Ato de Indisciplina ou de Insubordinação (Art. 482, h, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas224-233

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1. Introdução

A primeira vista poder-se-ia pensar que são expressões sinónimas, mas não são, até porque não se admite a existência de palavras inúteis num contexto de legislação. A Lei n. 62, de 5.6.35, já dispunha no art. 5a,/ que constituía justa causa para a despedida do emprego "ato de indisciplina ou insubordinação", cuja enunciação não ficou muito diferente do que consta da alínea h do atual art. 482 da CLT. Mas há que ser registrado que existe confusão na utilização das suas expressões, porque a insubordinação muitas vezes não deixa de estar vinculada a um ato de indisciplina, sendo certo também que nem todo o ato de indisciplina pode ser configurado como de insubordinação.

Em vista dessa dicotomia, coube à doutrina e à jurisprudência aclarar as duas expressões no trato da justa causa, embora na prática uma seja mais abrangente do que outra, já que as duas faltas estão intimamente relacionadas ao descumprimento de ordens emanadas do empregador, uma de caráter geral (indisciplina), portanto destinada a todos os empregados ou para vários e outra específica e direta (insubordinação) em que se dá numa relação entre o superior hierárquico e o próprio empregado.

2. Poder de comando e disciplinar

Já tratamos do poder de direção e disciplinar no capítulo em que tratamos das noções propedêuticas. Entretanto, quando se fala em ato de indisciplina e de insubordinação é preciso ressaltar que o empregador detém o poder de organização da atividade do empregado segundo os fins visados pelo seu empreendimento. Isso porque compete a ele não só a organização económica como também a boa ordem da empresa, tendo-se presentes os seus aspectos estruturais e os fatores técnicos relacionados com a produção. Em face do seu poder diretivo conferido pelo art. 2a da CLT, detém o poder de comando e consequentemente o disciplinar, de forma que o "dar ordens" faz parte desse poder, e o empregado tem o dever de cumpri-las, observando-se, no entanto, os limites impostos pela ordem jurídica, até porque não existem poderes ilimitados. Na lição de João Moreira da Silva, consiste este poder "na faculdade reconhecida à entidade patronal de impor aos trabalhadores, dentro dos limites da lei e das garantias formalmente estabelecidas,

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sanções disciplinares quando se verifiquem comportamentos daqueles que traduzam um não cumprimento do contrato ou o seu cumprimento defeituoso ou quando a sua conduta se mostre desconforme à organização dos meios produtivos da empresa ou inadequada à correta execução da prestação de trabalho"260.

Portanto, neste campo do poder disciplinar é que são encontrados no ambiente de trabalho. os conflitos entre aqueles que dão ordens, no caso, o empregador ou seus prepostos e os empregados, subordinados, por força do contrato de trabalho. É certo também que tais conflitos são inerentes à conduta humana e com incidência maior no campo das relações trabalhistas, já que são mais vivenciados no curso do contrato de trabalho, pois o dar ordens e receber ordens, aqui compreendidas nas mais variadas modalidades, fazem do cotidiano trabalhista uma rotina. E, nem sempre o recebedor de ordens as aceita sem oferecer resistência, às vezes com ou sem razão, daí porque sabiamente o legislador incluiu as duas hipóteses, indisciplina e insubordinação, na mesma alínea h do art. 482 da CLT, como atos de justa causa.

3. Ato de indisciplina Conceito e campo de aplicação

A indisciplina está relacionada ao descumprimento de ordens gerais emanadas do empregador ou de seus prepostos, lícitas e compatíveis com a sua qualificação profissional. Assim, há que se falar em indisciplina quando o empregado deixa de cumprir ordens de cunho geral, ou seja, aquela dirigida para todos os empregados da empresa ou então para determinados setores da empresa em que se exigem normas específicas. Com efeito, normas destinadas ao pessoal de portaria serão diferentes daquelas dirigidas ao pessoal de escritório, devido às peculiaridades de cada atividade, ressalvadas aquelas que pela sua natureza abrangem todos os empregados, citando, como exemplo, o de não fumar no local de trabalho. Aliás, Dorval de Lacerda já dizia que "Indisciplina é o ato do empregado, que traduz violação deliberada dos princípios de ordem geral que devem reinar na comunidade da empresa, e que emanam ou da regulamentação coletiva, ou do regulamento interno, ou dos contratos-tipo, ou das regras costumeiras, ou da lei estatal e da lei do grupo"261.

Assim, a indisciplina se caracteriza pelo descumprimento de norma geral, portanto, impessoal já que dirigida a todos empregados da empresa ou parte deles se destinada a empregados de departamentos específicos.

Conforme assinala Sérgio Pinto Martins "Configura indisciplina se o empregado recusa a ser revistado na saída do serviço, desde que a revista seja feita moderadamente. O mesmo ocorre se na empresa existe determinação no sentido de proibir que as pessoas fumem, principalmente por questões de segurança, ou de empregado beber, inclusive no horário do almoço. Seria o caso da empresa que exige uniforme de todos os seus empregados ou do setor de produção. A transgressão à determinação do empregador implicará ajusta causa262. Pode eventualmen-

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te o empregado praticar as duas faltas capituladas na alínea h, do art. 482 da CLT, ou seja, a indisciplina e insubordinação, conforme deixa antever a jurisprudência.

4. Insubordinação Conceito e campo de aplicação

Inicialmente, é preciso salientar que a subordinação jurídica é o traço característico da formação do vínculo empregatício. As mais variadas facetas atribuídas à subordinação, como a económica, jurídica, técnica etc, não retiram o caráter subordinativo da relação de emprego, uma vez reconhecida como tal. O empregador no caso está na condição de dar ordens e o empregado de cumpri-las tudo sob a ótica contratual, respeitados, no entanto, os limites impostos na legislação trabalhista. Nesse sentido, elucidativa é a lição de José Luiz Ferreira Prunes ao afirmar que: "Dois são os pontos que devem ser levados em conta para entender a subordinação: a) o empregado está sob a ordem estabelecida pelo empregador, tanto no que se refere a organização empresarial (que supõe uma 'ordem' uma sequência de atos) como tem de ocupar um lugar certo, com atribuições também determinadas no contrato, colocando-se no ponto apontado pelo dador de trabalho, na ordem por este idealizada e desejada (sub + ordine = subordinado); b) esta posição é imposta pelo empresário dentro dos direitos que lhe são conferidos pela lei e pelo contrato, colocando o assalariado dentro da organização, com maiores ou menores responsabilidades, mas sempre com poderes menores que os do próprio empregador, a quem está subordinado. É isto, sem dúvidas, de natureza organizacional"263. Absorvendo esse entendimento, tem-se que é da essência a existência de um comando por parte do empregador que se manifesta nas ordens dadas, as quais podem variar segundo a estrutura funcional do empregador.

Assim, todas as vezes que o empregado descumpre uma ordem direta, legítima e não abusiva do seu empregador ou de seus prepostos está cometendo um ato de insubordinação. Nesse sentido, assinala Aluysio Sampaio que a insubordinação "é o descumprimento, por parte do empregado, de ordem específica a ele dirigida pelo empregador ou superior hierárquico. Constitui infração à obrigação específica de obediência, como acentua Délio Maranhão. Obviamente, para que o descumprimento da ordem constitua ato de insubordinação, é indispensável que a ordem seja lícita, pois, se ilícita, cabe ao empregado o direito de negar-se a cumpri-la. Por outro lado, o ato de insubordinação será justa causa para a despedida, desde que represente séria violação ao dever de obediência, pois caso contrário, justificará apenas a aplicação de penalidade disciplinar (advertência, admoestação e suspensão)"264.

A insubordinação, portanto, ocorre quando há descumprimento de ordens gerais e específicas do empregador ou de alguém que faça as suas vezes, ou então de superior hierárquico ou chefe. Normalmente, as normas gerais são manifestações da administração da empresa, portanto, assimiláveis pelos empregados. Amaro Barreto da Silva, citado por Dorval de Lacerda as identifica como "mais específica, ferindo a autoridade da direção e da chefia da empresa"265.

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O empregado deve ser sempre diligente no cumprimento das suas obrigações, já que o dever de obediência é uma manifestação que emerge do contrato de trabalho, tendo o empregador o direito de dispor da sua força do trabalho, desde que as ordens sejam legais e não abusivas. Assim, pode-se dizer que comete ato de insubordinação o empregado "que coloca em risco a atividade empresarial, em dia de extrema necessidade, quando o serviço exigido não é superior às suas forças, proibido por lei, contrário aos bons costumes, prejudicial à segurança ou, ainda alheio ao contrato de trabalho"266.

A verdade é que o ato de insubordinação não só pode acarretar perturbação à boa ordem dos serviços como também menosprezar o poder de comando do empregador, com repercussões negativas no ambiente de trabalho, de forma que na...

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