Abandono de Emprego (Art. 482, i, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas234-246

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1. Conceito

O conceito de abandono de emprego no Direito do Trabalho nos é dado pela doutrina, uma vez que a alínea i do art. 482 da CLT, se refere apenas a "abandono de emprego" como motivo para rescisão unilateral com fundamento em justa causa.

Para Aluysio Sampaio abandono de emprego significa "o descumprimento continuado e definitivo, por parte do empregado, da obrigação de prestar serviço; é deixar-se a relação de emprego, sem qualquer comunicação ao empregador"272.

Amauri Mascaro Nascimento entende que "abandono de emprego é a renúncia intencional do emprego, configurando-se com o elemento obj etivo, que é a ausência prolongada, e o elemento subjetivo, que é a intenção de não mais continuar a relação de emprego"273.

Já para José Martins Catharino é "um ato unilateral do empregado, implicando o inadim-plemento da sua obrigação de trabalhar, com o ânimo de não mais continuar no emprego"274.

Na lição de José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho: "o abandono de emprego é a ausência injustificada do empregado à empresa aliada à intenção de abandonar, constituindo uma das justas causas para a extinção do contrato individual de trabalho subordinado, por iniciativa unilateral do empregador, com fundamento em conduta disciplinar faltosa do empregado, prevista na alínea i da enumeração contida no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho"275.

No Código de Trabalho português vigente (Lei n. 7/2009,12 de fevereiro), especificamente no item I do art. 403, estabelece que "Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar". Para compreender esse conceito, nos termos do item I do art. 403, afirma João Leal Amado que os elementos constitutivos do abandono do trabalho são dois: i) a ausência do

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trabalhador do serviço; ii) acompanhada de factos reveladores da intenção de o não retomar. Significa isto que, como é óbvio, nem toda a ausência do trabalhador, mesmo se injustificada, equivale a um abandono do trabalho. A ausência ao serviço corresponde, tão só, ao elemento objetivo do abandono, ao qual, porém, terá de unir-se o elemento subjetivo, o animus extintivo por parte do trabalhador. E, por seu turno, este animus extrair-se-á de factos concludentes, de factos que, com toda a probabilidade, revelem a vontade de o trabalhador dissolver o contrato. Será o caso, por exemplo, de o trabalhador deixar de comparecer ao serviço, tendo entretanto celebrado e começado a executar um contrato de trabalho com outra entidade empregadora, incompatível com o cumprimento do primeiro, ou ainda de o trabalhador se ausentar para o estrangeiro, após obter a necessária licença de residência e de trabalho nesse país276.

Finalmente, um dos autores que mais estudou a questão do abandono de emprego foi Nicanor Sena Passos que editou uma obra com mais de 400 páginas sobre o tema, conceituando-o como sendo "ato unilateral, contínuo, definitivo, grave, praticado pelo empregado, capaz de resolver o contrato por inadimplência da obrigação de fazer"277.

2. Campo de aplicação

A celebração do contrato de trabalho, pouco importa se tácito, verbal ou escrito, tem como pressuposto a prestação de serviço pelo empregado e a contraprestação pelo empregador que é o pagamento de salário.

Compreende-se que a expressão abandono de emprego constante da alínea i do art. 482 da CLT, diz o óbvio para fins da justa causa, pois o empregado que deixa de cumprir com sua obrigação principal que é de prestar serviços, por um lapso de tempo, sem qualquer justificativa perante o seu empregador está descumprindo o ajustado à luz da função social do contrato e do princípio da boa-fé que devem imperar em todo contrato.

A verdade é que o trabalhador que abandona o emprego em tese não tem interesse na continuidade do vínculo empregatício. Esse, por sinal, precisa estar vigente, ou seja, em curso, exigindo-se, portanto, que o trabalhador preste os seus serviços normalmente, sendo, por conseguinte, o primeiro requisito para a caracterização do abandono de emprego. Isso porque, estando interrompido ou suspenso o contrato de trabalho, por motivo justificado, que poderá ser decorrente de lei, de norma coletiva ou de regulamento interno, o empregado não tem o dever ou obrigação de prestar serviço e, nesse caso, não há falar-se em abandono de emprego.

Entretanto, é preciso deixar bem claro, conforme enfatiza Wagner Giglio que "só a ausência continuada, ininterrupta, prenuncia o abandono de emprego. É essencial, portanto, que se ausente durante certo período contínuo, isto é, que não volte, após alguns dias, a trabalhar, para novamente se afastar. E este - ausência continuada, sem interrupção - é o segundo requisito para a caracterização do abandono de emprego"278.

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Normalmente, quando o empregado deixa de comparecer ao serviço sem qualquer motivo, o empregador cuidadoso o convoca para reassumir as suas funções, ou então que apresente as justificativas para as suas ausências, sob pena de configurar o abandono de emprego. Referida providência tem razão de ser, porque visa em última análise, saber da intenção ou não do empregado em retornar ao seu trabalho. Se o empregado não se manifestar, caracterizada fica ajusta causa para o rompimento do contrato de trabalho, porque presente o elemento intencional de abandono de emprego. Se, no entanto, o empregado manifestar pelo seu retorno ao serviço depois de certo tempo, "poderá resultar caracterizada, eventualmente, outra justa causa: desídia, indisciplina ou mau procedimento. O abandono, porém, só se configura no silêncio do ausente"279.

A rigor, o empregador nem deveria convocar o empregado para reassumir a sua função, mas apenas formalizar a rescisão do contrato de trabalho, já que tacitamente houve o abandono de emprego280. Se o contrato pode ser formalizado tacitamente, a rescisão também poderá ser caracterizada da mesma forma. Aliás, afirma Catharino que "faltando o elemento subjetivo expresso, há de ser verificada a sua existência tácita, ou seja, a vontade implícita de abandonar, indiretamente manifestada"281.

Ocorre, no entanto, que, em face da complexidade das relações de trabalho situações acontece como a possibilidade de o empregado estar adoentado, acidentado, preso ou por outras circunstâncias que impedem a comunicação do fato ao empregador, daí porque surgiram duas teorias que procuraram dimensionar a caracterização do abandono de emprego, uma de caráter objetiva e outra subjetiva.

2.1. Teoria objetiva

A teoria objetiva está alicerçada na própria ausência do empregado, o que mostra a sua disposição pela não continuidade do vínculo empregatício. Ela se manifesta quando o empregado não justifica o motivo da não prestação de serviço e não dá notícia do seu paradeiro. É o desinteresse e o descaso do empregado em relação a uma das obrigações elementares do contrato de trabalho, que é de comparecer ao serviço para executar os serviços determinados pelo empregador. Nesse caso, para configuração da justa causa, basta apenas a comprovação do elemento material do abandono de emprego, que é a ausência continuada e injustificada do trabalhador.

É importante assinalar que não se confundem faltas reiteradas com abandono de emprego. Para caracterização do abandono de emprego a ausência deve ser contínua e ininterrupta, dentro de um determinado prazo, pois em caso de faltas intercaladas com advertências e suspensões, ajusta causa se enquadrará como desídia.

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2.2. Teoria subjetiva

A teoria subjetiva tem correspondência com ânimo do empregado em abandonar o serviço. O aspecto nuclear da caracterização dessa falta reside no fato de que o empregador já sabe de antemão que o empregado já tomou novo rumo na sua vida. Nesse caso, a intenção do empregado, qualquer que seja ela, perfeita ou imperfeita, direta ou indireta, de se afastar do seu emprego para assumir outras atividades são os motivos determinantes para configuração dessa justa causa. Conforme assinala Russomano "a manifestação indiscutível do ânimo de abandonar o emprego (elemento psicológico) suprime a necessidade de ausência prolongada (elemento material)"282.

No universo das decisões judiciais, são encontradas situações interessantes que mostram patente o desinteresse do empregado em continuar com o vínculo empregatício. Caso de empregado que transferiu sua residência para outra localidade, lá montando comércio e deixando de comparecer ao serviço sem qualquer motivo; o afastamento voluntário do trabalho, de grávida, para ficar ao lado do esposo, noutra cidade, sem comunicação ao empregador são atos que se enquadram como abandono de emprego sob o enfoque dessa teoria subjetiva.

3. Abandono de serviço e abandono de emprego

É importante salientar que abandono de serviço e abandono de emprego não se confundem. Explica Messias Pereira Donato que abandono de emprego "é de âmbito geral. Quem abandona o emprego, abandona o serviço. Pode ocorrer, no entanto, como na greve ilícita que haja abandono de serviço, sem abandono de emprego"283. Quando o empregado postula a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483 da CLT) perante o seu empregador, mas não ajuíza a respectiva ação para configuração ou não da falta cometida pelo empregador incide em abandono de emprego e não abandono de serviço.

4. Abandono de emprego e ausencias justificadas

Nas hipóteses em que...

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