Outras Singularidades da Justa Causa

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas87-123

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1. Ónus da provana justa causa

A finalidade da prova é de convencer o julgador no sentido de que os fatos articulados no processo têm correspondência com direito postulado pelo autor, sendo certo que aquele que estará no polo passivo também terá que provar as alegações postas na sua defesa.

Cada um, portanto, suportará o seu encargo de provar o que alegou para dar respaldo ao seu pretenso direito posto em juízo ou então para afastá-lo se estiver no polo passivo da demanda. É o ónus probatório.

Em relação ao ónus da prova, existem regras que estabelecem a quem cabe o ónus de provar. Isso acontece porque "a regra do ónus da prova não se afigura tão somente uma de julgamento para o caso de haver incerteza no momento de julgar. É regra, portanto, que também se liga à organização da instrução do procedimento, porque define os contornos da atividade probatória das partes. Mediante o conhecimento da regra, portanto, tanto a parte-autora quanto a parte ré desenvolvem seus esforços na busca das provas que terão de empreender a fim de lograr êxito na demonstração dos fatos de seu interesse"92.

Como já se demonstrou ajusta causa é a medida mais extrema prevista em lei no âmbito do Direito do Trabalho, com graves consequências para a vida profissional do trabalhador, de forma que sua aplicação deverá ser feita sempre com a máxima cautela.

Desafia, portanto, uma prova robusta e indene de dúvidas dos fatos imputados ao empregado sob pena de se presumir injusta a dispensa com o pagamento das verbas rescisórias decorrentes.

Simples indícios não são suficientes para a configuração da justa causa. O boletim de ocorrência, por exemplo, é elemento meramente informativo à autoridade policial, até porque os fatos ali relatados ainda estão sujeitos à investigação.

É que é preciso que os fatos sejam devidamente comprovados, pois dependendo da acusação feita pelo empregador sem a respectiva prova, notadamente quando os fatos imputados ao tra-

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balhador violem a sua honra e dignidade como pessoa humana, além da reparação no âmbito trabalhista, poderá pleitear em juízo indenização por dano moral, tão à moda em nossos dias.

Outros fatores como o histórico funcional, o tempo de serviço na empresa e a gravidade da falta devem ser sopesados pelo julgador a fim de não se cometer injustiça na aplicação da justa causa.

Segundo o disposto no art. 818 da CLT, "a prova das alegações incumbe à parte que as fizer". Desnecessário assim a aplicação do art. 373, II, do CPC/2015, que no caso se restringiria a prova de um fato impeditivo do direito do empregado às verbas rescisórias que faria jus se a dispensa não fosse por justa causa, considerando-se, inclusive, que vigora o princípio da continuidade do vínculo empregatício, conforme Súmula n. 212 do TST, assim disposta:

O ónus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento. é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

Entretanto, se o empregador, em defesa, alegar que não despediu o empregado por justa causa e que o emprego se encontra a sua disposição, caberá ao trabalhador comprovar o contrário, pois se trata de fato constitutivo do seu direito.

De notar-se, no entanto, que se o empregador nega, por exemplo, que não despediu o empregado, com alegação de que o mesmo incidiu em abandono de emprego, o ónus da prova é do empregador, conforme a regra disposta na Súmula n. 212 do TST.

Por outro lado, todos os meios de prova admitidos em direito são permitidos no processo do trabalho (art. 5a, LV, da CF), ainda mais nesse, no qual muitas vezes o empregado está numa situação de inferioridade que não lhe permite em igualdade de condições de ter os meios necessários para uma prova que lhe favoreça.

Acrescente-se, mais que o disposto no art. 21293 do CC, apresenta um rol exemplifica-tivo sobre os fatos jurídicos que podem ser provados e que encontra amparo no art. 369 do CPC94. De notar-se também que, na atualidade, principalmente no campo das relações trabalhistas, existem situações que permitem a utilização de filmes, gravações de voz e imagem, ou mesmo o correio eletrônico como meios de prova principalmente quando só por meios deles, o empregado, ou mesmo o empregador, poderia conseguir produzir a prova que lhe interessasse. Até a prova ilícita, em determinadas hipóteses podem ser admitidas ante a aplicação do princípio da proporcionalidade que traça um juízo de ponderação entre os interesses em conflitos, ou seja,

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no sentido de que na avaliação dos fatos postos em juízo hão de prevalecer os valores maiores contrapostos. Nesse sentido, as duas decisões que seguem:

Ementa: Gravação de conversa telefónica. Ponderação de valores. Prova lícita. A licitude de gravação de conversa telefónica sem anuência de uma das partes deve ser analisada pelo princípio da ponderação dos valores envolvidos, ou seja, o direito à privacidade da chefe do departamento de pessoal da Reclamada e o direito da Autora à produção de provas, à liberdade de trabalho e à não discriminação. Isto posto, ante o princípio da proporcionalidade, não há que se falar em prova ilícita. TRT 18âReg. RO-00092-2009-007-18-00-0 -(Ac. 2â T.) - Red. Desig. Des. Platon Teixeira de Azevedo Filho. DJe/TRT 18âReg., ano III, n. 82,13.5.09, p. 12-13.

Ementa: Agravo de instrumento em recurso de revista-E-mail corporativo - acesso pelo empregador sem a anuência do empregado-Prova ilícita não caracterizada. Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, o e-mail corporativo ostenta a natureza jurídica de ferramenta de trabalho, fornecida pelo empregador ao seu empregado, motivo pelo qual deve o obreiro utilizá-lo de maneira adequada, visando à obtenção da maior eficiência nos serviços que desempenha. Dessa forma, não viola o art. 5e, X e XII, da Carta Magna a utilização, pelo empregador, do conteúdo do mencionado instrumento de trabalho, uma vez que cabe àquele que suporta os riscos da atividade produtiva zelar pelo correto uso dos meios que proporciona aos seus subordinados para o desempenho de suas funções. Não se há de cogitar, pois, em ofensa ao direito de intimidade do reclamante. Agravo de instrumento desprovido. Agravo de instrumento em recurso de revista - Conversa - Gravação feita por um dos interlocutores - Prova ilícita não caracterizada. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que a gravação de conversa por um dos interlocutores, a fim de repelir conduta ilícita do outro, não se enquadra na vedação prevista no art. 5e, LVI, da Carta Magna, constituindo-se, pois, exercício regular de direito. Agravo de instrumento desprovido. TST-AIRR-1640/2003-051-01-40.0 - (Ac. PT) - Rei. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. DJe/TST n. 98/08, 23.10.08 (Div.), p. 466.

Assim, conclui-se que todos os meios de prova permitidos em direitos poderão ser utilizados no processo do trabalho, notadamente quando está em jogo a questão da rescisão por justa causa que se traduz na pena máxima aplicada ao empregado no âmbito do Direito do Trabalho.

Por outro lado, não há dúvida de que na justa causa praticada pelo empregado o ónus da prova será do empregador, já que foi ele quem deu causa ao rompimento do contrato de trabalho. Contudo, existem casos em que cabe ao empregado provar que agiu em legítima defesa ou então que a sua recusa a uma determinação do empregador se deu por razões justas ou plausíveis e que afastariam a pena máxima.

Por fim, o juiz, na apreciação da justa causa para a despedida, deverá avaliar a gravidade da falta, a particularidade do fato, as condições do trabalhador e o ambiente de trabalho, com o propósito de individualizar a pena, a reincidência e a natureza da falta, e, no caso, qualificar como faltoso em uma das hipóteses taxativamente previstas na lei. Sem prova robusta e indene de dúvidas dos fatos alegados como justificadores da despedida, presume-se que a mesma tenha ocorrida sem justa causa, com direito do empregado às reparações rescisórias correspondentes.

Jurisprudencia

Ónus da prova

Ementa: Porque autoriza aplicar ao trabalhador, a mais drástica penalidade inscrita em nossa legislação trabalhista, a dispensa por justo motivo, que dele retira o direito a qualquer indenização a alegação de falta grave exige, do empregador, prova inequívoca, que não deixe margem para dúvidas. Isso, também, tendo em vista os princípios que norteiam a distribuição do ónus da prova, no processo do trabalho. Réu em uma reclamação trabalhista, se o empregador baseia a sua defesa na prática, por parte do trabalhador, de ato que se enquadre em alguma das hipóteses do art. 482 da CLT, estará alegando fato impeditivo do direito perseguido por aquele último, atraindo o encargo processual de demonstrá-lo art. 333,

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inciso II, do CPC de 1973, art. 373, inciso II, do CPC em vigor. Autor em processo sob a jurisdição trabalhista (por exemplo, em uma ação de...

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