O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes e a necessidade da 'ética by design'

AutorJoão Alexandre Silva Alves Guimarães e Stéfani Reimann Patz
Páginas189-213
O TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
E A NECESSIDADE DA “ÉTICA BY DESIGN”
João Alexandre Silva Alves Guimarães
Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em Direito da
União Europeia pela Universidade do Minho, Portugal. Membro do Instituto Brasileiro
de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC e Membro do Comitê Executivo do
Laboratório de Direitos Humanos – LabDH da Universidade Federal de Uberlândia.
joaoalexgui@hotmail.com.
Stéfani Reimann Patz
Mestranda em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – URI, Campus Santo Ângelo/RS. Bolsista CAPES/TAXA. Graduada em Di-
reito pela URI, Campus Santo Ângelo/RS. Pesquisadora voluntária dos projetos de
pesquisa: Crisálida: Direito e Arte e Internet, Liberdade de Informação, Manipulação
de Comportamentos e a Desestabilização do Processo Democrático. E-mail: stefani.
patz@hotmail.com.
Sumário: 1. Introdução. 2. O consentimento. 3. O consentimento das crianças e adolescentes. 4.
Ética by design. 5. Considerações nais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Há algum tempo a tecnologia deixou de ser apenas um instrumento para resol-
ver problemas, facilitar a vida ou aumentar a produtividade. Turbinada pelo digital
e por um ambiente disruptivo sem precedentes na história, Abel Reis destaca que a
tecnologia se inf‌iltrou em camadas cada vez mais humanas, sensíveis e íntimas da
vida como o casamento, o sexo, a arte, a religião e a morte, inf‌luenciando a maneira
de pensar, agir, sentir e se relacionar – e também sendo moldada por todas essas
atividades humanas.1
A tecnologia faz parte da história da aventura humana. A sua invenção, conforme
Reis, seja na “forma de artefatos rústicos que permitem caçar e coletar alimentos,
seja na forma sof‌isticada da Inteligência Artif‌icial, nos def‌ine como seres humanos”.2
Uma dessas tecnologias, sem dúvidas, é a internet. Sua criação está vinculada a um
projeto ousado, revolucionário e necessário para a época, imaginado na década de
1960 pelos pesquisadores da Defense Advanced Research Projects Agency dos Estados
1. REIS, Abel. Sociedade.com – Como as tecnologias digitais afetam quem somos e como vivemos. Porto Alegre:
Arquipélago Editorial, 2018.
2. REIS. Abel. Sociedade.com – Como as tecnologias digitais afetam quem somos e como vivemos, 10.
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JOÃO ALEXANDRE SILVA ALVES GUIMARÃES E STÉFANI REIMANN PATZ
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Unidos (DARPA) para impedir a tomada ou destruição do sistema estadunidense de
comunicações pelos soviéticos, em caso de uma guerra nuclear.3
Descentralizada, autônoma e anônima, a ARPANET4 era o diagrama ideal para
proteger a informação dos soviéticos. Com o passar do tempo, acabou sendo apropria-
da pela cooperação universitária, tornando-se: um modelo radical de comunicação
onde todos pudessem, pelo menos em tese, se comunicar com todos.5 Consoante
Fábio Malini e Henrique Antoun, a internet:
[...] criada originalmente como uma máquina de combate – era um dispositivo de monitoramento
e controle. Mas foi tomada de assalto por micropolíticas estranhas, fazendo da rede um meio de
vida e uma máquina de cooperação social, por intermédio da multiplicação de grupos de discussão
na USENET6 e nas BBSs7 (de quem as redes atuais se originam), tornando a então ARPANET um
dispositivo de produção de relações, de afetos, de cooperação e trocas de conhecimentos micro-
políticos, e não apenas um meio de transporte de informações cientícas, nanceiras e militares.8
Depois de 1969, as redes da sociedade civil se tornaram tão maiores que as mili-
tares, que a ARPANET foi dividida em duas em 1983. De um lado, uma rede fechada
e segura: a rede MilNet, para f‌ins militares e de outro, a ARPANET-Internet. Ambas
funcionando em uma “arquitetura de resistência”, caracterizadas pela descentrali-
zação, anonimato e autonomia.9
Já em 1984, a rede global de computadores foi nomeada de Internet Protocol
(IP). Como bem enfatizam Malini e Antoun, não se trata, assim, de ver em 1984 um
momento moral da internet. Ou seja, ver a primeira rede, a militar, como bélica, e
a segunda, a científ‌ica, como a difusão da cooperação social. Na verdade, destacam
os autores, a formação de classe que agita a rede – misturando os ativistas da contra-
cultura aos pesquisadores universitários e aos militares do Departamento de Defesa
Americano – faz a internet viver, desde o seu início em 1969, uma tensão constante
de diferentes movimentos e poderes.10 Essa é, pode-se dizer com tranquilidade, a
característica principal da internet, que a acompanha desde sua origem.
Princípios como compartilhar, cooperar e criar conhecimento de maneira cola-
borativa a partir do livre acesso à informação, portanto, são valores que procedem do
3. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Trad. Roneide
Venancio Majer, São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1.
4. A ARPANET é o nome da rede militar que conectou, em 1969, quatro campi universitários, para que a co-
municação de pacotes pudesse acontecer fazendo com que informações sigilosas e estratégicas circulassem,
em nano pedaços, nos servidores universitários, de modo que em um dos pontos dessa rede elas fossem
reunidas ao mesmo tempo que pudessem estar em lugar nenhum.
5. MALINI, Fábio e Antoun, Henrique. A Internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto
Alegre: Sulina, 2013.
6. Usenet: primeira plataforma popular de conversação online na história da rede e a fundadora da relação
“muitos-muitos” como modelo do diagrama de comunicação através da Internet.
7. Bulletin Board System.
8. MALINI, Fábio e ANTOUN, Henrique. A Internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes, 17.
9. MALINI, Fábio e ANTOUN, Henrique. A Internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes, 250.
10. MALINI, Fábio e ANTOUN, Henrique. A Internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes, 18.
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