O dano-morte: a experiência brasileira, portuguesa e os vindicatory damages

AutorNelson Rosenvald
Páginas319-339
O DANO-MORTE: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA,
PORTUGUESA E OS VINDICATORY DAMAGES
Nelson Rosenvald
Pós-doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-doutor em Direito Societário
na Universidade de Coimbra. Visiting Academic Oxford University. Doutor e mestre
em Direito Civil pela PUC/SP. Professor do corpo permanente do doutorado e mestrado
do IDP/DF. Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Professor
Visitante na Universidade Carlos III. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil (IBERC)
Sumário: 1. Introdução. 2. O dano post mortem. 3. O dano ao morto enquanto vivo. 4. A morte
como fato ilícito de consequências múltiplas. 4.1 O dano reexo à morte. 4.2 O dano pré-morte.
5. O dano-morte como terceira via. 6. O dano-morte para além da Função Compensatória da
Responsabilidade civil: Vindicatory damages. 7. A quanticação do dano-morte. 8. Conclusão.
“Não tema a morte porque – se houver morte – você não está lá e – e se você estiver lá – não há
morte” (Epicuro)
1. INTRODUÇÃO
No direito civil brasileiro não há previsão legal para o chamado dano-morte. O
dano que provoca a morte de uma pessoa é escassamente discutido pela doutrina e
sumamente ignorado pela jurisprudência. Contudo, esta não é originalmente uma
lacuna brasileira. Há muito, importantes doutrinadores tentam dar uma explicação
ao aforismo do f‌ilósofo Epicuro. A sua advertência é clara: se a pessoa não mais existe,
consequentemente não existe compensação pela privação de sua vida.
É da natureza das coisas que o fato jurídico morte descortina o cenário do direito
das sucessões, envolvendo a conexão entre o óbito e as situações jurídicas advindas
da transmissão do seu patrimônio.1 Porém, por muito tempo o direito negligenciou
a repercussão do fato jurídico morte em termos de responsabilidade civil, decorrente
de uma conduta de terceiro que se coloca como causa adequada para a abruta inter-
rupção de uma vida.
E pior, sem que se perceba, a evolução do ordenamento brasileiro, consistiu
apenas na preocupação com o dano ref‌lexo sofrido por aqueles que f‌icam. Em um
primeiro momento através de uma indenização por luto e pela estipulação de alimen-
tos aos dependentes e, mais recentemente, pela consagração do dano moral a uma
1. Art. 1784, Código Civil Brasileiro: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários”.
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NELSON ROSENVALD
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classe de pessoas que presumivelmente mantinha relações afetivas com a vítima de
uma conduta antijurídica.
Porém, assim como ultimamente evoluímos no planejamento sucessório me-
diante a gestão convencional dos efeitos jurídicos do fato jurídico morte, cremos que
há espaço para visualizamos a morte enquanto fato ilícito, e as suas consequências
sobre a pessoa do morto, não mais como “de cujus” e sim como vítima de um ato que
de forma anômala mitigou o seu tempo de vida. Isto é fundamental, o dano não pode
f‌icar com quem o sofre, sendo a morte um fato que deve desencadear uma indenização
autônoma, transferindo-se o dano ao patrimônio do ofensor.
Três são as questões que se colocam: primeiro, se para além dos danos morais
sofridos pelos parentes próximos, o fato da morte da vítima primária dá lugar a um
dano autônomo indenizável (seja ou não morte instantânea); segundo, se os herdeiros
do falecido têm o direito de reclamar os danos que o falecido sofre durante o período
de tempo que decorre entre o dano e a morte. Terceiro, qual seria a natureza jurídica
de uma indenização pelo dano-morte
2. O DANO POST MORTEM
Qual é o cenário jurídico brasileiro atual? Inexiste indenização pelo dano-morte,
diante da supressão ilícita de uma vida. O fundamento para tanto consiste na própria
falta da pessoa a quem a perda do bem possa estar ligada e, em cujo espólio, a inde-
nização possa ser consolidada. O paradoxal é que, como veremos adiante, torna-se
economicamente muito mais vantajoso matar uma pessoa instantaneamente do que
lentamente e, de fato, mais barato matar rapidamente do que feri-la gravemente.
Face à impossibilidade jurídica da indenização pelo dano-morte, quais são as
alternativas que se colocam? Antes de tratarmos propriamente dos danos que nascem
da morte em si, cabe referenciar brevemente os danos decorrentes de atos ilícitos
posteriores ao óbito e totalmente desvinculados do fato jurídico que ensejou a morte.
Intitulo-os como “danos post mortem”.
O parágrafo único do art. 12 do Código Civil2 defere tutela post mortem aos mem-
bros da família pela ofensa à memória do falecido. Cuida-se de uma tutela póstuma
da personalidade em atenção a bens jurídicos que não fenecem com o seu titular. Se
é evidente que a morte é o marco temporal da extinção dos direitos da personalida-
de, o legislador reconhece a sua projeção em prol dos membros da família diante de
uma violação da honra, bom nome e imagem do de cujus, após o seu passamento.
Nesse primeiro plano não está em jogo um bem jurídico de titularidade originária
do falecido transmitido por efeito hereditário.
2. Art. 12 Código Civil Brasileiro: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando
de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer
parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.
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