Meio ambiente do trabalho - Ação civil pública - Indenização - Saúde

AutorJuiz Tarcisio Correa de Brito
Páginas94-113

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TERMO DE AUDIÊNCIA

Processo n. 867-17.2012.503.0146

No dia 23 do mês de outubro do ano de 2012, às 17h01, o Juízo da VARA DO TRABALHO DE NANUQUE - MG, em sua sede, pela lavra do MM. Juiz titular, TARCISIO CORREA DE BRITO, na AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ajuizada por MINISTÉRIO PUBLICO DO TRABALHO em face de MUNICÍPIO DE NANUQUE proferiu a seguinte DECISÃO:

Apregoadas as partes, ausentes.

DO RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PUBLICO DO TRABALHO já qualificado nos autos da AÇÃO CIVIL PUBLICA na qual contende com MUNICÍPIO DE NANUQUE, alegou em síntese que diante de denúncia do Sindicato dos servidores públicos municipais, instaurou-se a Representação n. 40.2012.3.008/0, posteriormente, convolada em inquérito civil para a devida apuração dos fatos (labor de trabalhadores sem uniforme e sem a utilização de equipamentos individuais de proteção). Deflagradas as investigações, foi expedida a Intimação n. 275/2012 para que o Município apresentasse toda a documentação relativa ao cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho de seus servidores, bem como informasse o eventual interesse em corrigir as irregularidades pela via extrajudicial mediante a assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC).

Em resposta, o Município encaminhou ofício à Procuradoria afirmando que não constavam dos arquivos da Secretaria Municipal de Administração normas regulamentadoras de segurança e saúde, em especial, programas de prevenção de riscos ambientais, nem a constituição de comissão interna de prevenção de acidentes. Comprometeu-se, contudo, a autorizar a aquisição de equipamentos de segurança (Ofício n. 154/2012). Objetivando uma solução para o caso, o Parquet elaborou proposta de TAC, tendo obtido como resposta do Município a ausência de necessidade de assiná-lo, uma vez que já haviam sido adotadas medidas internas para resolver a questão (Ofício n. 220/2012). Seguiu-se nova intimação ao Município, com idêntica resposta. Diante da inércia foi ajuizada a presente ação civil pública, defendendo-se a competência dessa Especializada, no sentido de impelir o Município de Nanuque a cumprir as normas regulamentares vigentes de acordo com os pedidos à fls. 32-37. Foi atribuído à causa o valor de R$ 200.00,00 para fins de alçada.

Antes da concessão da antecipação de tutela requerida pelo Parquet, o douto juízo da Vara do Trabalho de Nanuque determinou a notificação do Município para informar, documentalmente, no prazo improrrogável de 2 dias, o regime jurídico único adotado pela municipalidade para a contratação de pessoal, bem como, a existência de resquícios de celetistas, ainda terceirizados. Seguiu-se à fls. 70-118 a resposta, indeferindo-se a liminar requerida.

Antes da efetiva notificação do Réu, o Parquet acostou ata de audiência na qual compareceu em sua sede o presidente do sindicato dos servidores públicos municipais, apresentando novas denuncias (fls. 129150), além de fundamentada manifestação.

Devidamente notificado, o Réu fez-se ausente à audiência inaugural requerendo o Parquet sua condenação à revelia e a aplicação da pena de confissão. Primeira proposta de conciliação prejudicada. O Parquet ressaltou que a ação dizia respeito apenas aos servidores estatutários e celetistas contratados pela municipalidade, e não aos terceirizados. Na oportunidade, o douto juízo determinou a designação de nova audiência para a tentativa de conciliação, determinando ao Réu que acostasse aos autos dados sobre a contratação de agentes de endemias.

O Município veio aos autos apresentando a documentação requerida, além de manifestar, extemporaneamente, preliminar de incompetência em razão da matéria (à fls. 166-168). Acostou ainda farta documentação inclusive apresentando os cargos existentes (fls. 334-425).

Concedida a liminar (fls. 445-447) foi determinada a expedição de mandado.

Na audiência designada, não houve apresentação de proposta conciliatória pelo Município, requerendo o Parquet a conclusão da instrução com o julgamento da ação.

Sem mais provas a serem produzidas, encerrou-se a instrução processual.

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Razoes finais orais pelas partes remissivas. Ültima proposta de conciliação recusada. É o relatório.

DOS FUNDAMENTOS DA PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA EX RATIONE MATERIAE - POTENCIAL VIOLAÇÃO DA ADI N. 3.395-MC DA RELATORIA DO MINISTRO CESAR PELUSO AFASTADA - DIREITOS METAINDIVIDUAIS EM DISCUSSÃO

Afirma o Município de Nanuque que, em meados de 1990, foi promulgada a Lei Municipal n. 1.141/90 instituindo o regime jurídico único, adotando o Estatuto do Servidor Público Municipal (Lei n. 572/73) o regime estatutário. Em 2011, visando atender aos termos do ajustamento de conduta com o MPE, o Município comprometeu-se a realizar concurso público simplificado para a admissão dos agentes de controle a endemias e agentes comunitários de saúde. Com a edição da Lei n. 1.976/11 foram regulamentadas, no âmbito municipal, as referidas funções, cargos esses criados pela Lei Federal n. 11.350/06. Tudo restou regulamentado pelo Decreto n. 26/2011, submetendo-se esses agentes ao regime jurídico único. Aponta jurisprudência a seu favor referente ao reconhecimento da incompetência material dessa Especializada para processamento dos feitos envolvendo agentes comunitários (fls. 167-168).

O d. Parquet do trabalho, desde o início da presente ação civil pública, defendeu a competência dessa Especializada, com base na Reclamação constitucional n. 3.303-1 do STF e na previsão do disposto na Súmula n. 736 do próprio STF. Pelo desenvolvimento dos atos de procedimento, ao que parece, os doutos colegas magistrados que nos antecederam instruíram o feito determinando ao Município que reiteradamente acostasse a comprovação do regime de contratação do pessoal, bem assim, documentação específica que demonstrasse a existência de agentes de combate a endemias (fls. 153) contratados.

Quanto à primeira indagação, o Município respondeu que não havia resquício de celetistas em seu quadro de pessoal, de acordo com a documentação fornecida pelo Departamento de Pessoal (fls. 70-118) Para a segunda indagação, acostou farta documentação tentando demonstrar a configuração efetiva do referido quadro, com o objetivo de afastar a competência dessa Especializada. Travou-se, pois, a nosso entendimento, uma discussão desnecessária para o deslinde da questão.

Nota-se, na ação que tem por objeto a garantia de um meio ambiente de trabalho equilibrado (saúde, segurança e higiene), que a dicotomia público e privado, Estado e indivíduo não mais corresponde em absoluto à evolução social que trouxe à consciência o coletivo, como afirma Norma Sueli Padilha (Do meio ambiente do trabalho equilibrado, 2002, p. 49). Citando Mauro Cappelletti, aduz a autora que diante da complexificação das relações sociais, econômicas e políticas, o elo de ligação entre essas duas dimensões passou a ser o direito metaindividual, de caráter difuso e que pertence à coletividade.

Esses direitos dizem respeito "ao gênero dos interesses transindividuais, uma vez que despassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva, e se caracterizam pela indeterminação dos sujeitos e pela indivisibilidade do objeto." (idem, p. 50 - destaque inexistente no original). Portanto, vale observar que, segundo leciona:

"(...) a opinião de Júlio Cesar de Sá Rocha: "quanto ao meio ambiente laboral, quando considerado como interesse de todos os trabalhadores em defesa de condições da salubridade do trabalho, ou seja, o equilíbrio do meio ambiente do trabalho e a plenitude da saúde do trabalhador, constitui direito essencialmente difuso, inclusive porque sua tutela tem por finalidade a proteção da saúde, que, sendo direito de todos, de toda a coletividade, caracterizase como um direito eminentemente metaindividual" (idem, p. 51).

Não se analise aqui, pois, a competência da Justiça do Trabalho com base no caráter do vinculo estatutário ou celetista de seus trabalhadores (em sentido lato), mas a natureza transindividual do direito violado, e o múnus público do Ministério Público do Trabalho, nos próprios termos da CF/88 e da LC n. 75/1993, precipuamente, o art. 83.

Essa foi a teleologia adotada nos precedentes dos tribunais superiores, inclusive, pelo próprio Supremo Tribunal Federal na Reclamação constitucional n. 3.303. Nesse contexto, quatro regiões do país já estabeleceram seus acórdãos-referência sobre a matéria valendo serem citados: TRT1 - RO n. 91.900-91.2009.5.1.0003; TRT 11a - RO n. 1.504-28.2010.5.11.0012; TRT17 RO n. 129.300-79.2010.5.17.0191; TRT 22a - ro n. 99314.2011.5.22.0004 e RO n. 68-2010-105-22-00-9.

O desembargador Luiz Augusto Pimenta de Mello do TRT1, em sua Quarta Turma, afirmou no acórdão por ele relatado, por exemplo, que para a determinação da competência dessa Especializada não importa perquirir quanto ao regime jurídico a que se vincula o trabalhador, se estatutário ou celetista, mas sim, que a inobservância das regulares condições de saúde, segurança e higiene tenha sido em razão da relação de trabalho, tomada em seu sentido mais amplo. No julgado, trouxe o eminente julgador excerto significativo da Reclamação n. 3303-1

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que analisou caso idêntico à luz do respeito à decisão na ADI n. 3.395 que suspendeu a interpretação da regra do art. 114, I da CF/88. Nesse sentido é o fundamento da decisão que aqui se incorpora:

"Por sua meridiana clareza e relação de conformidade com o tema em questão, merece ser lembrado o excerto da decisão proferida pelo professor e ilustre Desembargador Ivan D. Rodrigues Alves, no PI n. 37.706/2005, colacionada aos autos pelo recorrente: "(...) A questão revelada pelos autos transcende à discussão do regime jurídico do trabalhador. Menos ainda está adstrita ao vínculo mantido entre os trabalhadores e o Estado. Refere-se o caso à violação da relação de trabalho. Noticia o Ministério Público graves irregularidades às normas de segurança e medicina do trabalho. E se visa o...

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