Função notarial

AutorFelipe Leonardo Rodrigues, Paulo Roberto Gaiger Ferreira
Páginas11-26
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Função notAriAl
A f‌ilosof‌ia do direito, por meio da teoria da justiça reguladora, sustenta a necessi-
dade de o Estado deter uma função que se dedique à aplicação do direito para os f‌ins da
normalidade. O fulcro dessa teoria é a necessidade social de dar ao direito uma atuação
que facilite a sua evolução natural e normal.
Para tanto, o Estado tem de dispor de uma função diferente da judicial, destinada
à conservação, ao reconhecimento e à garantia do direito em estado normal: a função
notarial.
A função notarial tem os seguintes caracteres:
1. A autenticação e a legitimação notarial referem-se ou aplicam-se aos atos
que se realizam na esfera das relações de direito privado. O tabelião au-
tentica, apondo sua fé pública a fatos de interesse das partes, mas o foco da
atividade notarial é mais amplo: busca legitimar um negócio privado em
face não somente destes interesses, mas também para certeza do Estado e
da sociedade.
2. A atuação notarial desenrola-se na fase de normalidade do direito, f‌icando fora de
seu âmbito as relações que se manifestam em fase contenciosa ou de perturbação.
A vontade das partes e o acordo entre elas compõem o elemento primordial. Por
isso, nem mesmo uma decisão judicial pode obrigar ao ato notarial. O elemento
volitivo não pode ser suprido1.
Por vezes, a atividade notarial envolve perfazer o consenso entre as partes, de
modo a realizar a escritura pública. A Lei de Conciliação e Mediação, que permite aos
notários estes atos bem destaca as funções de busca de consenso pelos notários para
a composição do litígio que, af‌inal, redundará na escritura de transação, aí sim, com
expressa vontade de todas as partes.
3. Os documentos notariais têm natureza declaratória e autenticatória. Por vezes,
podem ter também natureza constitutiva, modif‌icativa ou extintiva.
O documento notarial é sempre uma declaração do tabelião que autentica fatos,
como a data, a hora, a presença das partes, a identidade e a capacidade delas, a vontade
manifestada etc.
Quanto à natureza constitutiva, podemos citar a realização do negócio pretendido,
por exemplo, uma compra e venda, uma doação, o mandato.
1. Exceto quando houver supressão judicial do consentimento de uma das partes (p. ex.: outorga marital, adjudicação
compulsória etc.).
TABELIONATO DE NOTAS • Paulo RobeRto GaiGeR FeRReiRa e FeliPe leonaRdo RodRiGues
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A natureza modif‌icativa resulta da retirratif‌icação de um ato notarial, pelo qual as
partes modif‌icam os termos de um negócio anteriormente feito.
Finalmente, é extintiva a ação do tabelião quando partilha os bens e direitos do
inventário ou extingue o casamento por meio do divórcio ou a união estável por meio
da dissolução.
4. Função assessora. O tabelião funciona como assessor, instruindo as partes so-
bre as possibilidades legais, requisitos e consequências de seus atos, bem como
sobre os meios jurídicos mais adequados para os f‌ins lícitos que se propõem a
atingir. Nesta assessoria, o tabelião deve adequar a vontade dos interessados ao
ordenamento jurídico e redigir um documento público que cumpra os requisitos
exigidos pela legislação vigente, a f‌im de lograr os efeitos desejados.
O assessoramento é decorrência do princípio da legalidade a que está adstrito o fazer
notarial. O controle da legalidade no assessoramento, ressalte-se, tem duplo signif‌icado:
primeiro, a consecução do interesse público de conservar os direitos na normalidade
jurídica e a estabilidade jurídica dos direitos adquiridos; segundo, garantir que as partes
cumpram todos os requisitos legais e tributários no ato que realizam, para que obtenham
seus efeitos jurídicos plenos.
O assessoramento (também a consultoria) jurídico deve ser prestado por meio
de informações e de esclarecimentos objetivos, particularmente sobre o melhor meio
jurídico de alcançar os f‌ins desejados pelas partes, os efeitos e as consequências dos
fatos, dos atos e dos negócios jurídicos a serem documentados, e visar à tutela da auto-
nomia privada e ao equilíbrio substancial da relação jurídica, de modo que minimize as
desigualdades materiais e proteja os hipossuf‌icientes e os vulneráveis, como as crianças
e os adolescentes, os idosos, os consumidores, as pessoas com def‌iciência e as futuras
gerações2.
5. Função legitimadora. Ao documentar os atos dos particulares submetidos ao
seu ofício, o tabelião trabalha com a qualif‌icação notarial em três momentos:
inicialmente, admite o ato dando-se por requerido; após, verif‌ica a identidade e
capacidade das partes para o ato solicitado, bem como todos os demais elementos
substantivos das partes, do objeto e do próprio ato; e, f‌inalmente, dota-o de uma
forma reconhecida pelo direito, redigindo o instrumento público adequado.
6. Função autenticatória. O tabelião, como delegado estatal, impõe aos atos nos
quais intervém a presunção de veracidade, convertendo-os em documentos
f‌idedignos com a característica de prova plena sobre as relações jurídicas ali
descritas (CPC/2015, art. 405 e CC, art. 215).
A função autenticatória tem aspectos decorrentes do imperium do Estado, muito
além da certeza de fatos.
O ato notarial envolve e ampara a necessidade ritualística da sociedade. Ele é
dramático, é litúrgico, ele existe para legalizar um ato ou um fato no mundo jurídico,
como exige o Estado. As técnicas notariais, as formalidades até hoje existentes, as
2. Normas de Serviço de São Paulo, Cap. 16, item 2.2 (Prov. CGJ-SP n. 32/2016).

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