Ato de Improbidade (Art. 482, a, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas124-136

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1. Considerações preliminares e conceito

Não é por acaso que o ato de improbidade figura em primeiro lugar como uma das hipóteses da justa causa. O significado de improbidade é muito amplo já que Ímprobo é todo aquele que age fora dos padrões morais de conduta. A própria sociedade repele tal conduta, daí porque o ato pode ocorrer no serviço ou fora dele, conforme veremos mais adiante.

O ato de improbidade quando ocorre pela sua gravidade, via de regra, não enseja a viabilidade da gradação pedagógica normalmente adotada pelo empregador em outras faltas, porque envolve a violação de um padrão moral de conduta que tem a honestidade como espelho.

Assim, comprovado o ato de improbidade, ele por si só, leva ao rompimento do contrato de trabalho, porque não há como o empregador continuar com o empregado que não lhe inspira confiança.

A fidúcia, nessa hipótese de justa causa, é, sem dúvida, um dos aspectos nucleares a ser considerado, pois na sua quebra, de imediato surge o motivo para o rompimento do pacto laborai.

Quanto ao conceito, na própria expressão de ímprobo já o caracteriza para os efeitos dajusta causa trabalhista. Conforme assinala Wagner Giglio, "o conceito de ímprobo está na consciência de todos: ímprobo, o que não é probo, aquele que não é honesto; desonesto. A desonestidade, porém, é uma noção moral, que abrange um campo extenso. É desonesto quem age com má-fé, fraude, dolo, malícia, simulação etc."115.

Carmen Carmino, na busca temerária de uma síntese, afirma que o ato de improbidade é "um ato doloso do empregado, comissivo ou omissivo, a implicar consequências ilícitas, especialmente quando repercutem no património do empregador"116.

Conceito mais elástico dado ao ato de improbidade e que se afina com a doutrina moderna na esfera trabalhista é a de Maurício Godinho Delgado para quem "trata-se de conduta faltosa obreira que provoque dano ao património empresarial ou de terceiro, em função do comportamento vinculado ao contrato de trabalho, com o objetivo de alcançar vantagem para si ou para

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outrem. O ato de improbidade, embora seja também mau procedimento, afrontando a moral genérica imperante na vida social, tem a particularidade, segundo a ótica justrabalhista, de afetar o património de alguém, em especial do empregador, visando, irregularmente, a obtenção de vantagem para o obreiro ou a quem este favorecer"117.

2. Campo de aplicação

O contrato de trabalho está alicerçado na confiança que deve imperar em toda relação entre empregado e empregador.

A fidúcia é, sem dúvida, um elemento presente em todo o contrato de trabalho e varia de intensidade segunda a função do empregado, mas a sua quebra é a falta que mais atrai a aplicação da justa causa pelo empregador, tanto que a jurisprudência tem deixado antever que a confiança e a improbidade do empregado são figuras inteiramente incompatíveis entre si.

Nesse sentido, também Délio Maranhão e Luiz Ignácio B. Carvalho quando afirmam que "a honestidade é uma norma geral de conduta, na sociedade. Não é possível conciliar confiança (base do contrato de trabalho) e desonestidade: uma coisa repele a outra"118.

A verdade é que nenhum empregador vai querer manter em seu quadro de funcionários um empregado que praticou ato de desonestidade em relação ao seu património ou de terceiros (exemplo, quando furta pertences de outro colega) com repercussão no contrato de trabalho. Daí porque ajusta causa com fundamento em ato de improbidade é sem dúvida uma das mais graves formas de extinção contratual. Ocorre que o empregado que age com improbidade com reflexos no contrato de trabalho passa a ter a pecha de desonesto e com o agravante de tornar indesejável o prosseguimento do contrato de trabalho.

Com efeito, assinala com propriedade Francisco Meton Marques de Lima que "o contrato de trabalho suporta-se sobre as quatro características formais básicas e uma moral; pessoali-dade, não eventualidade, subordinação, remuneração e confiança. Mas o elemento subjetivo de sustentação do liame empregatício é o de natureza moral e psicológica - a fidúcia. Há de existir uma confiança, e mais do empregador para com o empregado, pois na qualidade do serviço e do produto reside toda reputação do empreendimento. Assim, conquanto os outros quatro requisitos objetivos se verifiquem, recheados com alta eficiência na da prestação de serviço e invejável qualidade técnica do trabalhador, sem a fidúcia a relação desmorona irremediavelmente "119.

Já para Délio Maranhão "haverá improbidade em todo ato que ofenda aquelas normas de moral, que, em determinado meio e em determinado momento, a sociedade não tolera sejam violados. É uma noção relativa, já que a 'moralidade' varia no espaço e no tempo. Mais do que em qualquer outro caso, se aplica, na configuração da improbidade, a noção de 'standard

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jurídico, que é processo pelo qual se prescreve ao juiz que tome em consideração o tipo médio de conduta social correta, para a categoria determinada atos que se julgar"120.

Conforme assinala com propriedade Carmen Carmino "o rol de atos de improbidade é extensíssimo. Abarca, desde a prática de delitos tipificados na lei penal ao envolvimento do empregado em situações menos graves que, embora possam se afigurar irrelevantes na esfera criminal, consubstanciam conduta desonesta segundo o senso comum"121.

Mas há que ser ressaltado também que a honra é o maior património do ser humano, con-sequentemente ligada à personalidade, que é um direito assegurado constitucionalmente (art. 5a, V, da CF), e, por essa razão, o empregador deve tomar todos os cuidados antes de imputar a prática de ato de desonestidade ao empregado, para não ficar sujeito a indenização por dano moral, hoje, tão presente nos pleitos dos reclamantes.

Por último, cabe destacar que existem três teorias que tratam sobre o alcance do conceito de improbidade: a subjetiva, objetiva e mista.

3. Teoria subjetiva

Sobre a teoria subjetiva e objetiva do ato de improbidade explica Francisco Meton Marques de Lima que "a primeira estica-o até os refolhos morais, como a maldade, a malícia, a perversidade; a segunda entende que a improbidade deve ser analisada sempre sob os aspectos objetivos, já que ela implica sempre em um crime contra o património, não devendo confundir-se valores morais com valores jurídicos. Esta é aposição de Moraes Filho e de Dorval Lacerda"122. Portanto, a primeira corrente parte do princípio que a improbidade é todo ato de desonestidade, reprováveis pela moral, pelos bons costumes e pelas normas jurídicas que repelem os atos ilícitos. Russomano foi muito feliz ao afirmar que "o estudo subjetivo da improbidade, como tendência do espírito humano, escapa ao conhecimento do Direito, de modo que só lhe interessam os atos que revelam a improbidade e, através deles, a descoberta do ânimo declarado ou manifesto que teve o empregado de agir desonestamente, fraudulentamente, abusivamente ou com má-fé".

4. Teoria objetiva

Esta teoria, como já vimos, considera como improbidade todos os atos praticados contra o património do empregador ou de terceiros, aqui envolvendo mais os ilícitos penais, embora necessariamente não precise ter nenhuma vinculação com o juízo criminal. Isso porque o empregado que se apropria de determinado valor ou bem do empregador poderá ser absolvido no processo criminal, mas a falta funcional persistirá, podendo ser despedido com base nela.

Verifica-se, portanto, que esta teoria está alicerçada num fato concreto e objetivo, ou seja, na prática de atos que importam em prejuízo ao património do empregador ou de terceiros.

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5. Teoria mista

Esta teoria é mais aceita porque não se deve priorizar uma corrente, mas sim mesclando as duas. Nessa esteira, afirma Marques de Lima que "a infração contratual reveste-se de conteúdos morais, portanto subjetivos, que escapam do ilícito penal. Claro que deve objetivar-se ao máximo, porém os aspectos morais e contratuais devem pesar" e complementa com a lição de Délio Maranhão para quem "A improbidade, por natureza, é uma daquelas faltas que traduzem violação de uma obrigação geral de conduta, e não uma obrigação específica do contrato. Constituirá, portanto, sempre, uma falta grave, ainda que praticada fora do local do serviço"123.

6. Prejuízos ounao

Normalmente, o ato de improbidade está relacionado com o prejuízo causado pelo empregado ao empregador ou a terceiros com repercussão no contrato de trabalho. Nem sempre, porém, o prejuízo será o fator determinante para a configuração dessa falta grave. Pode, também, existir ato faltoso que não acarreta prejuízo ao empregador, como se dá numa tentativa de furto. Nesse caso, não se consumou o ato faltoso, mas a quebra da confiança impossibilita a continuidade do pacto laborai. Isso pode acontecer na prática, em caso de empregado que trabalha em setor de compras da empresa numa tentativa de receber "comissões por fora", cujo exemplo é dado por Domingos Savio Zainaghi quando diz "imagine-se uma situação em que certo comprador de uma empresa entabulasse compra de valor elevado na qual estaria incluída determinada quantia que seria destinada a ele de forma desonesta. Suponha-se, ainda, que a empresa vendedora resolva cancelar a entrega, por problemas com matéria-prima. A venda não se realiza e, consequentemente o empregado-comprador não recebe a sua 'comissão'. Parece clara a desonestidade do empregado"124.

Para Alice Monteiro de Barros, "Os atos de improbidade traduzem obtenção dolosa de uma vantagem de qualquer ordem. Caracterizam-se, em geral pela prática do furto, do roubo...

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