Ato Lesivo da Honra ou da Boa Fama Praticado no Serviço Contra Qualquer Pessoa, ou Ofensas Físicas, nas Mesmas Condições, Salvo em Caso de Legítima Defesa, Própria ou de Outrem (Art. 482, j, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas247-263

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1. Generalidade e conceito

Foi com o art. 54 do Decreto n. 20.465/31 que surgiu no campo das relações trabalhistas a hipótese de justa causa fundada em ato lesivo da honra e boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem. O art. 5a da Lei n. 62/35, praticamente manteve a mesma redação anterior, o mesmo acontecendo com a CLT no seu art. 482, alínea/ (Decreto-lei n. 5.452, de Ia.5.43).

Para efeito didático trataremos aqui do ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, abrangendo também os atos lesivos ao empregador sob o mesmo enfoque, o que está previsto na alínea k do art. 482 da CLT. Trataremos também aqui das ofensas físicas apenas envolvendo empregados sem se ater aos superiores hierárquicos e o empregador, até porque a jurisprudência selecionada se refere à aplicação da alínea/, desse artigo.

Inicialmente, nos valemos das sábias palavras de José Martins do Amaral para quem "A palavra é um instrumento de dois gumes: afaga ou fere, constrói ou destrói. Ninguém, normalmente, chega a vias de fato, às ofensas físicas sem antes construir o fato com pensamento que é traduzido pela palavra falada ou escrita. É difícil. Não sei se já existiu um crime sem o calor, a expansão da palavra carregada quase sempre de ofensas. Já isso expressou em forma poética o imortal criador e poeta Alexandre Herculano: qual a mais perigosa das armas? O fuzil, o revólver, a faca, o aríete, a derindana... Não! A língua humana. Felizes os que dão cobro à língua. Uma calúnia, uma injúria, certos palavrões ferem tanto a dignidade, o decoro, a reputação que era preferível a ofensa física"292.

Jorge Severiano Jibeiro, citado por José Marthins Catarino afirma que "ato lesivo da honra é todo aquele que atinge o crédito, a reputação, o pundonor, o brio. Donde a conclusão

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lógica: ato lesivo da honra é todo aquele que possa destruir ou abalar o crédito, a reputação, o pundonor ou o brio de alguém", sendo que tal conceito abrange o atentado à "boa fama praticado no serviço"293.

De outra parte, a boa fama, conforme é explicado por De Plácido e Silva, nada mais é do que um "acervo de qualidades morais possuídas pela pessoa, cujo conhecimento é público e notório, em virtude do qual a boa fama, como a boa notícia, corre a seu respeito, enchendo-a da consideração de todos quantos a conhecem e com ela convivem. Embora a boa fama não se considere um bem, economicamente conversível, se mostra como um bem, juridicamente protegido, pois que seu titular pode recorrer à força da lei para que se lhe respeite e se mantenha íntegra a de que goza na sociedade. E como pela teoria aceita de quem nem sempre o património significa riqueza (PLANIOL), a boa fama é bem que se integra ao património da pessoa, e, daí, a proteção legal que se lhe dá"294.

Assim, todos os atos que procuram atingir a boa fama da pessoa não merecem ser acolhidos pela sociedade e muito menos no seio da relação de trabalho. O objetivo buscado nesse meio é a manutenção de um ambiente saudável em que imperam a disciplina e o respeito entre as pessoas envolvidas (trabalhadores e empregadores) para que o empreendimento seja bem-sucedido na geração de bens e serviços.

Nesse sentido, pondera Alice Monteiro de Barros que "os atos lesivos da boa fama são aqueles que expõem o ofendido ao desprezo de outrem. Incorre na prática dessa falta o empregado que agride colega no ambiente de trabalho, aí compreendidos também os arredores da empresa, a serem definidos pelo Juiz que estiver apreciando o caso concreto. O ato é ilícito e autoriza a resolução do contrato pelo empregador. Se comprovado que o empregado agiu em legítima defesa, própria ou de outrem, exclui-se a antijuridicidade do ato, mas é necessário que a reação se faça com a utilização de meios moderados diante da agressão injusta atual ou iminente. Logo, se o agredido premedita a reação, revida ou reage de forma desproporcional à agressão, repelindo, por exemplo, um empurrão com um tiro, não poderá alegar legítima defesa"295.

A verdade é que a honra e a boa fama são atributos ligados à personalidade de qualquer pessoa e consequentemente são direitos preciosos protegidos pela Carta Magna ao tratar da dignidade da pessoa humana (art. Ia, III). Compreende, portanto, que nessa norma, bem como a disposta na alínea k, a ela pertinente, se encaixa todo ato praticado pelo empregador que viole a honra e a boa fama do empregado, ou de qualquer outra pessoa, excluindo, evidentemente, as hipóteses de legítima defesa. A regra, consequentemente vale também para o empregador em relação ao empregado.

Como bem assevera Dorval de Lacerda "tradicionalmente, os atos lesivos à honra e boa fama são aqueles que o atual Código Penal denomina crimes contra a honra e a boa fama, ou seja, a calúnia, a difamação e a injúria. Transportando-nos para o campo especial do Direito do Trabalho, ou seja, para o ato faltoso em estudo, a realização deste consubstancia, portanto, uma

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daquelas três figuras. Queremos dizer: a prática do ato faltoso trabalhista, lesiva à honra e boa fama, traduz, seja calúnia, seja difamação ou injúria. E não há razão para se entender de outro modo, pela reivindicação de princípios próprios. O penalista partiu do conceito, que formara, de honra e de boa fama, para depois fixar os atos que lhes seriam lesivos. Ora, o jurista do trabalho, logicamente, não poderia estabelecer um outro conceito, especial para sua disciplina, de honra e boa fama, por ser este geral, aplicável a todos os cidadãos indistintamente, e por não haver uma razão lógica que lhe induzisse a admitir a existência de uma honra especial para o empregador ou para o empregado"296.

2. Honra e boa fama do empregador

Quanto à honra e a boa fama do empregador é importante assinalar que a Constituição Federal de 1988, no art. 5a, inciso X, preceitua que:

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Essa proteção, na ordem dos direitos fundamentais, não se aplica, como pode parecer, apenas aos indivíduos, tendo em vista os contornos da personalidade de cada um, pois, conforme estabelece o art. 52 do Código Civil vigente:

Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Lembra Sérgio Cavalieri Filho que "a pessoa jurídica é uma das mais extraordinárias criações do Direito. Não tem vida física, mas tem existência jurídica, mais duradoura que as pessoas naturais que a criaram; não tem vontade própria (ato de querer, próprio do ser humano), mas atua no mundo socioeconômico pela vontade dos seus órgãos dirigentes. Dessa maneira, o Direito faculta-lhe adquirir e exercer direitos e contrair obrigações - enfim, proceder no mundo jurídico como ser dotado de patente autonomia. Há pessoas jurídicas que são economicamente mais fortes e poderosas que muitos Estados. E, se o Direito assim trata a pessoa jurídica, é preciso reconhecer que ela, embora despida de certos direitos que são próprios da personalidade humana - tais como a integridade física, psíquica e da saúde -, é titular de alguns direitos especiais da personalidade, ajustáveis às suas características particulares, tais como o bom nome, a imagem, a reputação, o sigilo de correspondência etc."297.

Afirma também Cavalieri Filho que "a moderna doutrina francesa recomenda a utilização da via indenizatória para a proteção da pessoa jurídica: 'A Proteção dos atributos morais da personalidade para a propositura da ação, de responsabilidade, não está reservada somente às pessoas físicas. Aos grupos personalizados tem sido admitido o uso dessa via para proteger seu direito ao nome ou para obter a condenação de autores de propostas escritas ou tendentes à ruína de sua reputação. A pessoa moral pode mesmo reivindicar a proteção, senão de sua vida privada, ao menos do segredo dos negócios'"298.

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Gislene A. Sanches, no seu livro Dano moral e suas implicações no direito do trabalho299. cita Milton Paulo de Carvalho, para quem:

Sendo a vítima pessoa jurídica, não pode, evidentemente, sentir dor. Mas a lesão pode provocar um efeito negativo que também não seja patrimonial nem tenha reflexo patrimonial: a ofensa à confiança. [...] O dano moral lato sensuk pessoa jurídica atinge algo que se pode considerar espécie ou manifestação da honra. Vejamos. A honra, na definição de António Chaves, que sintetiza o quanto se tem escrito a respeito, é sentimento da própria dignidade, e, por via reflexa, decorrente de probidade, correção, proceder reto, é o apanágio da pessoa que sabe manter a própria respeitabilidade, correspondendo, assim, à estima em que é tida quem vive de acordo com ditames da moral. Há, assim, a honra subjetiva, consistente na consciência da própria dignidade; e a honra objetiva, consistente na reputação social. As lições acima...

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