Fake news, enriquecimento ilícito e responsabilidade civil

AutorPedro Manuel Pimenta Mendes
Páginas351-371
FAKE NEWS, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
E RESPONSABILIDADE CIVIL
Pedro Manuel Pimenta Mendes
Assistente Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Sumário: 1. Considerações Introdutórias. 2. Linhas de tratamento da questão. 3. Finalidades da res-
ponsabilidade civil. 3.1 Finalidade ressarcitória da responsabilidade civil. 3.2 Finalidade punitiva da
responsabilidade civil? 3.2.1 Algumas considerações. 3.2.2 Redução do montante indemnizatório.
3.2.3 Compensação dos danos não patrimoniais. 3.2.3.1 Admissibilidade do ressarcimento dos
danos não patrimoniais. 3.2.3.2 Artigo 496.º – Função punitiva? 3.2.3.3 Admissibilidade da conde-
nação em danos punitivos? 3.2.3.4 Punitive damages vs. aggravated damages. 3.2.3.5 Argumentos
a favor da admissibilidade da condenação em danos punitivos. 3.2.3.6 Posição sobre a questão.
3.2.3.7 Restituição do lucro ilícito dentro da nalidade compensatória da responsabilidade civil?
4. Instituto aplicável e novas soluções.
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A consulta de meios de informação e comunicação cada vez mais se encontra
facilitada. Os meios de comunicação social procuram ir ao encontro da curiosidade
do público, lançando, muitas vezes, notícias difamatórias, desonrosas e falsas. O tema
das chamadas fake news encontra-se, portanto, na ordem do dia. Acontece que o
lançamento de fake news é um comportamento violador de direitos de personalidade
e, mesmo sabendo que é ilícito, os agentes, orientandos por um escopo lucrativo,
não hesitam em prossegui-lo.
Começamos a nossa exposição partindo de um caso real. Um jornal publicou
na capa da sua edição uma manchete (“Carolina – ela luta corajosamente contra o
cancro no seio”) que dava a entender aos leitores que a Princesa Carolina do Mónaco
padecia de cancro no seio. Aproveitando o facto de a Princesa Carolina ter apoiado
uma associação de combate contra o cancro no seio, o jornal resolveu escrever uma
manchete que induzisse o público a comprar o jornal para assim conseguir incre-
mentar as suas vendas. No entanto, o sentido indiciado pela parangona era falso,
encontrando-se a Princesa bem de saúde1.
Imaginemos agora que, face a este comportamento violador de direitos de
personalidade, o jornal obteve 300.000 com a venda da sua edição (despesas já
incluídas). Imaginemos também que os tribunais f‌ixaram o montante dos danos
1. BGH 5-Dez-1995 (Carolina II), NJW 1995, p. 861 e ss.
Cfr., igualmente, VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade, reimpressão da edição de No-
vembro de 2006, Almedina, 2014, p. 148 e ss.
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não patrimoniais sofridos pela Princesa Carolina no montante de 100.0002. Desta
forma, através de uma conduta ilícita, o jornal obteve um lucro de 200.000.
Será que podemos retirar este lucro ao agente? Se a resposta for af‌irmativa, qual
o meio apto para prosseguir essa f‌inalidade?
Segundo alguns autores, a responsabilidade civil cumpre uma f‌inalidade punitiva
e um dos artigos mobilizados para sustentar esta f‌inalidade é precisamente o artigo
496.º do Código Civil (doravante CC), respeitante à indemnização dos danos não
patrimoniais. Estendendo este raciocínio, defendem que o lucro obtido ilicitamen-
te poderia ser removido por via da responsabilidade civil, condenando o agente ao
pagamento de danos punitivos ou de uma compensação punitiva.
2. LINHAS DE TRATAMENTO DA QUESO
Como se pode desde já intuir, o ordenamento jurídico não pode permitir que
os lesados f‌iquem privados de qualquer tutela. Ora, um agente pode determinar o
seu comportamento segundo um raciocínio económico em que compara os ganhos
que obterá ao violar um direito de personalidade com o montante de indemnização
que será condenado a pagar por ter cometido o ilícito e, caso chegue à conclusão
de que os ganhos são superiores ao quantum indemnizatório, optará por escolher
a violação da norma, uma vez que “o lucro compensa”. Devemos perspetivar o
direito civil e a responsabilidade civil como os domínios adequados para fazer face
a este problema? Com isto é a própria responsabilidade civil que é questionada.
A adequada resolução do problema requer, na verdade, que, ab initio, se percor-
ram as f‌inalidades do instituto, uma vez que, admitindo porventura um escopo
preventivo e punitivo a este instituto, o lucro do agente poderia ser expurgado
através da condenação do mesmo ao pagamento de danos punitivos ou de uma
compensação punitiva3. Mas, se a resposta, quanto a tais f‌inalidades, for negativa,
então f‌icaremos legitimados a indagar se outros institutos civilísticos se mostram
ou não aptos a cumprir o desiderato. Nesta medida, é todo o direito civil que surge
problematizado: encontrar-se-á no seu seio a resposta para este problema? Ou,
cumprindo ele um papel mais modesto, deve ser complementado com outros ramos
do direito que oferecerão, por seu turno, uma visão mais punitiva e preventiva ao
ordenamento jurídico?
Eis, pois, as linhas de tratamento do problema que elegemos como mote dis-
cursivo da nossa exposição.
2. Estes valores são meramente exemplif‌icativos.
3. Segundo Henrique Sousa Antunes a questão é resolvida no seio da função compensatória. Vd. infra o de-
senvolvimento deste ponto.
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