A responsabilidade civil em face do direito ao esquecimento

AutorJoão Alexandre Silva Alves Guimarães
Páginas161-187
A RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DO
DIREITO AO ESQUECIMENTO
João Alexandre Silva Alves Guimarães
Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em Direito
da União Europeia pela Universidade do Minho, Portugal. Associado do Instituto Bra-
sileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC e Membro do Comitê Executivo
do Laboratório de Direitos Humanos – LabDH da Universidade Federal de Uberlândia.
joaoalexgui@hotmail.com.
Sumário: 1. Introdução. 2. O direito ao esquecimento a partir do consentimento. 3. O direito ao
esquecimento ligado ao direito da personalidade. 4. A responsabilidade civil e o esquecimento. 5.
Considerações nais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
As tecnologias atuais permitem que as pessoas partilhem facilmente informações
acerca dos seus comportamentos e preferências, tornando-as públicas e globalmente
acessíveis numa escala sem precedentes. Os sítios de redes sociais, com centenas
de milhões de membros em todo o mundo, são talvez o mais óbvio, mas não o úni-
co, exemplo deste fenómeno. A “computação em nuvem” – isto é, a utilização do
computador com base na Internet, em que o software, os recursos partilhados e as
informações se encontram em servidores remotos – poderá colocar também desaf‌ios
à proteção de dados, uma vez que implicará na possibilidade das pessoas perderem
o controlo sobre informações potencialmente sensíveis, que lhes dizem respeito,
ao procederem ao armazenamento desses dados em programas que se encontram
albergados no hardware de outrem.1
A consulta de meios de informação e comunicação encontra-se cada vez mais
facilitada, e isso arrasta um risco para os direitos de personalidade. Na realidade,
assiste-se a uma tendência crescente para ocorrerem violações de direitos de personali-
dade, sobretudo pela imprensa, com o objetivo de explorar a curiosidade do público.2
Porém, a vida privada é um direito protegido desde os primórdios, deve-se
recuar a Warren e Brandeis, em 1890, segundo os quais a propriedade assegurava
ao indivíduo o poder sobre as suas terras e o seu gado. Gradativamente, foi sendo
reconhecida a natureza espiritual do homem, os seus sentimentos e o seu intelecto.
1. Comissão Europeia. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Econó-
mico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: “Uma abordagem global da protecção de dados pessoais
na União Europeia”. COM (2010) 609 Final, de 04 nov. 2011, Bruxelas, Bélgica. p. 2.
2. MENDES, Pedro Pimenta. A proteção dos direitos de personalidade post-mortem – admissibilidade de uma
pretensão indemnizatória? Revista de Direito da Responsabilidade, ano 2, 334 – 352, p.334. 2020.
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JOÃO ALEXANDRE SILVA ALVES GUIMARÃES
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Assim, o âmbito de proteção da liberdade e da segurança se ampliou. O direito à vida
passou a signif‌icar o direito a aproveitar a vida e o direito a não ser importunado; o
direito à liberdade passou a assegurar o exercício de amplos privilégios civis; o direito à
propriedade cresceu para abranger todas as formas de posses: intangíveis e tangíveis.3
Os próprios autores trouxeram à época um novo conceito, af‌irmando que inven-
ções recentes e métodos de negócios, em 1890, chamam a atenção para o próximo
passo que deve ser dado para a proteção da pessoa e para assegurar ao indivíduo o
que o juiz Cooley chama de direito de “ser deixado em paz”4.
Para Thomas Cooley, pode-se dizer que o direito à pessoa é um direito à imuni-
dade completa: ser deixado em paz. O dever correspondente é não inf‌ligir uma lesão,
e não, dentro de uma proximidade que possa torná-la bem-sucedida, tentar inf‌ligir
uma lesão. Neste particular, o dever vai além do que é exigido na maioria dos casos;
para geralmente um propósito não executado ou uma tentativa malsucedida não é
notada. Mas a tentativa de cometer uma agressão envolve muitos elementos de lesão
nem sempre presentes em violações do dever; geralmente envolve um insulto, um
medo, um súbito apelo às energias para uma resistência imediata e ef‌icaz. É muito
provável que haja um choque nos nervos, e a paz e a tranquilidade do indivíduo se-
jam perturbadas por um período de maior ou menor duração. Consequentemente,
há muitos motivos para apoiar o Estado de Direito que tornam a agressão um erro
jurídico, mesmo que não ocorra nenhuma agressão. Com efeito, neste caso, a lei vai
ainda mais longe e torna a tentativa de golpe um crime também.5
Fotograf‌ias instantâneas e empreendimentos de jornais invadiram os recintos
sagrados da vida privada e doméstica; e numerosos dispositivos mecânicos ameaçam
cumprir a previsão de que “o que se sussurra no armário será proclamado do alto
das casas”. Durante anos, houve um sentimento de que a lei deve fornecer algum
remédio para a circulação não autorizada de retratos de pessoas privadas; e o mal
da invasão de privacidade pelos jornais foi recentemente discutido por um capaz
escritor. Os fatos alegados de um caso um tanto notório levado a um tribunal inferior
em Nova York, há alguns meses, envolveram diretamente a consideração do direito
de circulação de retratos; e a questão de saber se nossa lei reconhecerá e protegerá o
direito à privacidade neste e em outros aspectos deve ser levada em breve aos nossos
tribunais para consideração.6
Deve-se considerar que o cérebro humano é incrivelmente complexo. Ele con-
siste em cem bilhões de neurônios – células especializadas no processamento de in-
formações. Cada um deles tem milhares de conexões, sinapses, com outros neurônios
3. WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, v. IV (n. 5), 15 dez.
1890. Disponível em: http://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.
html.
4. COOLEY, Thomas M. A treatise on the law of torts, or, The wrongs which arise independent of contract. Calla-
ghan and Company, Chicago, 1879. p. 29.
5. COOLEY, Thomas M. p. 29.
6. WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. p. 195.
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