Responsabilidade civil e fake news: a educação digital como meio para a superação da desinformação e do negacionismo

AutorJosé Luiz de Moura Faleiros Júnior
Páginas237-259
RESPONSABILIDADE CIVIL E FAKE NEWS:
A EDUCAÇÃO DIGITAL COMO MEIO
PARA A SUPERAÇÃO DA DESINFORMAÇÃO
E DO NEGACIONISMO
José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP/Largo de São
Francisco. Doutorando em Direito, na área de estudo ‘Direito, Tecnologia e Inovação’,
pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre e Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Direito Digital, com exten-
são universitária na University of Chicago. Especialista em Direito Civil e Empresarial.
Membro do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD e do Instituto Brasileiro
de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Professor e Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. O que são fake news? Como se diferenciam de outros conteúdos? 3.
A responsabilidade civil no contraponto à censura: como preservar o princípio democrático e
as liberdades de imprensa e de expressão? 4. Educação digital como mote de uma nova ética da
informação. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A propagação informacional, outrora dependente de veículos de comunicação
mais tradicionais, como a imprensa, hoje se realiza por múltiplas fontes. A Internet
é, sem dúvidas, a emanação mais marcante de um período no qual vozes podem ser
ouvidas com instantaneidade e potencial de propagação quase imediato. Contudo,
nem sempre se tem clara distinção entre o que é fato e o que é factoide, ou entre o
que é pura opinião – denotando o subjetivismo inerente às percepções humanas – e
o que é teoria da conspiração. A manipulação também pode ser interpretada nesse
contexto, haja vista que estruturas algorítmicas são implementadas para nortear a
percepção: fala-se em trending topics e hype; a perf‌ilização é utilizada para direcionar
conteúdos, o que cria ‘bolhas’ informacionais; o discurso de ódio passa a ocupar
espaço que antes não ocupava. Enf‌im, a desinformação é propagada em uma onda
de deturpação informacional que passou a ser identif‌icada pela expressão inglesa
fake news.
Fato é que não se está a tratar de um único conceito, pois os conteúdos que
circulam pela rede podem não ser necessariamente falsos, tampouco dolosamente
direcionados à manipulação ou à desinformação. É preciso distingui-los e esse tem
sido um dos grandes desaf‌ios enfrentados pela doutrina que se dedica à temática
em várias ciências. Para o Direito, o desaf‌io é gigantesco. Isso porque, em razão de
envolver valores consagrados como direitos humanos – a exemplo da liberdade –
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qualquer discussão relativa ao controle, à regulação ou à imposição de sanções pela
propagação de fake news fatalmente desaf‌iará o intérprete à cognição dos limites
imponíveis (no caso, às liberdades de imprensa e de expressão).
Sintomas das graves consequências relacionadas a esse fenômeno, todavia, já
são sentidos em pleitos eleitorais, na economia e em temas de saúde pública. Não
são poucos os exemplos concretos que demonstram o absoluto caos que notícias
falsas podem causar.
Resta saber, nesse cenário complexo e desaf‌iador, como a responsabilidade civil
pode se manifestar, por suas múltiplas funções, para tutelar situações abstrusas de
malversação informacional. Trabalha-se com a hipótese de que as liberdades devem
ser preservadas e de que a construção de uma ‘nova’ ética da informação pode se dar
a partir de releituras específ‌icas dos benefícios que a efetiva educação digital pode
produzir. É papel do Estado (em prol da coletividade) e de todos os cidadãos (em
busca do próprio aprimoramento) efetivá-la, e, não por outra razão, o Brasil editou
comando específ‌ico, no artigo 26 da Lei 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil
da Internet), para tratar do tema.
Para além de políticas públicas específ‌icas e da oferta de meios para que cada
indivíduo construa conhecimentos mais sólidos quanto ao funcionamento da Inter-
net e das plataformas digitais, é preciso considerar que há empresas – os ‘provedores
de aplicação’, pela legislação brasileira – que assumem deveres específ‌icos quanto à
supervisão de conteúdos que circulam por seus servidores e bancos de dados. A esses,
por certo, a responsabilidade civil se impõe e eventuais falhas podem desencadear o
dever reparatório quanto aos danos específ‌icos relacionados à desinformação.
Pelo método dedutivo, procurar-se-á explorar como a responsabilidade civil
pode ser aplicada a esse complexo contexto, para a reparação de danos nem sempre
identif‌icáveis ou quantif‌icáveis, no qual a desinformação tem o condão de produzir
efeitos, ferindo o próprio princípio democrático e, por vezes, gerando abalos à eco-
nomia, à saúde pública ou mesmo às relações interpessoais.
2. O QUE SÃO FAKE NEWS? COMO SE DIFERENCIAM DE OUTROS
CONTEÚDOS?
Apesar de inexistir conceito único, a expressão fake news é comumente entendi-
da pela tradução literal da língua inglesa: “notícias falsas”. É fato, porém, que existe
verdadeira polissemia, que “ora indica como se fosse uma notícia falsa, ora como
se fosse uma notícia fraudulenta, ora como se fosse uma reportagem def‌iciente ou
parcial, ou, ainda, uma agressão a alguém ou a alguma ideologia”1. De certa forma,
1. RAIS, Diogo. Fake news e eleições. In: RAIS, Diogo (Coord.). Fake news: a conexão entre a desinformação
e o direito. São Paulo: Ed. RT, 2018, p. 107. O autor ainda complementa: “Daí uma das críticas ao uso da
expressão fake news: a impossibilidade de sua precisão. Fake news têm assumido um signif‌icado cada vez
mais diverso, e essa amplitude tende a inviabilizar seu diagnóstico, af‌inal, se uma expressão signif‌ica tudo,
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