Incontinência de Conduta ou Mau Procedimento (Art. 482, b, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas137-156

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1. Generalidades

As faltas pertinentes à incontinência de conduta ou de mau procedimento estão inseridas na alínea b do art. 482 da CLT, e consideradas distintas, embora exista controvérsia a respeito.

Cabe assinalar inicialmente que a incontinência de conduta, como falta grave, figurava na letra a da Lei n. 62, de 5.6.35, que tinha a seguinte redação: "qualquer ato de improbidade ou incontinência de conduta, que torne o empregado incompatível com o serviço e o mau procedimento constava na alínea c da mesma lei que dispunha 'mau procedimento ou ato de desídia no descumprimento das respectivas funções'".

Pela Consolidação das Leis do Trabalho verifica-se que o ato de improbidade foi inserido em única alínea, no caso a a, e a incontinência de conduta colocada na alínea b juntamente com o mau procedimento, mas nela utilizando à alternativa "ou", o que equivale dizer que não podem ser consideradas como expressões sinónimas, até porque não existem palavras inúteis na formação de uma lei135.

O que se deve entender é que o legislador da Consolidação das Leis do Trabalho foi mais feliz em colocar as duas hipóteses na mesma alínea do art. 482, porque elas têm algo em comum já que estão ligadas ao comportamento moral do empregado no serviço ou fora dele, embora uma tenha aplicação restrita e outra mais genérica, conforme veremos a seguir.

2. Incontinência de conduta Conceito e campo de aplicação

Evaristo Moraes Filho assinalou, em 1968, na sua obra A Justa Causa na Rescisão do Contrato de Trabalho que "a incontinência de conduta caracteriza-se pelo desregramento de

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costumes, pela falta de compostura, pela imoderação de linguagem, em suma, pela atitude habitualmente descomedida, dissonante do meio, perturbadora do trabalho"136.

Wagner D. Giglio afirma que "são os desmandos do empregado no seu comportamento sexual, as obscenidades que pratica, a libertinagem, a pornografia, a falta de respeito ao sexo oposto, regra geral, que configuram a incontinência de conduta"137.

A doutrina tem entendido que a "incontinência de conduta tem caráter mais afeito à vida desregrada do empregado a ponto de este perder a respeitabilidade e a boa reputação e tal vir a influir na execução do contrato de trabalho. Também aqui a qualificação da natureza exercida pelo empregado, o local de trabalho, o círculo social de convivência profissional e a repercussão negativa que a sua conduta possa trazer para a empresa são decisivos para a caracterização da justa causa"138.

A jurisprudência também tem considerado que a incontinência de conduta está ligada ao desregramento do empregado no que tange à sua vida sexual ao ponto de atingir a moral e prejudicar o ambiente de labor ou suas obrigações contratuais. O desvio ou afetação do nível de moralidade, por ofensa ao pudor ou sexualidade é também motivo para a incidência dessa falta grave. Nesse sentido, todas as faltas praticadas pelo empregado no ambiente de trabalho que envolver abuso, desvio de sexualidade, desregramento da conduta (gestos obscenos, atos de pornografia e assédio ou constrangimento sexual) levam ao reconhecimento da justa causa com esteio em incontinência de conduta. Isso porque, segundo o Dicionário Houaiss, incontinência significa "falta de continência, de comedimento nos prazeres sexuais; luxúria, sensualidade, impudicícia"139.

Os padrões normais do lado moral que se espera de uma pessoa no convívio em sociedade devem ser os parâmetros para a aplicação da justa causa fundada em incontinência de conduta, considerando-se inclusive, que na atualidade, com os avanços tecnológicos no ambiente do trabalho, que permitem a utilização de e-mails, corporativos ou não, deram uma dimensão maior no campo de sua aplicação.

Assim, o empregado que utiliza de correio eletrônico disponibilizado pela empregadora de forma imprópria, repassando mensagens de cunho pornográfico comete ato enquadrado como incontinência de conduta. Da mesma forma, comportamento desrespeitoso do empregado consistente em insinuações, gestos e atitudes de conotação sexual que ofendem o sexo oposto, eis que violam a decência mínima norteadora do tratamento entre homens e mulheres.

Ainda, o ato consistente em urinar no chão no setor em que é encarregado na presença de colegas de trabalho, que é um ato incompatível com o mínimo de decência e civilidade que razoavelmente é dado ao empregador aguardar e exigir do empregado. Estes são alguns dos exemplos encontrados na jurisprudência que especificam a conduta faltosa fundada em incontinência de conduta. Poderá eventualmente essa falta ser associada à outra como a de indisciplina

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ou de mau de procedimento, quando o empregado é advertido pessoalmente sobre a prática de incontinência de conduta e persiste no ato faltoso, daí porque assinala com propriedade Wagner D. Giglio que, "bem examinada, a letra b do art. 482 contempla uma justa causa genérica, o mau procedimento, e especifica uma outra, a incontinência de conduta, que não passa de um tipo particular de mau procedimento, o qual, por ocorrer com maior frequência, tornou-se tão importante a ponto de merecer um citação especial"140.

A conclusão que se tem é que a configuração da justa causa por incontinência de conduta se dá quando os atos praticados pelo empregado ligados ao desvio ou afetação do nível de moralidade, por ofensa ao pudor ou à sexualidade (libertinagem e pornografia e outros inconvenientes a elas associadas) e que repercutem no ambiente de trabalho de uma forma que impossibilite a continuidade do vínculo empregatício.

O assédio sexual no ambiente de trabalho também leva à aplicação de justa causa sob o enfoque de incontinência de conduta, daí porque destinamos um item específico sobre o tema.

2.1. Incontinência de conduta e o assédio sexual

Alice Monteiro de Barros afirma que "incorre nessa falta o empregado que pratica o assédio sexual em serviço contra colega de trabalho, cliente da empresa ou contra o próprio empregador. Enquadra-se como assédio sexual não apenas aquele classificado como crime, porque acompanhado de chantagem, mas também o que se caracteriza pela intimidação, pelo constrangimento, com a incitação, com a utilização de incitações sexuais inoportunas"141. Da mesma forma, segundo a autora, "incide em justa causa de incontinência de conduta o empregado que se utiliza de telefone do empregador para efetuar ligações para disque-sexo, ou do e-mail corporativo para remessa de material pornográfico"142.

Conforme assinala Guilherme Guimarães Feliciano "pela sua atualidade, merece especial atenção a figura do assédio sexual, constante do art. 216-A do CP, introduzida pela Lei n. 10.224/01, que reporta o exegeta à hipótese de incontinência de conduta, prevista no art. 482, b, Ia parte, da CLT. Com efeito, 'a incontinência de conduta tem sido entendida, na jurisprudência, como um tipo de mau procedimento: o desregramento de conduta ligado à vida sexual, direta ou indiretamente. (...) São os desmandos do empregado no seu comportamento sexual, as obscenidades que pratica, a libertinagem, a pornografia, a falta de respeito ao sexo oposto, regra geral, que configuram a incontinência de conduta'. O assédio sexual pressupõe, sempre, o exercício de poder hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função (art. 216-A, caput, do CP); pode se verificar, portanto, nas relações entre empregados de diversos escalões (caso do assédio de gerente empregado à funcionária subalterna, constrangendo-a ao favorecimento sexual com ameaças de punição disciplinar), sujeitando quem assedia à dispensa com justa causa. Já o assédio sexual perpetrado pelo empregador, que também configura

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o crime do art. 216-A do CP, não encontra fundamento específico e correspectivo na CLT, que não reconhece a incontinência de conduta do empregador. Nada obstante, o contexto suscita a rescisão indireta com base no art. 483, a (os favores sexuais reclamados são 'préstimos' alheios ao contrato e contrários aos bons costumes), d (é obrigação contratual implícita do empregador respeitar a dignidade e a privacidade do trabalhador, aí entendida a sua liberdade sexual) ou e (quando o assédio compreender insinuações ou palavras ofensivas ao pudor e ao senso de castidade ou resultar em atos moralmente ofensivos, como esfregas, ousadias ou carícias não consentidas); circunstancialmente, outras figuras poderão ser reconhecidas judicialmente (e. g., a hipótese do art. 483, g, se a forma de constrangimento for a redução do trabalho ou da praça de empregado ou empregada remunerados por peça, tarefa ou comissões)"143.

Vale ressaltar também que o empregador poderá responder por dano moral (art. 5a, V e X, da CF, e arts. 186/187 do CC), na ocorrência de assédio sexual, já que o empregador responderá por atos praticados por seu preposto e empregado, como também de ato de seu empregado perante terceiros, conforme disposto no art. 932 que prescreve: "São também responsáveis pela reparação civil... III - o empregador comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele".

Ocorrendo a condenação do empregador pelo ato praticado por seu empregado, em caso de assédio sexual, ele poderá em ação regressiva (art. 934 do CC) pleitear a reparação do respectivo prejuízo. O ideal seria que o próprio trabalhador causador do ato ilícito respondesse no mesmo processo juntamente com o empregador, mediante denunciação à lide, até para que pudesse se defender...

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