Os limites impostos à autonomia privada no Direito Brasileiro: o paradoxal convívio entre tutelas, indisponibilidades e liberdades individuais

AutorBárbara Gomes Lupetti Baptista e Daniel Navarro Puerari
Páginas85-100
Os limites impostos à autonomia privada no
Direito Brasileiro: o paradoxal convívio entre
tutelas, indisponibilidades e liberdades
individuais
Bárbara Gomes Lupetti Baptista
Daniel Navarro Puerari
Resumo: Este trabalho busca tecer considerações sobre a permanente
tensão entre a autonomia privada e a tutela estatal. Nosso propósito busca
compreender quais são os limites jurídicos do exercício da autonomia priva-
da no Brasil? Como se dá a convivência entre a liberdade do cidadão, decor-
rente dos direitos da personalidade, e a tutela exercida cotidianamente pelo
Estado Brasileiro? Para ilustrar este paradoxo, descrevemos duas situações
concretas (os casos de barriga de aluguel e de body modification), que retra-
tam a colisão entre a tutela estatal dos direitos da personalidade e a autono-
mia privada e a liberdade individual no Brasil.
Palavras-chave: Autonomia Privada; Tutela do Estado; Direitos da Per-
sonalidade; Liberdades
Abstract: This paper seeks to make considerations about the permanent
tension between private autonomy and state tutelage. Our purpose is to un-
derstand what are the legal limits of the exercise of private autonomy in Bra-
zil? How does the coexistence between the freedom of the citizen, resulting
from the rights of the personality, and the tutelage exercised daily by the Bra-
zilian State? To illustrate this paradox, we describe two concrete situations
(the cases of surrogacy and body modification), which portray the collision
between state tutelage of personality rights and private autonomy and indi-
vidual freedom in Brazil.
Keywords: Private autonomy; Trusteeship of the State; Rights of the Per-
sonality; Freedoms
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1. Considerações iniciais sobre a problemática
A questão que nos instigou a escrever este texto diz respeito ao nosso
estranhamento acerca do paradoxal convívio entre tutelas, indisponibilida-
des e liberdades individuais no direito brasileiro.
Quais são os limites jurídicos do exercício da autonomia privada no Bra-
sil?
Como se dá a convivência entre a liberdade do cidadão, decorrente dos
direitos da personalidade, e a tutela exercida cotidianamente pelo Estado
Brasileiro, através dos Tribunais?
Algumas situações empíricas que retratam a colisão entre direitos da
personalidade, e que serão descritas neste texto, é que serviram de base e de
impulso para pensarmos sobre esta problemática, que se apresenta, ao me-
nos para nós, como paradoxal.
No Brasil, com a consagração da dignidade da pessoa humana na Consti-
tuição da República de 1988, aliada à garantia do parágrafo 2º do artigo 5º,
que trata da tutela geral dos direitos fundamentais, verificamos que certas
prerrogativas individuais, inerentes à “pessoa humana”, foram alçadas a um
status privilegiado.
A CRFB/88 expressa, em seu art. 5º, X, que são “invioláveis a intimida-
de, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Além disso, osdireitos da personalidade também estão expressos em ca-
pítulo especial do CC/2002, arts. 11 a 21, tratando-se de direitos subjetivos
que todas as pessoas têm de defender o que lhe é próprio, ou seja, a suainte-
gridade física (vida, alimentos, o próprio corpo); a suaintegridade intelec-
tual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a
suaintegridade moral (honra, imagem, recato, segredo profissional e do-
méstico, identidade pessoal, familiar e social). (LENZA, 2012, p.108).
Os direitos de personalidade, por não terem conteúdo econômico ime-
diato e não se destacarem da pessoa de seu titular, distinguem-se, portanto,
dos direitos de ordem patrimonial; e, nessa medida, conceitualmente, aca-
bam sendo considerados como direitos sobre os quais não se pode transacio-
nar ou dos quais não se pode, a princípio, dispor.
Além disso, a rigor, são: a) Intransmissíveis b) Irrenunciáveis c) Inaliená-
veis d) Imprescritíveise) vitalícios.
Pois bem. Associando-se esse contexto à clausula geral da tutela dos di-
reitos fundamentais, presente no parágrafo 2º do artigo 5º, que, como cedi -
ço, garante tutela aos direitos fundamentais não incorporados expressamen-
te, verifica-se que o núcleo da dignidade da pessoa humana passou a ser to-
mado como valor máximo do ordenamento jurídico.
A questão que este texto pretende colocar é, portanto, a de pensar sobre
o quanto esse núcleo dos direitos da personalidade, numa visão tutelar, res-
tringe as liberdades individuais (em vez de ampliá-las).
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