A responsabilidade civil dos intermediários financeiros - breves apontamentos

AutorJosé Luís Dias Gonçalves
Páginas215-236
A RESPONSABILIDADE CIVIL
DOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS –
BREVES APONTAMENTOS1
José Luís Dias Gonçalves
Doutorando em Direito Civil na FDUC. Coordenador no Departamento Jurídico da
CMVM. Advogado.2
Sumário: 1. Introdução. 2. A responsabilidade civil do intermediário nanceiro. 2.1 A intermediação
nanceira. 2.2 Os deveres do intermediário nanceiro. 2.3 A responsabilidade civil do intermediário
nanceiro. 2.3.1 Enquadramento. 2.3.2 Pressupostos: em especial, a culpa e o nexo de causalidade.
1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil dos intermediários f‌inanceiros – a par da responsabili-
dade civil dos auditores e das autoridades reguladoras do setor f‌inanceiro –, reveste,
na atualidade nacional, uma importância singular, fruto dos colapsos vividos no
setor bancário português no passado recente (casos Banco Português de Negócios3,
Banco Privado Português4, Banco Espírito Santo5 e BANIF6)7. Em todos estes casos,
houve investidores que registaram perdas nos seus investimentos (seja em ações
emitidas pelos próprios intermediários f‌inanceiros, seja em instrumentos de dívida
emitidos por estes ou por entidades com eles relacionadas, seja ainda em instrumentos
f‌inanceiros comercializados pelos intermediários f‌inanceiros) e que, em resultado
dessas perda, vieram a demandar judicialmente os bancos em questão bem como,
muitas vezes, os respetivos administradores, e, ainda, os auditores e as autoridades
reguladoras com competências de supervisão sobre os mesmos (maxime, o Banco
1. O presente texto serviu de base à apresentação feita nas IV Jornadas Luso-Brasileiras de Responsabilidade
Civil, havidas em Coimbra, nos dias 5 e 6 de novembro de 2020.
2. As posições expressas no presente texto não vinculam a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
3. Objeto de nacionalização em 2008.
4. Após intervenção do Banco de Portugal, em 2008, e na sequência da retirada da licença para o exercício da
atividade bancária, entrou em liquidação em 2010.
5. Objeto de uma medida de resolução, na modalidade prevista no artigo 145.º-E, n. 1, alínea b), do RGICSF,
em 3 de agosto de 2014.
6. Objeto de uma medida de resolução, na modalidade prevista no artigo 145.º-E, n. 1, alínea a), RGICSF, em
19 de dezembro de 2015.
7. Também ao nível internacional existiram numerosos casos, num passado recente, de instituições f‌inanceiras
que passaram por dif‌iculdades, maxime no decurso da crise de 2007-2010, com necessidade de intervenção
pública, em diferentes formatos. V., sobre este assunto, CORDEIRO, A. Menezes, Manual de direito bancário.
4. ed. Almedina, Coimbra, 2010, 131 ss.
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JOSÉ LUÍS DIAS GONÇALVES
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de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM))8. Daí que
encontremos, nos últimos anos, abundante jurisprudência dos Tribunais superiores
sobre a matéria da responsabilidade civil dos intermediários f‌inanceiros.
Tanto a doutrina que se pronunciou sobre a matéria da responsabilidade civil do
intermediário f‌inanceiro9, como a própria jurisprudência, têm posto em evidência
alguns pontos fundamentais, nomeadamente: (i) a natureza do regime mobiliário
da responsabilidade civil do intermediário f‌inanceiro e a sua relação com o direito
comum da responsabilidade, (ii) o alcance da presunção de culpa prevista no artigo
304.º-A, n. 2 do CVM e (iii) o preenchimento do nexo de causalidade enquanto pres-
suposto da responsabilidade civil do intermediário f‌inanceiro.
Em termos necessariamente breves – atenta a natureza e propósito do presente
texto – abordaremos as questões vindas de citar, não sem antes procurar descortinar
os conceitos de intermediação f‌inanceira e de intermediário f‌inanceiro, analisando
os deveres a que estes estão sujeitos. Na análise dos pressupostos da responsabilidade
civil, daremos especial enfoque aos pressupostos da culpa e do nexo de causalidade,
na medida em que são aqueles que apresentam maiores desaf‌ios dogmáticos.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
2.1 A intermediação nanceira
O mercado de capitais funciona como um espaço de encontro, a cada momento,
da necessidade de obtenção de capitais por parte das empresas, por um lado, e da
vontade de canalização das poupanças para o investimento, por parte dos particulares,
por outro lado. Tendo em conta que o objetivo é o do f‌inanciamento a médio e longo
prazo, no mercado (ou nos mercados de capitais), atuam vários agentes com vista à
8. Cfr. GONÇALVES, José Luís Dias. A responsabilidade civil do auditor/revisor of‌icial de contas perante
investidores da sociedade auditada. Revista de Direito da Responsabilidade, ano 1, 2019, 1047-1076, e “A
responsabilidade civil das autoridades reguladoras do setor f‌inanceiro por omissão dos poderes de super-
visão: a imputação dos danos sofridos por clientes e investidores da entidade supervisionada. Revista de
Direito da Responsabilidade, ano 1, 2019, 179-205.
9. LEITÃO, Luís Menezes. Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários f‌inanceiros.
Direito dos Valores Mobiliários, II, Almedina, 2000, 129-156, SANTOS, Gonçalo Castilho dos. A respon-
sabilidade civil do intermediário f‌inanceiro perante o cliente, Almedina, 2008; ANTUNES, José Engrácia.
Deveres e responsabilidade do intermediário f‌inanceiro – alguns aspetos. Cadernos do Mercado de Valores
Mobiliários, 56, abril 2017; REIS, Nádia. Responsabilidade civil aquiliana do intermediário f‌inanceiro – mito
ou realidade. Revista de Direito das Sociedades, IX, 4, 2017, 781-799; CORDEIRO, A. Barreto Menezes. A
responsabilidade civil dos intermediários f‌inanceiros: o artigo 304.º-A do CVM. Responsabilidade Civil,
Cinquenta anos em Portugal, quinze anos no Brasil, II, IJ, Coimbra, 2018, 83-104; CORDEIRO, Menezes.
“esponsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade. Estudos de Direito Bancário, I, Alme-
dina, 2018, 9-46; FRADA, Manuel A. Carneiro da. A responsabilidade dos intermediários f‌inanceiros por
informação def‌icitária ou falta de adequação dos instrumentos f‌inanceiros. Revista de Direito comercial,
2018; POLÓNIA, Rui. Deveres de Informação dos intermediários f‌inanceiros, Almedina, 2019; RODRIGUES,
André Alfar. Deveres e Responsabilidade dos intermediários f‌inanceiros, Almedina, 2020; BARBOSA, Mafalda
Miranda e GONÇALVES, José Luís Dias. Instrumentos Financeiros – valores mobiliários. valores monetários.
derivados de crédito. produtos de bancarrurance, Gestlegal, 2020, 26-66.
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