor do Rio Grande do Sul (CEDECON/RS). As-
sociado-fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC).
José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP/Largo de São
Francisco. Doutorando em Direito, na área de estudo ‘Direito, Tecnologia e Inovação’,
pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre e Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Direito Digital, com exten-
são universitária na University of Chicago. Especialista em Direito Civil e Empresarial.
Membro do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD e do Instituto Brasileiro
de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Professor e Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os vazamentos massivos de dados. 3. A tutela coletiva da proteção de
dados pessoais no RGPD e na LGPD. 4. Dano moral coletivo e sua imposição em razão de vaza-
mentos massivos. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em poucas décadas, a transformação exponencial nas formas de comunicação
e consumo, que, sob um aspecto, pode ser representada pela instantaneidade na
transmissão de informações pelas fronteiras translúcidas da Internet, propiciou a
formação do chamado Big Data. Os bancos de dados, apesar de existirem há muito
tempo, foram aperfeiçoados tecnologicamente a ponto de reunirem informações que,
de forma organizada e estruturada, podem representar preferências e características
de milhões (ou até bilhões) de indivíduos.
O valor agregado a esses acervos de dados os torna alvos recorrentes de tentativas
de acesso ilícito; igualmente, vulnerabilidades são frequentemente exploradas e casos
envolvendo vazamentos se tornam cada vez mais rotineiros. Como consequência
direta do advento de novas tecnologias e do aumento da frequência do tratamento
de dados pessoais para diversas f‌inalidades, regulamentações específ‌icas passaram
a modelar o panorama jurídico global no século XXI, com o intuito de garantir efe-
tivação ao direito fundamental à proteção de dados pessoais. Exemplos disso são o
Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (2016/679), na União Europeia, e a
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FELIPE TEIXEIRA NETO E JOSÉ LUIZ DE MOURA FALEIROS JÚNIOR
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Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018), no
Brasil. As duas normas contêm disposições que propiciam a imposição de sanções
civis e administrativas aos agentes de tratamento de dados em razão de eventos re-
lacionados a vazamentos de dados pessoais.
Porém, pela amplitude do dano que pode ocorrer em eventual caso concreto,
nem sempre se terá absoluta segurança quanto à identif‌icabilidade da(s) vítima(s),
o que abre margem ao tema-problema que esta pesquisa enfrentará: em eventos de
vazamentos massivos de dados pessoais, tem-se lesão a um interesse de natureza
transindividual titularizado por grupo indeterminado de pessoas, ligadas por relação
jurídica base (acepção coletiva estrita), ou por meras circunstâncias de fato (acep-
ção difusa), com gravidade suf‌icientemente apta a comprometer a proteção jurídica
conferida ao bem difuso indivisível correspondente, ou o que se tem é um ato que
atinge a sociedade como um todo, em rebaixamento imediato do nível da população
amplamente considerada? É possível, nesta situação, caracterizar a efetiva ocorrência
de um dano moral coletivo indenizável?
A hipótese de pesquisa partirá dessa premissa para, delineando as conjecturas
que conf‌iguram a estruturação dos bancos de dados nos recorrentes ataques para f‌ins
de acesso ilícito a dados e consequentes vazamentos, averiguar seu enquadramento
jurídico como dano moral coletivo. A justif‌icativa da pesquisa decorre exatamente
da imprescindibilidade de que se busque maior clareza quanto à tutela de eventos
como os que se descreveu, se apenas no plano sancionador dos direitos penal e ad-
ministrativo, ou se também no plano reparatório da responsabilidade civil.
Assim, com base na metodologia dedutiva, escorada em substratos bibliográ-
f‌ico-doutrinários e pesquisa qualitativa, na perspectiva luso-brasileira, buscar-se-á
atingir o objetivo geral de compreender se os vazamentos massivos de dados pesso-
ais acarretam dano moral coletivo e, quanto aos objetivos específ‌icos, tratar-se-á de
identif‌icar os pontos de contato entre os marcos normativos europeu e brasileiro,
indicar os fundamentos de ambos para a reparação de danos em casos como os des-
critos e, ao f‌inal, estabelecer uma conclusão assertiva quanto à hipótese sustentada.
2. OS VAZAMENTOS MASSIVOS DE DADOS
Dados são o substrato essencial do hodierno debate em torno da pujante e em-
polgante revolução informacional. Grandes acervos são coletados e formam o que
se convencionou chamar de Big Data1, viabilizando estruturas de mercado cada vez
mais sof‌isticadas e dirigidas às mais estratif‌icadas soluções baseadas em preferências
1. Eis o conceito: “Big Data is all about seeing and understanding the relations within and among pieces of
information that, until very recently, we struggled to fully grasp.” MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor; CUKIER,
Kenneth. Big Data: a revolution that will transform how we live, work, and think. Nova York: Houghton
Miff‌lin Harcourt, 2014. p. 19.
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