Desídia no Desempenho das Respectivas Funções (Alínea e do art. 482 da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas182-193

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1. Generalidades e conceito

A primeira lei que tratou da desídia como causa motivadora da rescisão unilateral pelo empregador sem os ónus decorrentes foi a Lei n. 62/35, especificamente no art. 5a, alínea c. Nessa mesma alínea figurava o mau procedimento.

A Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452) incluiu a desídia, sem alterar a redação primitiva na alínea e do art. 482 e deslocando o mau procedimento para figurar na alínea b do mesmo artigo, porém, com outra causa justificadora para aplicação da pena máxima, no caso a incontinência de conduta já analisada.

Compreende-se pela expressão "desempenho das respectivas funções" que a configuração dessa falta está atrelada ao exercício das funções para as quais o empregado foi contratado. Também deve ser dito que as funções são definidas pelo empregador e elas se inserem no círculo do cargo ocupado pelo empregado. Dessa forma, se o empregado desenvolve as suas atividades fora da empresa, como ocorrem com os vendedores, motoristas etc, podem estar sujeitos a essa falta por estar relacionada com a prestação de serviço.

José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que "desídia é a falta de cumprimento pelo empregado, no exercício de suas funções, do dever de trabalhar diligentemente, motivando justa causa para a denúncia do contrato pelo empregador"185. Já para Russomano o "empregado tem a obrigação de ser ativo, diligente e interessado nas tarefas que lhe entregam. A desídia é a violação desse dever: é a negligência, a imprudência, má vontade revelada pelo empregado na execução dos seus encargos"186.

Entretanto, Amauri Mascaro Nascimento, assinala que "há divergências quanto à caracterização das faltas reiteradas e sem justificação ao serviço como desídia, preferindo alguns tipificá-las como ato de indisciplina. Sustentam que a desídia é justa causa que se perfaz 'no desempenho das funções', o que não ocorre quando o empregado não comparece para trabalhar. Porém, as faltas ao serviço não podem configurar indisciplina, porque esta é o descumprimento de ordens gerais de serviço e as faltas constituem inadimplemento da obrigação de trabalhar"187.

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Consequentemente, a justa causa fundada em desídia não só se verificará quando o empregado estiver no exercício das suas funções, mas também quando houver o inadimplemen-to de uma das obrigações elementares do contrato de trabalho que é assiduidade aos serviços. Portanto, não se confunde com o abandono de emprego, pois neste as ausências são contínuas e ininterruptas enquanto na desídia as faltas ao serviço ocorrem de forma intercalada ou por etapas, daí porque a doutrina e a jurisprudência exigem que, antes da aplicação da justa causa, medidas pedagógicas sejam tomadas, como advertências verbais ou escritas, ou mesmo suspensões, de forma a corrigir o procedimento do empregado.

2. Campo de aplicação

Incide em justa causa com base nessa alínea o empregado que age com negligência, displicência, desleixo, desinteresse, descaso, descuido, incúria, indiferença, indolência, inércia, preguiça e má vontade na prestação de serviços, conforme a jurisprudência dominante. A maioria das justas causas encontra-se neste dispositivo legal.

Catharino afirma que "o empregado pode cometer tal falta seja porque 'amarra o serviço', 'faz cera', trabalha em câmara lenta ou 'opera como tartaruga', seja porque não comparece ao serviço (absenteísmo), ou ainda, por impontual, chegando atrasado ao local de trabalho. Assim, a desídia tanto pode se caracterizar por trabalhar mal, como por mal trabalhar. Em outras palavras, por fazer sem empenhar-se normalmente, ou por não fazer, prejudicando a produção e, consequentemente, os legítimos interesses do empregador"188.

Na desídia, são derivadas de atitudes repetidas que caracterizam pela omissão, inobservância de um dever, na falta de diligência, pelo descumprimento quantitativo ou qualitativo das obrigações pelo empregado. Nesses casos está o elemento material da desídia. Exemplo típico é a do empregado que sistematicamente reduz a sua produção e a qualidade do seu serviço, muitas vezes com objetivo de conseguir a sua dispensa sem justa causa.

A reiteração de faltas para a incidência da desídia é justificada por Sússekind, Lacerda e Viana189 ao afirmarem que "atendendo à contingência humana, suscetível de erros e faltas momentâneas de energia, não é lícito considerar desidioso o empregado que comete um erro na execução do seu trabalho. Mister se torna, para tanto, a existência de erros habituais, sistemáticos, muitas vezes repetidos e que revelam falta de cuidado, o desinteresse, a negligência de quem os cometeu"190. Acrescente-se a isso que a aprendizagem é feita através de ensaios e erros. Assim, um empregado novo na função está mais sujeito a erros do que aquele com mais experiência. Tudo isso deve ser avaliado na aplicação dessa justa causa.

Portanto, a desídia caracteriza-se pela repetição de atos faltosos, de natureza leve ou não, mas para isso o empregador deverá provar que houve punição por etapas das faltas anteriores

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(advertências verbais ou escritas ou suspensões191, da qual a última resultou na justa causa. Tudo isso para demonstrar que houve tentativa de corrigir a conduta do empregado, mas sem sucesso, de forma a não restar à empregadora alternativa que não fosse à rescisão por justa causa. Tem-se, portanto a desídia como reiteração de faltas ou então aquelas que vierem a "resultar do conjunto de pequenas infrações que as tornam grave, suficiente e essencial à sua caracterização", conforme ressalta o Des. Luiz Carlos Teixeira Bomfim do TRT da Ia Reg., no Processo RO 00288-1998-061-01-00-0, cuja ementa consta do rol de jurisprudência.

Outra hipótese e das mais encontradiças entre as justas causas aplicadas pelo empregador é a das faltas reiteradas do empregado no serviço sem qualquer justificativa, descontinua ou não, que são um desapreço pelo trabalho e o descumprimento de uma obrigação elementar na relação de emprego que é a prestação de serviço. No entanto, se o empregado não comparece ao serviço por mais de 30 dias ou passando a trabalhar para outro empregador a hipótese da rescisão não será com base em desídia, mas sim em abandono de emprego (alínea i do art. 482).

Registre-se, também que ajusta causa com fundamento em desídia dificilmente ocorrerá quando o contrato estiver suspenso ou interrompido, mesmo porque a norma legal fala em desídia no desempenho das respectivas funções, o que vale dizer, quando o contrato estiver em curso em sua plenitude.

3. Culposa ou dolosa

Alguns entendem que a desídia poderá ser culposa ou dolosa, mas essa divisão não é bem aceita pela doutrina. Isso porque é na modalidade culposa que ela se manifesta e em variadas formas, pois como assinalam Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho, referindo-se a desídia: "é a negligência no cumprimento das obrigações contratuais. Pressupõe, conseguintemente, culpa. Tendo-se obrigado o empregado a um certo resultado através da prestação de trabalho, não atingindo este, a culpa se presume. Ao contrário, tratando-se de uma obrigação geral de conduta (diligência), caberá ao empregador provar que o empregado agiu culposamente. Nessa hipótese, a gravidade da falta há de ser, como sabemos, avaliada in concreto"192''.

A desídia dolosa é explicada por Russomano ao afirmar que, "quando a desídia é intencional, como na sabotagem, onde há a ideia preconcebida de causar prejuízos ao empregador, ou seja aquela em que está presente a intenção de prejudicar o empregador, por esse aspecto doloso, ela se identifica com a improbidade"193. De notar-se também que, na justa causa com fundamento em desídia, não se requer a presença do dolo, tal como exigido na improbidade, mas pressupõe a existência de culpa atrelada à negligência ou imprudência ou mesmo de imperícia,

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esta, porém, mais difícil de ocorrer, só sendo admitida em circunstâncias que comprovam que o empregado tenha agido culposamente, embora perito na função contratada. Assim, a desídia dolosa surgiu de uma doutrina que não vingou, prevalecendo-se a teoria de que a desídia se insere na modalidade culposa, onde tem a sua explicação melhor equacionada.

4. Negligencia, imprudência e imperícia

Conforme assinala Isis de Almeida na desídia "o elemento 'subjetivo' é a 'negligência', a 'imprudência' e, em alguns casos, a 'imperícia acidental'"194.

Na doutrina e jurisprudência trabalhistas, encontramos na conduta culposa a mais frequente para configuração da justa causa, mas a dolosa também pode estar presente, muitas vezes, em intensidade tal que não deixa nenhuma dúvida sobre a gravidade da falta.

No campo da negligência e da imprudência é que são encontradas as mais variadas situações, como já salientado acima, as quais dão ensejo à rescisão por justa causa com fundamento na desídia, conforme se verifica na parte destinada à jurisprudência.

A negligência ocorre quando o trabalhador age com indiferença e incúria no cumprimento de suas obrigações, traduzindo seus atos em violação ao dever de diligência profissional.

Ocorre imprudência quando o empregado tem conhecimento das suas funções e dos instrumentos do trabalho, mas assume uma postura que envolve riscos na respectiva execução. Como salienta Wagner Giglio os casos típicos são "do motorista que ultrapassa veículo, quando sua visão está encoberta por aclive, curva ou outro obstáculo qualquer, ou, sabendo do mau estado dos freios, atreve-se a guiar o carro, em vez de, cautelosamente, recolhê-los à oficina"195.

A imperícia, como a própria denominação indica, traduz na ausência de conhecimento técnico ou teórico sobre determinado...

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